domingo, 27 de março de 2011

Braços

Por João Paulo da Silva

À noite, passando por uma rua deserta, um grupo de estudantes voltava para casa. Por andar devagar, um deles acabou se afastando um pouco do restante. Como o bando vinha numa conversa animada, ninguém notou que o rapaz ia ficando para trás.

Algum tempo depois, o grupo sente falta dele. Ao se virar, a caravana avista o sujeito a uma distância considerável. Ele, que era negro, estava branco. Logo todos se aproximaram para saber o que acontecera.

- O que houve, cara?!
- Fui assaltado! Levou meu celular. – contou ele, muito nervoso.
- Assaltado?! Mas como? – perguntaram todos.
- Um cara chegou por trás de mim...
- Ui!! – alguém do grupo suspirou.
- Peraí, porra! É sério. O cara foi assaltado. Fala. – disse o Erivaldo.
- Um cara chegou por trás de mim. Passou o braço pelo meu pescoço, encostou o cano do revólver nas minhas costas e enfiou a mão no meu bolso pra pegar o celular. E disse que se eu fizesse qualquer coisa ele atirava.
- Peraí, peraí, peraí! Você disse que o cara fez o quê?! Deixa ver se eu entendi. O cara te deu uma gravata, encostou a arma nas tuas costas e enfiou a mão no teu bolso?
- É. Foi isso. – confirmou o rapaz assaltado.
- E quantos braços tinha esse assaltante, pelo amor de Deus?! Três?! – estranhou o Erivaldo.

Nesse momento, uma forte dúvida se abateu sobre o grupo. Alguma coisa não estava fazendo sentido naquela história.

- Mas não é possível. Pra fazer tudo isso ao mesmo tempo, o assaltante teria que ter três braços. Você tem certeza do que aconteceu?
- Tenho sim. Foi exatamente isso. – insistiu o assaltado.
- E como diabos o bandido fez toda essa ação? – o Erivaldo não se conformava.
- E eu é que sei! Só sei que o cara levou meu celular!
- Calma aí, pessoal. Vamos analisar friamente. – ponderou o Alex. – Há três possíveis explicações, mas apenas uma pode ser a verdadeira. Primeira: nosso amigo aqui está mentindo, mas ele não teria razões para mentir, não neste caso. Então está descartada. Segunda: o assaltante realmente tinha três braços, o que seria irreal e por si só uma mentira. Resta apenas a terceira. Vai ver que...
- Vai ver o quê?! Fala logo! – exigiu o grupo todo.
- Vai ver que esse terceiro braço não era exatamente um braço. Nem o cano era exatamente de um revólver. Bom, essa é explicação mais plausível.

Fez-se um silêncio constrangedor. Aí o Erivaldo falou:

- Isso só piora as coisas. Parece que agora a dúvida mudou.
- E qual é a dúvida então? – quis saber o Alex.
- Dadas as proporções avantajadas do caso, agora precisamos saber se o assaltante era um homem ou um jumento.
- Uuuuiii! – alguém suspirou de novo. Dessa vez, mais profundo.

domingo, 13 de março de 2011

Agora eu sou fitness!

Por João Paulo da Silva

Recentemente fiz minha matrícula numa academia de ginástica. É isso mesmo. Agora eu sou fitness. Não que eu tenha me rendido ao culto vazio e desnecessário do corpo perfeito. Mas decidi que não vou ficar gordo e muito menos deixar minhas coronárias entupirem. Meu médico falou que a partir dos 25 anos o ritmo do metabolismo começa a diminuir e isso, sob determinadas circunstâncias, pode se tornar perigoso, já que muitos de nós continuamos comendo porcarias e levando uma vida sedentária. Sendo assim, resolvi fazer exercícios físicos, mudar a alimentação e combater o colesterol ruim. Agora eu sou da turma da granola e da linhaça. É claro que não entrei numa academia para buscar músculos extravagantes e ficar deformado. Meu objetivo é alcançar uma vida saudável. Mas não reclamaria se conseguisse ficar igual ao Hugh Jackman.

