Por João Paulo da Silva
Eu estava indo para Santos, cobrir um congresso nacional de trabalhadores. Foi a primeira vez que entrei em um aeroporto com o objetivo de voar. Até então, só tinha estado em um para acompanhar ou esperar alguém. Sempre tive um misto de curiosidade e medo de viajar de avião. O poeta Mário Quintana dizia que “o mal dos aviões é que não se pode descer a toda hora para comprar laranjas.”. Também é verdade que não se pode abrir as janelas para entrar um ventinho, a não ser que você queira tomar o ventinho lá fora. Seria muito bom se estes fossem os únicos males. Mas, infelizmente, não são.
Quando se viaja de avião, por exemplo, as chances de sobrevivência em caso de desastre são bem menores do que em um acidente de ônibus. Em geral, toda vez que um boing se esborracha no chão ou cai no meio do oceano é quase improvável encontrar alguém vivo. Além disso, não há muitas notícias de terroristas sequestrando ônibus e arremessando-os contra edifícios. Bom, já com aviões... Mas, de todo modo, segundo o Superman, voar ainda é a maneira mais segura de viajar. E foi pensando nisso que eu entrei no avião naquela madrugada.
Era uma bobagem achar que alguma coisa poderia acontecer naquele dia, e justamente comigo. Por isso, mesmo eufórico com meu primeiro vôo, procurei relaxar e aproveitar o momento. Afinal, seriam quatro horas com a cabeça, literalmente, nas nuvens. Estava tão emocionado com a viagem que na hora nem notei que minha passagem não era de primeira classe. Mas só o fato de viajar de avião já faz a gente ficar metido à besta. Enquanto arrumava a bagagem de mão, ainda pensei em perguntar ao passageiro da frente se o caviar servido pela companhia era proveniente do Mar Cáspio e do tipo beluga. É óbvio que desisti rapidamente, tanto pelo ridículo quanto pela absoluta certeza de que não serviriam nem mesmo um ovo frito.
Já acomodado em meu assento, depois de acompanhar atentamente as instruções de segurança dadas por um comissário de bordo que mais parecia um guarda de trânsito epilético, resolvi pegar um livro para passar o tempo. Desgraçadamente, da mesma forma que os ônibus, os aviões também estão munidos de passageiros impertinentes, daqueles que ficam a viagem inteira falando sem parar, mesmo que você não diga nada e demonstre não querer conversa. Para minha infelicidade, um desses passageiros estava ao meu lado. Uma passageira, na verdade. E o pior: a poltrona dela era a da janela, o que me impedia até de usar o recurso de virar a cabeça para ver a paisagem.
Não demorou muito e ela fez a primeira investida.
- Sabe, eu gosto de viajar de avião. Estou sempre viajando, meu trabalho exige. Às vezes mais de uma vez por dia. E você? Viaja muito?
- Não muito. De avião é a primeira vez. – respondi, me arrependendo logo em seguida.
- Sério? Não diga. Que coisa. Ah, mas você vai adorar. É claro que tem seus riscos e problemas...
Pronto. Era tudo o que eu não precisava ouvir.
- Sabe, assim que a gente decolar, você vai sentir uma coisa estranha nos ouvidos. Uma pressão, é como se estivessem sendo tapados.
- Entendo... – falei – Se eu ficar sem ouvir a senhora, até que não será mau negócio. – completei, dessa vez bem baixinho.
- Hein? O que disse?
- Não, não foi nada.
Juro que ainda pensei em gritar no meio do avião que aquela mulher tinha uma bomba e que era membro da Al-Qaeda. Na confusão, quem sabe até retirassem ela do vôo. Mas não dava mais tempo. O boing já se preparava para decolar e nós tínhamos de permanecer sentados. Na subida, foi dito e feito. Meus ouvidos ficaram tapadinhos. E por um breve momento eu achei que fosse vomitar. Até virei o rosto para minha inoportuna passageira, na esperança de ver despejado nela o meu eu interior. O enjôo, porém, passou rápido. Mais para sorte dela, claro.
Já no ar, estiquei um pouco o pescoço na direção da janela e pude ver tudo lá embaixo ficando cada vez menor, as luzes da cidade bem pequenas. Que emoção. Que sensação boa. Eu estava voando. Pensei com carinho em Santos Dummont e em sua maravilhosa engenhosidade. Agora, nós podíamos ir de uma ponta a outra do mundo em questão de horas, com conforto e tranquilidade. Tudo bem. Eu sei que às vezes nem sempre com tanto conforto. Mas, no meu caso, até poderia ser com tranquilidade, não fosse por minha trágica companheira de vôo.
