Por João Paulo da Silva
Depois de muita insistência, resolvi aceitar o convite de minha irmã para ver um festival de performances artísticas, realizado por jovens atores de vários estados do Nordeste brasileiro. Segundo ela, seria algo bem underground e experimental, algo que exploraria o íntimo e as sensações corpóreas dos presentes. Na hora, pensei: “Isso só pode ter safadeza no meio. Que negócio é esse de explorar o íntimo do corpo dos outros, rapaz?!”. Prometi a minha irmã que só daria uma olhada no dia em que ela fosse se apresentar, pois estava curioso para vê-la atuando depois que iniciou o curso de teatro. O festival durou toda uma semana, e minha resistência em ver as outras apresentações era fruto exatamente dos relatos que recebi sobre as primeiras performances.
Depois de muita insistência, resolvi aceitar o convite de minha irmã para ver um festival de performances artísticas, realizado por jovens atores de vários estados do Nordeste brasileiro. Segundo ela, seria algo bem underground e experimental, algo que exploraria o íntimo e as sensações corpóreas dos presentes. Na hora, pensei: “Isso só pode ter safadeza no meio. Que negócio é esse de explorar o íntimo do corpo dos outros, rapaz?!”. Prometi a minha irmã que só daria uma olhada no dia em que ela fosse se apresentar, pois estava curioso para vê-la atuando depois que iniciou o curso de teatro. O festival durou toda uma semana, e minha resistência em ver as outras apresentações era fruto exatamente dos relatos que recebi sobre as primeiras performances.
Logo no início, minha irmã contou que assistiu a duas atuações, no mínimo, grotescas. Uma delas se resumia a ficar olhando um gordão nu, ajoelhado com a bunda para cima, exibindo todo o seu “íntimo”. Já a outra era mais sofisticada. Numa sala, uma mulher magricela e, obviamente pelada, passeava entre o público, tocando as partes íntimas dos presentes e perguntando: “Isso te excita?”. Aí eu não contei conversa, meu amigo. Disse na lata para minha irmã: “Olha só, eu vou. Mas se tiver gordão pelado e pessoas tocando nas coisas dos outros, eu chamo a polícia! Tá me entendendo?!”.
Dito e feito. Quer dizer, quase. Não chamei a polícia, claro. Era só um blefe para ver se minha irmã me poupava de assistir às performances dos outros. Não funcionou. Como eu temia, teve gente pelada e esquisita, fazendo coisas fora de hora e em público. Quem? Quem? Quem? Ele mesmo. O gordão insano. Foi dele a primeira performance que assisti assim que cheguei ao local do festival. Me arrependi imediatamente de ter ido. Pior: me arrependi amargamente ter pago ingresso para ver o que vi logo no início. No centro de um amplo salão, o “performer” gordo colocou um espelho. Em seguida, abaixou as calças na altura da bunda e passou a depilar a própria região pélvica com um barbeador.
- Essa é minha performance. Vocês vão ficar aí, vendo eu me depilar. Vendo minha atividade íntima. Na verdade, não é minha. Porque esse aqui não sou eu. Esse é o meu outro eu. Porque eu mesmo não me depilo. Então, quem está aqui não sou eu, é o outro. – explicava o gordão enquanto raspava os próprios pêlos.
Eu achava que nada poderia ser pior do que aquilo, mas acabei vendo uma cena inacreditável. O gordo continuava se depilando, quando alguém da platéia pediu para ajudar a depilar o sujeito. E ele deixou, meu Deus! Aí o que já era bizarro ficou ainda mais grotesco. O gordão em pé, com os braços para cima, e o outro maluco agachado, raspando suas adiposidades íntimas. Virei para minha irmã e disse:
- Vou deixar você escolher. Quer me deixar ir embora ou quer que eu chame a polícia?
- Você não vai ver minha apresentação?! É muito importante pra mim.
- Por favor, me diga que ela é a próxima.