Obviamente, como todo marinheiro de primeira viagem, tive alguns contratempos com o início de minha vida fitness. Para se ter uma ideia da situação, eu estava pedindo arrego já no alongamento. Fiquei lavado de suor só em esticar os braços para cima com os dedos entrelaçados, o que é muito preocupante para alguém que passou toda a adolescência jogando basquete. Quer dizer, um horror. Vendo o nível do meu sedentarismo e da minha escandalosa ausência de condicionamento físico, a professora decidiu que eu começaria com um leve exercício aeróbico. Assim, me pus a andar em cima de uma esteira durante dez minutos. Foram os dez minutos mais chatos de toda a minha vida. Não há nada mais enfadonho e irritante do que andar ou correr numa esteira, sem sair do canto e tendo a absoluta certeza de que não se vai chegar a lugar algum.

Entretanto, o desespero mesmo veio com os exercícios de levantamento de pesos. Aí o negócio ficou feio de verdade. Depois da esteira, a professora pediu que eu deitasse sobre uma plataforma acolchoada e levantasse uma barra de metal com dois pesinhos. Para evitar constrangimentos, eu nem quis saber quantos quilos tinham naqueles pesos.

- Aqui, nesse exercício, você vai fazer três séries de doze levantamentos. – orientou a professora.

E lá fui eu. As duas primeiras séries até que completei com relativa tranquilidade. O problema foi a terceira. Lá pelo quinto ou sexto levantamento da barra os braços já começaram a arder e a tremelicar. A dor aguda nos bíceps só me fazia pensar numa única coisa, que eu repetia mentalmente inúmeras vezes.

- Eu vou morrer! Eu vou morrer, meu Deus! Eu vou morrer!

Não morri. Mas por pouco não derrubei a barra e os pesos em cima de mim. Graças a um forte sentimento de orgulho próprio, eu ainda cheguei ao décimo levantamento da última série do exercício, faltando apenas dois para completar tudo.

Antes de me dirigir para a próxima atividade, resolvi saber quantos quilos eu havia levantado. Mais por curiosidade mesmo. E a professora me informou que cada pesinho daquele possuía dez quilos cada. Fiquei todo inflado de soberba. Tudo bem que não se tratava de um grande feito, mas já era um avanço. Afinal, nos últimos tempos, o único peso que tenho levantado é o controle remoto.

É evidente que este júbilo não durou muito. Enquanto eu fazia um exercício de fortalecimento das pernas, observei uma vovó toda durinha que se aproximava da barra de metal e dos pesos. Para minha surpresa e revolta, ela posicionou os braços junto ao corpo e começou a erguer a barra com dois pesos de dez quilos de cada lado. Quer dizer, o dobro daquilo que eu quase morri para levantar. A vovó movia os antebraços para cima e para baixo com tanta tranquilidade que mais parecia estar levantando um pacote de jujubas. Minha reação não poderia ter sido outra.

- Filha da mãe! – disse para mim mesmo – Que vovó filha da p...! Assim não dá. Assim eu me desmoralizo.

Passei o resto do dia moralmente abalado. Não por reconhecer a força da velhinha, e sim por constatar o agravo de minha moleza crônica. Um absurdo. Contudo, nem só de vergonhas e surpresas foi marcado o meu primeiro dia fitness. Uma cena medonha também me assaltou os olhos enquanto eu usava um aparelho para malhar o tórax.

Ao meu lado, em pé, um brutamontes exercitava o bíceps direito levantando um peso de uns trintas quilos, acho. A espessura do braço do sujeito devia ter mais ou menos o tamanho da minha cabeça. Algo monstruoso. Mas isso não era o pior. O apavorante de verdade foi ver as caras e bocas do gorila. Ao mesmo tempo em que erguia o peso, o fortão fazia biquinhos como se estivesse beijando alguma coisa e sorria para si mesmo, olhando de forma saliente para o próprio bíceps. Com medo de ver uma cena ainda mais bizarra, mudei rapidamente de aparelho. Tenho quase certeza de que se tivesse ficado por lá mais um pouco eu teria visto o sujeito se masturbar ali mesmo. Eu hein.

