segunda-feira, 23 de julho de 2007

Mais um dia ruim para o diabo

Por João Paulo da Silva

Quando o ditador chileno Augusto Pinochet morreu, o escritor mexicano Carlos Fuentes afirmou: “Hoje é um dia ruim para o diabo”. De fato não deve ter sido nada fácil para o capeta. Acho lamentável que por esses dias ele esteja recebendo mais uma surpresa desagradável. É que morreu, no último dia 20, o senador baiano Antônio Carlos Magalhães, o ACM. Eu mesmo só soube horas depois pela TV. Mas juro que quando ouvi a notícia não me contive e exclamei: - Ai, ai, ai!! Hoje é mais um dia ruim para o diabo.

O que morreu não foi um exemplo de “bom político”. Mas um símbolo reacionário, autoritário e corrupto. A trajetória política do ACM faz inveja a qualquer bandido do Congresso Nacional. Eu até imagino qual deve ser a brincadeira nos intervalos da picaretagem oficial.

Um senador grita do alto de sua bancada:
- Quem quer ser o ACM?
Grande euforia.
- Eu!
- Eu!
- Nada disso! Sou eu!
- Assim não vale! Eu falei primeiro!
- Tão roubando, hein!

ACM foi deputado pela UDN entre os anos de 1950 e 60, articulou o golpe militar de 64, fez parte da Arena, assumiu a prefeitura de Salvador e o governo da Bahia indicado pela ditadura, esteve com Sarney, Collor, FHC e, por último, com Lula. Sempre defendendo a política de privatizações e favorecimento dos banqueiros implementada por esses governos. O velho “coronel midiático” (ACM era dono do Correio da Bahia e da TV Bahia, afiliada à Globo) também desfilou com desenvoltura pelo terreno da corrupção. Quando era presidente do Senado entre os anos de 1997 e 2001, foi acusado de violar o painel eletrônico durante a cassação de Luiz Estevão, outro notório picareta. Também foi acusado pela Polícia Federal de comandar escutas telefônicas ilegais na Bahia. Um processo por quebra de decoro parlamentar até foi aberto, mas Lula impediu que chegasse ao fim e o caso foi arquivado.
Enfim, o currículo é extenso.

Já me disseram que as cadeias são universidades do crime. Pois é. Também já me disseram que é lá no Congresso que são ministrados os cursos de mestrado e doutorado. E eu não duvido nada que o ACM era um dos melhores professores. O Jacques Wagner (PT) decretou luto oficial por cinco dias na Bahia. Luto uma ova! Era pra ser Carnaval fora de época. E tem mais. A família que me perdoe, mas ainda estou em dúvida sobre qual o melhor fato: a batida de botas do ACM ou a vaia escandalosa que tomou o Lula?! Com o ACM, morre também uma parte do que de pior existe no Brasil. Já vai muito tarde, filhote da ditadura!
Para enterrar alguém, são utilizados sete palmos abaixo da terra. Mas com o ACM... não sei, não. Acho bom triplicar o número de palmos. Só pra garantir.

domingo, 8 de julho de 2007

Opostos

Por João Paulo da Silva

Conheceram-se numa praça da cidade através de um amigo. Ela era uma baita de uma intelectual, tinha a fama de “comer os livros” e às vezes de ser arrogante. Já ele... Bom, ele era muito bonito, esforçado etc. Logo de primeira, houve um interesse de ambos em tornar aquela iniciante relação de amizade em um possível relacionamento mais íntimo. É claro que precisavam se conhecer melhor. Mas é que os dois já estavam há algum tempo sozinhos, preocupados com outras atividades, sem tempo... Sabe como é, né?