Não, não era. Iria demorar. Graças a meu coração mole e fraternal, fui obrigado a esperar a vez de minha irmã. Enquanto isso, continuei assistindo a inovadoras e experimentais performances artísticas. Depois do gordo depilador, veio o homem farinha de trigo. E a pergunta que eu mais me fazia interiormente era: “Minha nossa, o que é que eu estou fazendo aqui?”. O sujeito chegou mudo e saiu calado. Todo vestido de branco, sentou no chão e colocou uma caixinha de papelão ao lado. De dentro dela, ele retirou um pratinho, uma garrafa de água e saquinho de farinha de trigo. Aí teve início a palhaçada. Após misturar todos os ingredientes na vasilha, o sujeito começou a cobrir o rosto com a pasta branca. Cobriu tudo mesmo, formando uma máscara de farinha de trigo em torno da cabeça. Em seguida, levantou, pôs uma coleira com duas guias e saiu pedindo para que a platéia o puxasse. Do meu canto, eu não pensava em outra coisa a não ser no tempo e nos R$ 5 que gastei para ver aquilo.
Até chegar a hora da apresentação de minha irmã, fiquei perambulando pelo lugar, assistindo a todo tipo de esquizofrenia, camuflada de arte. Uma das últimas que vi foi a de um cara com uma caixa de papelão na cabeça, de onde saiam vários tubos amarelos que serviam para o público soprar e fazer diversos ruídos. Tudo isso com o sujeito andando pelo salão, e o povo atrás aplaudindo. O evento era bem mais do que underground. Estava cheio de gente estranha, que fazia coisas estranhas, tudo sem pé nem cabeça. A todo instante, me vinha a ideia de que eu poderia estar no meio de um filme de terror e que a qualquer momento alguém surgiria com uma serra elétrica, querendo fazer uma performance também.
Não é porque é minha irmã não, mas a performance dela junto com mais quatro amigas foi a mais, digamos, sensata. As cinco entraram se arrastando pelo chão e dizendo frases típicas de relacionamentos amorosos clichês. No centro da sala, um coração de pano que logo passou a ser disputado por elas quase às tapas. A apresentação deve ter durado uns intermináveis quinze minutos, mas foi única que eu entendi. A mensagem era algo sobre como nós nos arrastamos e brigamos pelo coração dos outros e coisa e tal. Bom, eu acho que era isso.
Antes de ir embora (óbvio que não fiquei até o final), minha irmã ainda me chamou para ver uma exposição de fotos logo na entrada do local. Achei que isso talvez pudesse salvar o festival. Que nada. As fotos eram horríveis, todas borradas, mostrando bocas, mãos e olhos tremidos. Pior foi a resposta de minha irmã quando perguntei:
- E agora? Pode me dizer o que significa isso?
- Pô, cara, então... isso é uma coisa louca que vem de dentro, saca?
- Ah, faça-me o favor, né! Coisa louca que vem de dentro pra mim é flatulência!
Sobre coisas desse tipo, diz a mãe de Zeca Baleiro na música Bienal: “Meu filho, isso é mais estranho que o cu da jia e muito mais feio que um hipopótamo insone”.
Assino embaixo com CPF e RG.
Dito e feito. Quer dizer, quase. Não chamei a polícia, claro. Era só um blefe para ver se minha irmã me poupava de assistir às performances dos outros. Não funcionou. Como eu temia, teve gente pelada e esquisita, fazendo coisas fora de hora e em público. Quem? Quem? Quem? Ele mesmo. O gordão insano. Foi dele a primeira performance que assisti assim que cheguei ao local do festival. Me arrependi imediatamente de ter ido. Pior: me arrependi amargamente ter pago ingresso para ver o que vi logo no início. No centro de um amplo salão, o “performer” gordo colocou um espelho. Em seguida, abaixou as calças na altura da bunda e passou a depilar a própria região pélvica com um barbeador.