Bom, o mais importante é que, ao final da malhação, não me encontrava apenas com o corpo lavado de suor. Estava também de alma lavada. Nada melhor do que a sensação de bem estar depois de alguma atividade física. É cansativo, claro. Porém, é impossível alcançar resultados sem sacrifícios. No dia seguinte, parecia que eu tinha passado num moedor de carne. Tudo doía. Nem o controle remoto da TV eu conseguia levantar. Mas é isso mesmo. O que arde, cura. Vou continuar minha maratona de exercícios. Abaixo o colesterol! Rumo ao corpo do Hugh Jackman! Rumo a uma vida saudável e aos 130 anos de vida!

domingo, 6 de março de 2011

“Os bons morrem jovens”

Por João Paulo da Silva

Quase 50 anos de literatura e mais de 80 livros publicados. Três prêmios Jabutis e um prêmio Casa de Las Americas. Obras publicadas em 20 países e traduzidas para 12 idiomas. Entre as mais elogiadas, estão O Centauro no Jardim, A Guerra no Bom Fim, A Estranha Nação de Rafael Mendes e O Exército de um Homem Só. Médico por formação, passeou pelos gêneros literários como se fosse um clínico geral, mas com as propriedades de um especialista. Publicou romances, contos, crônicas, ensaios e literatura infanto-juvenil. Assim como outros bons gaúchos da literatura nacional, era um contador de histórias nato. Escreveu em média mais de um livro por ano. Só não escrevia quando não tinha nas mãos com o que escrever. Influenciado por Franz Kafka, Julio Cortázar e a Bíblia, fez de sua obra fantástica uma arena para alegorias e parábolas sobre a realidade e os seres humanos. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, o que talvez não fosse lá grande coisa, já que o Paulo Coelho e o José Sarney também fazem parte. Moacyr Scliar estava com 73 anos quando seus órgãos resolveram descansar primeiro do que ele. Era um garoto. Aliás, um guri. Possivelmente, ainda guardava muitos livros em sua cartola mágica. Entretanto, quanto mais rápido o tempo passa a nos engolir, mais certeza eu tenho de que, infelizmente, “os bons morrem jovens.”.

A maioria de vocês provavelmente não vai acreditar. Mas eu trocava emails com o Moacyr. Depois que o conheci pessoalmente, numa palestra sobre Graciliano Ramos, passei a ter uma admiração maior por sua obra. A simpatia e o humanismo de sua literatura eram facilmente reconhecidos em seu trato com as pessoas. Sempre atencioso como um bom médico, recebia os fãs sem aquela empáfia comum aos escritores consagrados e arrogantes. As respostas aos meus emails estão cheias da generosidade e da humildade do Scliar. Algumas delas tratam de felicitações pelo Jabuti que ele ganhou em 2009 e de opiniões sobre as minhas crônicas. Guardo com carinho especial duas mensagens que recebi do Moacyr.

A primeira veio em resposta a uma crônica que enviei a ele sobre o dia em que o conheci. Diz o seguinte: “Meu caro João Paulo, obrigado pela mensagem e sobretudo pela crônica, que me encantou e me emocionou, tanto por seu ótimo estilo como pela homenagem - melhor que o prêmio Nobel! Aceite os parabéns e o abraço deste seu fã, Moacyr Scliar.”. A segunda mensagem foi uma opinião que ele deu sobre outra crônica. “João Paulo, obrigado pelo e-mail e pela crônica - excelente, belíssimo texto! Receba os parabéns e o abraço do Moacyr Scliar.”.

Provavelmente, o Moacyr abusou da simpatia nas respostas. Mas para um fã isso não faz a menor diferença. Meus textos sempre foram muito influenciados por autores gaúchos, como Érico Veríssimo, Luis Fernando Veríssimo e o Moacyr Scliar. Eu os conheci nesta mesma ordem. De uma forma ou de outra, é como se a obra deles fizesse parte da minha história literária. O desfalque do Moacyr fará com que eu não tenha mais o mesmo prazer de antes ao abrir os jornais. Quer dizer, uma indelicadeza da parte dele.

Por isso, gostaria de fazer uma sincera proposta ao Sarney. Com o objetivo de atenuar os pecados que possui e realizar ao menos uma boa ação nesta existência, proponho que o presidente do Senado ofereça a própria vida em sacrifício para que o Moacyr Scliar retorne a este mundo. Já conversei com a bancada da Providência Divina e há acordo com a proposta. Inclusive, Deus argumentou que se o Sarney aceitar, ele pode até ficar no purgatório, ao invés de ir direto para o inferno. E aí, Sarney? É pegar ou largar. Lembre-se que você ainda pode sair no lucro.