Ela não gostava de perder tempo e tratou logo de marcar um novo encontro. Precisava conhecê-lo melhor. “Como ele é bonito” – repetia pra si mesma. Estava, de fato, encantada. Afinal de contas, ele era muito bonito. Ele também estava ansioso para encontrá-la novamente. Na primeira vez em que se viram, sabia que tinha acontecido algo diferente. “Alguma coisa relacionada com a pele, entende?” – dizia ele. “Alguma coisa envolvendo uma química”.
Resolveram se encontrar na mesma praça em que se conheceram. Ela, sempre adiantada, decidiu que deveria levar um presente. Gostava de impressionar no primeiro encontro. Como todo intelectual que se preza, achou que seria sensato presenteá-lo com um bom livro.
- Trouxe um presente pra você. – disse ela.
- Nossa! Um livro! Que bacana! Pra quê? – disse ele.
- Como assim, “pra quê”? Pra ler, ué?! – ela estranhou.
- Ah! É mesmo! Não sei onde ando com a cabeça.
Ele também tinha levado um presente. Um CD. Do Reginaldo Rossi. Ela ficou meio sem jeito.
- Brega?
- E dos bons, hein?! – disse ele empolgado.
Breve silêncio. Ela convidou:
- Vamos nos sentar ali. Depois podemos tomar um sorvete. O que acha?
- Mas só um?
- Não é isso. Eu quis dizer dois. Um pra você e outro pra mim.
- Ah, bom! Sendo assim tudo bem.
Ela riu, constrangida. Foram se sentar num banco embaixo de uma árvore.
Novo silêncio. Ela percebeu que não podia perder tempo. Era preciso falar alguma coisa.
- Escuta, eu preciso te dizer algo.
- Diz.
- Sou uma mulher direta. Não gosto de rodeios...
- Ah! Que pena!
- Pena? Por quê?
- Porque eu gosto muito de ver aqueles vaqueiros caindo de cima dos bois e cavalos.
“Deve ser o senso de humor dele” – pensava ela.
- Não é isso que eu quero dizer. – disse ela, já sentindo um misto de constrangimento e impaciência.
- Não? Então é o quê?
- Quero dizer que não gosto muito de enrolar pra falar algo.
- Ah! Agora eu entendi.
- Bom, vou tentar ser mais objetiva. Te chamei aqui porque eu tenho uma coisa importante pra falar.
- Então fala.
- Eu estive pensado e cheguei a conclusão de que poderíamos nos conhecer melhor e quem sabe trocar alguns fluidos? – disse ela um tanto insinuante.
Ele fez uma cara de decepção.
- Olha, eu vou ser sincero com você. Eu não gosto de trocar nada. Quando quero me desfazer de alguma coisa eu prefiro vender. É mais lucrativo, sabe?
Ela percebeu que a situação havia se complicado. Já estava ficando impaciente. Mas achou que devia se controlar. Afinal de contas, ele era muito bonito, esforçado etc.
- Ouça! Acho que você não está entendendo o que eu quero dizer. Vou tentar ser mais simples.
- Tudo bem.
- O que eu estou tentando falar é que o meu ID diz que eu preciso te beijar, mas meu SUPEREGO não irá permitir se você não deixar. Compreende?
- Ainda não. Esse papo de ID e SUPEREGO está muito complicado.
- Você nunca ouviu falar de Freud?
- Freud... Freud... Freud... É algum ator de novela?
- Não! Não é nada disso! – quase gritou.
Estava havendo um problema de comunicação. Bem, talvez não fosse necessariamente comunicação. Mas era preciso tornar a conversa mais simples. Ela resolveu tentar uma última vez.
- Tudo bem, vamos tentar de novo. O que eu quero de você é uma prova empírica do amor.
- Uma prova empírica? Do amor?
- Sim! Do empirismo! De Bacon!
- Bacon?! Ah, não! Eu não como bacon. Engorda muito. Entrei numa academia faz...
- Não! Não é disso que eu estou falando! Me refiro a Francis Bacon! Chega! Eu desisto!
- Desiste de quê?
- De você! Seu quadrúpede!
- Quadru... o quê?
- Esquece! Eu vou embora. E me dá aqui o meu livro. Você não vai entender nada mesmo. E toma a porcaria do teu brega!
- Ei! Espera! E o nosso sorvete?
- Derreteu!
Ela se levantou bufando de impaciência e foi embora, pensando que não havia no mundo sujeito mais bronco. Ele continuava sem entender o ocorrido. Permaneceu sentado no banco, pensando que não havia no mundo mulher mais complicada. Surpreendentemente, em alguns momentos, a vida se apresenta como a arte dos desencontros. Depois de um acontecimento desses, só há uma coisa a dizer. Os físicos que me perdoem, mas os opostos se repelem.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Aos jornais deixamos nosso sangue como capital