- Olha só! Agora que notei. – recomeçou ela.
- O quê?
- Nossas poltronas ficam no meio do avião, bem ao lado das asas.
- E o que é que tem isso?
- Ora, você não sabe? Nas asas é que fica o combustível. Se o avião pegar fogo, nós morreremos primeiro. A explosão começa logo por aqui.
Isso é coisa que se diga para quem viaja de avião? Não, não é. Ainda mais quando se trata de alguém que está tentando relaxar e esquecer os riscos em caso de acidente. Ao que parecia, ao meu lado eu não tinha uma companheira de viagem, e sim um mau agouro. Comecei a ficar inquieto e preocupado com qualquer coisa que acontecesse. Por duas ou três vezes, quando o piloto informou que estávamos passando por “uma pequena turbulência”, cheguei a ficar visivelmente nervoso com o balanço do avião.
- Engraçado. – atacou de novo a passageira trombeteira do Apocalipse. – Nos filmes, os pilotos sempre dizem isso quando o problema é mais grave do que parece.
- E a senhora acha isso engraçado?!
- E o que se pode fazer? Se tiver de cair, vai cair, meu filho. Ultimamente os aviões tem caído tanto.
Ah, que maravilha! Agora, nem se quisesse (e ela deixasse) eu conseguiria me concentrar para ler meu livro. Dormir, então, estava fora de questão, já que a ansiedade não deixava fechar os olhos. Para piorar, nossas poltronas estavam ao lado de uma das portas do avião, que a todo instante dava umas tremelicadas. Se era algo normal, eu não sabia. Mas, àquela altura da situação, tudo parecia errado.
Notando meus olhos na porta que tremelicava, a mulher ainda encontrou cara para comentar:
- Já pensou se essa porta abre? Nós todos seríamos sugados para fora do avião, hein. Que loucura. Cairíamos não sei quantos mil pés já sabendo que não haveria escapatória. Tão angustiante.
“A senhora com certeza não teria a chance de se esborrachar no chão ainda com vida. Eu faria questão de apertar o seu pescoço enquanto estivéssemos caindo.” – pensei. Mas me arrependo amargamente de não ter dito. Meu suplício só teve um intervalo quando começou a amanhecer. Pela janela, entravam os primeiros raios de sol. Lá fora, eu podia ver com clareza que estávamos acima das nuvens. Era como se o avião deslizasse sobre um enorme tapete branco. Um belíssimo espetáculo ver o sol nascer assim, digamos, mais pertinho de nós.
Para minha sorte, antes que a infeliz ao meu lado estragasse o momento, uma comissária de bordo passou com o café da manhã. Com a boca atolada de comida, pelo menos ela estaria impedida de dizer besteiras. Aí aproveitei também para beliscar alguma coisa antes de pousarmos. Porém, nem isso deu para fazer. O café servido não passava de uma torrada integral com uma pequena porção de requeijão light. Na hora de abrir o pacote da torrada, fiz muita força e acabei esfarelando tudo. Só me restou beber um copo de suco de caixinha.
- Cuidado, viu? Às vezes esses sucos que eles servem estão fora da validade. Faz um mal danado.
Era a maldita passageira, de novo. Me levantei desesperado, em busca daquelas cordinhas presas ao teto dos ônibus que servem para avisar que vamos descer na próxima parada. Não encontrei, obviamente. Mário Quintana tinha razão. “O mal dos aviões é que não se pode descer a toda hora para comprar laranjas.”. Ou para fugir de todo tipo de maluco.
4 comentários:
Huhauhauha! Que engraçado! Se vc acha isso angustiante é pq vc nunca dormiu com vc msm! Seu ronco é muito pior que tudo isso! Haha
entrei aqui por recomendação da minha professora de história, realmente suas crônicas são muito boas!
Que legal! dei boas risadas. Depois quando não conversamos com certos tipos nos chamam de antipáticos. Eu hein!?
O triste é quando a pessoa que insiste em puxar assunto tem hálito alcoólico ou de cigarro...aí é terrível!!!
Sempre sou vítima desses tipos.
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