- Essa é minha performance. Vocês vão ficar aí, vendo eu me depilar. Vendo minha atividade íntima. Na verdade, não é minha. Porque esse aqui não sou eu. Esse é o meu outro eu. Porque eu mesmo não me depilo. Então, quem está aqui não sou eu, é o outro. – explicava o gordão enquanto raspava os próprios pêlos.
Eu achava que nada poderia ser pior do que aquilo, mas acabei vendo uma cena inacreditável. O gordo continuava se depilando, quando alguém da platéia pediu para ajudar a depilar o sujeito. E ele deixou, meu Deus! Aí o que já era bizarro ficou ainda mais grotesco. O gordão em pé, com os braços para cima, e o outro maluco agachado, raspando suas adiposidades íntimas. Virei para minha irmã e disse:
- Vou deixar você escolher. Quer me deixar ir embora ou quer que eu chame a polícia?
- Você não vai ver minha apresentação?! É muito importante pra mim.
- Por favor, me diga que ela é a próxima.
Não, não era. Iria demorar. Graças a meu coração mole e fraternal, fui obrigado a esperar a vez de minha irmã. Enquanto isso, continuei assistindo a inovadoras e experimentais performances artísticas. Depois do gordo depilador, veio o homem farinha de trigo. E a pergunta que eu mais me fazia interiormente era: “Minha nossa, o que é que eu estou fazendo aqui?”. O sujeito chegou mudo e saiu calado. Todo vestido de branco, sentou no chão e colocou uma caixinha de papelão ao lado. De dentro dela, ele retirou um pratinho, uma garrafa de água e saquinho de farinha de trigo. Aí teve início a palhaçada. Após misturar todos os ingredientes na vasilha, o sujeito começou a cobrir o rosto com a pasta branca. Cobriu tudo mesmo, formando uma máscara de farinha de trigo em torno da cabeça. Em seguida, levantou, pôs uma coleira com duas guias e saiu pedindo para que a platéia o puxasse. Do meu canto, eu não pensava em outra coisa a não ser no tempo e nos R$ 5 que gastei para ver aquilo.
Até chegar a hora da apresentação de minha irmã, fiquei perambulando pelo lugar, assistindo a todo tipo de esquizofrenia, camuflada de arte. Uma das últimas que vi foi a de um cara com uma caixa de papelão na cabeça, de onde saiam vários tubos amarelos que serviam para o público soprar e fazer diversos ruídos. Tudo isso com o sujeito andando pelo salão, e o povo atrás aplaudindo. O evento era bem mais do que underground. Estava cheio de gente estranha, que fazia coisas estranhas, tudo sem pé nem cabeça. A todo instante, me vinha a ideia de que eu poderia estar no meio de um filme de terror e que a qualquer momento alguém surgiria com uma serra elétrica, querendo fazer uma performance também.
Não é porque é minha irmã não, mas a performance dela junto com mais quatro amigas foi a mais, digamos, sensata. As cinco entraram se arrastando pelo chão e dizendo frases típicas de relacionamentos amorosos clichês. No centro da sala, um coração de pano que logo passou a ser disputado por elas quase às tapas. A apresentação deve ter durado uns intermináveis quinze minutos, mas foi única que eu entendi. A mensagem era algo sobre como nós nos arrastamos e brigamos pelo coração dos outros e coisa e tal. Bom, eu acho que era isso.
Antes de ir embora (óbvio que não fiquei até o final), minha irmã ainda me chamou para ver uma exposição de fotos logo na entrada do local. Achei que isso talvez pudesse salvar o festival. Que nada. As fotos eram horríveis, todas borradas, mostrando bocas, mãos e olhos tremidos. Pior foi a resposta de minha irmã quando perguntei:
- E agora? Pode me dizer o que significa isso?
- Pô, cara, então... isso é uma coisa louca que vem de dentro, saca?
- Ah, faça-me o favor, né! Coisa louca que vem de dentro pra mim é flatulência!
Sobre coisas desse tipo, diz a mãe de Zeca Baleiro na música Bienal: “Meu filho, isso é mais estranho que o cu da jia e muito mais feio que um hipopótamo insone”.