Por João Paulo da Silva

O famigerado presidente Washington Luís disse há mais ou menos 80 anos que “a questão social é um caso de polícia”. Já explico de forma mais clara o pensamento desse sujeito. O que o senhor Washington Luís – que o diabo o tenha! – quis dizer é que desempregados, pobres e miseráveis (na sua maioria negros) são problemas a serem resolvidos à bala. O massacre ocorrido no último dia 27 de junho no complexo de favelas do Alemão é a expressão mais brutal desse raciocínio. E, infelizmente, parece que deixou muitos herdeiros.

Lula, a polícia e o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) adoram usar números para comprovar eficiência. Pois bem. Aí vão alguns números. A operação da PM e da Força Nacional de Segurança (segurança de quem?!) deixou – até onde se sabe – 19 mortos. Destes, 9 eram adolescentes entre 13 e 16 anos. Pelo menos 10 pessoas ficaram feridas por balas e estilhaços de granadas. Detalhe: não eram traficantes. Segundo dados do próprio governo, desde o dia 2 de maio, quando a PM iniciou a invasão do complexo do Alemão, já foram contabilizados 44 mortos. E tem mais. As estatísticas mostram que os homicídios em ações policiais aumentaram em 50% nos três primeiros meses de 2007. Esses são os números. E assim devem ser tratados. Como números. Pois para o governo Lula e seus comparsas vidas humanas são apenas números. Ou melhor, sinal de eficiência.

A chacina ocorrida no complexo do Alemão só prova o que muitas outras chacinas de trabalhadores negros e pobres já comprovaram: a política de mais polícia e mais repressão para acabar com a criminalidade urbana é a cota maior da estupidez e do caráter burguês da justiça desse governo. Que argumentos usam os que negam o aumento da violência como resultado da miserabilidade do povo? Repressão falha? Justiça lenta? Leis inadequadas? Ora, estes já estão manjados!

Além de exterminadores da vida da população pobre, os planos econômicos neoliberais do governo Lula e a polícia são verdadeiros exterminadores do futuro. Ou se modifica a política econômica do país, parando de pagar as dívidas externa e interna e transformando a sociedade, ou estaremos condenados a uma crescente barbárie social, onde as únicas estatísticas que sofrerão alterações serão as dos mortos.

Um dia após à ação policial os jornais de todo o país traziam manchetes sujas de sangue, terror e desespero. Os moradores e as famílias das vítimas do massacre do Rio não podem e não devem ficar calados diante dessa “limpeza social”. Do contrário, continuaremos deixando aos jornais nosso sangue como capital.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Meia-noite


A pobreza é enforcada com barbante,
Dos lábios de alguém vazam palavras ultrajantes,
Mutilando o futuro logo adiante,
Nos transformando numa legião de mutantes.

A realidade é um baile à fantasia,
Foi mascarada e obrigada a esconder a própria face.
A vida é ironizada ao olhar-se no espelho,
Repugnante e revoltante é o disfarce,

A chuva cai em gotas de aço,
Banha os monstros noturnos
E traz o frio que corta.
Há o medo com medo
Atrás da porta.

Às vezes o sol sobressai
Por cima dos muros.
Mas hoje a vida amanheceu estranha,
Com uma vontade imensa de mentir pra mim.