Diante do espelho, observo com
dolorosa tristeza a enorme vaga que a calvície deixou em meu cocuruto. É de
dilacerar o coração, confesso. Constatar que esta minha superfície nua já fora
em outros tempos uma área de vasta cabeleira é realmente pavoroso. Perder os
cabelos é como ser desmembrado, quase como perder um órgão vital. Não creio que
esteja cometendo exageros. Os que sofrem do mesmo infortúnio sabem do que estou
falando. Ficar careca é angustiante!
Eu tinha lindos cabelos. Eles
eram lisos e “mais negros que a asa da graúna”. Costumava usar um corte estilo
“cuia”, todo redondinho. Parecia mais o Tibicuera, aquele índio tupinambá do
Érico Veríssimo. Fazia sucesso. Todo mundo queria passar a mão no meu cabelo.
As garotas adoravam. Ah! Meu lindo cabelinho.
Tudo começou ainda na
adolescência. Eu devia ter uns quinze anos quando os primeiros fios começaram a
cair. No início, eu nem dei muita bola. Os médicos diziam que era normal o ser
humano perder por dia entre 50 e 100 fios. Fiquei tranquilo. Por pouco tempo, é
claro. Foi na escola que uma colega avistou atenciosamente o prelúdio da minha
desgraça.
- Ô, João? – disse ela – Tu vai
ficar careca!
A infeliz sentava atrás de mim.
Podia ver a retaguarda do meu cocuruto. A frase ecoou na minha cabeça como os
tambores do Apocalipse.
- Do que você está falando?! Quem
vai ficar careca aqui?!
- Você, ué? A não ser que tenha
virado monge franciscano, esse buraco que tá começando a aparecer atrás da sua
cabeça me parece princípio de calvície.
Os cabelos estavam por toda
parte. No travesseiro, na toalha, na pia do banheiro. Passei a contar todos os
fios que encontrava pelo caminho. Fiquei paranóico. Minha mãe tentava me
convencer de que eu não estava ficando careca.
- Meu filho, isso é paranóia da
sua cabeça. – dizia ela passando a mão pelos meus cabelos e percebendo o tufo
que se desprendera.
Fui a um montão de
dermatologistas e recebi de todos a mesma resposta.
- Não tem cura, garoto. No máximo
um tratamento para retardar a queda.
Mas não era o que eu queria. Eu
queria era não ficar careca. Simples.
Fiz uma porção de tratamentos.
Comprei xampus das mais variadas cores e cheiros, loções capilares com aromas
horrorosos. Até uma mistura com alho e gengibre feita pela vizinha curandeira
eu tentei. Tudo em vão. Eu achava que tinha irritado alguma força poderosa,
quem sabe os mestres do universo, ou talvez algum “deus dos cabelos”. Com
certeza que não. No fundo, eu sabia quem era o culpado por toda minha angústia.
Meu pai. Sim, o velho nessa época já tinha uma calva muito grande. Havia uma
herança para mim. E não era dinheiro. Passei um tempão com raiva do meu pai.
- A culpa é sua, pai! – dizia eu
olhando angustiado para o espelho.
- Minha? Por quê?
- Quem mandou o senhor ser
careca?!
- Agora danou-se tudo! Vá
reclamar com seu avô! Ele também é careca.
Percebi que o problema era um
pouco mais complicado. Havia mesmo era um legado do mal. Descobri algo muito
pior que o destino: a genética!
O tempo passou. Eu fui crescendo
e a calvície avançava sem tréguas. Em pouco tempo, começou a devastar também
minha área frontal. Eu não tinha mais forças para lutar no front. O inimigo me
encurralara. Mas eu não estava disposto a me render.
Tentei a tática da dissimulação.
Quis fingir que nada estava acontecendo. Esquecer mesmo, sabe? Ora, perder os
cabelos não era o fim do mundo. Também não deu certo. A resistência não durou
mais que uma semana. Havia um elemento surpresa com o qual eu não contava: as
pessoas. Tem sempre uns engraçadinhos que adoram tirar sarro da desgraça
alheia. Estão entre eles amigos e parentes. O ser humano é um bicho maligno!
- Ô careca! Pouca telha! Virou um
caminhão de peruca ali na esquina. – diziam os amigos do trabalho entre
gargalhadas.
- Meu filho, tão novo e já tá
ficando careca. – observava uma tia (é sempre uma tia!).