Assino embaixo com CPF e RG.
8 comentários:
Nunca tive oportunidade de ir para algo desse gênero. Acho que ia ter reações muito similares às suas, João. O texto é ótimo, divertidíssimo.
Mermão, deve ter sido muito engraçado isso tudo! Eu penso que cada vez mais a "arte" é uma coisa subjetiva e muitas vezes tosca! Acho que quem depilou o gordo foi vc, cabeça! rsrsrs
João, adorei a crônica (havia tempo não entrava no seu blog), desculpa, só achei desnecesária a citação do Zeca Baleiro no final, até porque você é muito mais inteligente do que ele... Abraço!
AAAAAAAAAAAH! MALDITO! HSUWHSHUASHUWASUAWSUHA'
Assuma q você curtiu outras performances, velho? ASSUMA!
E eu não falei esse troço que vem de dentro, não! HSUHWASHUHAWSUHAWUHSAWSH'
E ai, cara, tudo bem? Onde foi que aconteceu esse lance?
Eu faria umas ressalvas em relação ao que você escreveu. Começo dizendo, porém, que é provável que eu também achasse bem desagradável ver um gordo se depilando, ou algo do tipo. Mas a questão é: a arte tem que ser sempre agradável?
Mesmo as formas de expressão artísticas mais tradicionais não são sempre agradáveis. Pode ser desagradável e bom. Pode ser agradável e ruim. Pode ser agradável e bom. Pode ser desagradável e ruim. Acho que você enquadra a do gordo na última classificação, não é?
Quer dizer, às vezes a gente acha que chamar algo de 'arte' é necessariamente dizer: isso é bom. Não é! A perfórmance do gordo, ou do cara da farinha, etc., pode ser vista como arte - aliás, desmerecê-lo apenas porque não gostamos é algo medíocre -, mas que não se enquadra em formatos tradicionais. No entanto, isso não significa que a gente não possa criticar ou que sejamos obrigados a gostar.
Lembrando que na década de 20 do século passado, no Brasil, aquela galera também chocou a sociedade (a sociedade paulistana, que cultuava as 'belas artes', tomava café e viajava para a Europa nas férias - e que a maioria dos criticados até fazia parte). Acusaram os modernistas de não fazerem arte, mas não conseguiram impedir as rupturas que eles propuseram. Antes deles, àquelas que chamam de 'vanguardas européias'... e antes delas, por séculos, e também depois, sempre rola algo aqui e alí que destoa, que não se conforma com o mais do mesmo. Acho saudável. O gordo fez o lance dele. Se vai durar, se será tendência, se cairá em esquecimento etc., o tempo dirá, outros artistas dirão, a crítica ajudará a decidir.
Outra questão importante que você citou: "foi a única que entendi", "passa uma mensagem". Acho que a arte não tem a obrigação de passar mensagens. E acho, também, que tem muita coisa bacana sendo feita que faz experiência mais direta com os elementos que compôem o que se diz ser a forma. Acho, inclusive, que é possível ser militante (no sentido de ser revolucionário, socialista mesmo) trabalhando apenas a forma. Se dizer que "sem teoria revolucionária não há revolução", onde estaria o erro em dizer que "sem forma revolucionária não há arte revolucionária"?
No fim das contas, o que quero dizer é o seguinte: assim como não podemos simplesmente banalizar e concordar com a tal frase que diz que 'tudo é arte', acho complicado continuarmos produzindo sempre as mesmas coisas. Como socialistas, temos que fazer algumas auto-críticas. Até que ponto também estamos sendo, ou não, conservadores? Acho que determinadas posturas contradizem, inclusive, uma máxima marxiana famosa, que diz que 'tudo que é sólido se desmancha no ar'.
Abraços!
Estou de volta ... Gostei... mas acho que eu ia curtir esse show bizarro... sorriso ...
Só podia ter sido a Camila mesmo hahaha
Só podia ter sido a Camila mesmo hahaha
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