- Careca! Cabeça de ovo! –
gozavam os primos pequenos.
Nunca superei completamente a
“fuga” dos meus cabelos. Hoje, olhando criticamente para o espelho e pensando
na vasta experiência que tenho em calvície (e bota vasta nisso!), me pego
refletindo acerca dos problemas da minha categoria: os carecas.
Como calvo que sou, compreendo
perfeitamente as lamúrias de nossa existência. Não é todo careca que se dá bem
com sua careca. Não são todos os homens que têm a sorte de ficarem parecidos
com o Sean Connery quando perdem os cabelos. É muito cruel você se olhar no
espelho e descobrir que se transformou no José Serra. Bate logo uma depressão.
As pessoas também não ajudam. Há
muito tempo que os carecas são tomados como ponto de referência nas ruas de
muitas cidades.
- Amigo, por favor, como faço pra
chegar na Rua Íris Alagoense? – pergunta um sujeito a outro bem na Praça do
Centenário.
- O senhor vai por aqui direto.
Quando chegar naquela esquina, onde tá aquele careca, o senhor dobra à direita
e segue em frente.
Como se não bastasse, a sociedade
ainda inventou algumas frases para ridicularizar os carecas. Coisas assim: “é
dos carecas que elas gostam mais” ou “as piores cabeças Deus cobriu com
cabelo”. Isso só piora a situação. Acaba afetando a auto-estima da pessoa.
Outro dia eu conversava com uma
amiga anarquista sobre minha depressão capilar. Ela me dizia:
- Você tem que parar de se
preocupar com esses estereótipos, João. Tem que se libertar!
Ela tem lindos cabelos ruivos.
Não me aguentei.
- Que conversa de estereótipo é
essa?! Queria ver se fosse com você! Raspe esse seu cabelo e fique numa boa! É
cada uma que me aparece.
Ter uma careca não é nada fácil.
Admito que o porquê da calvície
me atormenta, mas é mesmo a falta de solução para o problema que me desgraça. Tanto
progresso científico pra nada! Ônibus espacial, viagem à lua, viagem a Marte,
energia nuclear, clonagem etc, etc, etc... Estamos no século 21! Cadê, então, a
cura para a calvície?! A indústria farmacêutica não está nem aí para os
carecas. Pouquíssimas foram as vezes que tomei conhecimento de uma possível
solução para tamanha infelicidade (a peruca não conta!). Me lembro de uma.
Um laboratório nos EUA havia
desenvolvido uma pílula com propriedades de restauração do crescimento capilar.
Na hora fiquei eufórico. Pensei até que meu martírio tinha chegado ao fim.
Bobagem. O remédio tinha efeitos colaterais. Tomando a pílula, a restauração
era praticamente garantida. No entanto, havia um problema: o sujeito poderia
ser vitimado pela impotência sexual. Aí eu fiquei puto! De que adiantava ganhar
em cima, e perder embaixo?! Desisti. Alegria de careca dura pouco.
Pode ser que depois de mais
alguns anos eu me acostume. Mas até lá vou ficar na bronca. Estou pensando,
inclusive, em fundar uma entidade. A ACA (Associação dos Carecas Anônimos).
Sairemos todos pelas ruas com caixas de papelão na cabeça. Faremos grandes
passeatas exigindo do governo mais verbas para as pesquisas sobre calvície (se
é que existe isso!). E se o povo nos acompanhar podemos até tomar o poder. Fundaremos
a República dos Carecas. São planos futuros.
Outro dia, comprovei que todo
castigo pra careca é pouco. Eu caminhava pelo centro da cidade quando cruzei
com um velho amigo.
- Diga, João! Quanto tempo,
rapaz! Como vai essa força?
- Vai indo, vai indo.
Me preparei para uma provável
piadinha sobre minha careca.
- Ô, João? – lá vem chumbo,
pensei – Tu tá ficando barrigudo, hein!
- Quem? Eu? Barrigudo?
7 comentários:
É a nova! kkkk
caraca careca... Detestei muito. Sempre tentei de tudo, mas quando arranjei uma noiva desisti. O problema nunca foi a calvície em si e sim a insistência de cair aos poucos e ficar aquela tipo "cagada de barbeiro" rs por isso tenho maquininha e raspo toda semana rs ótima crônica , boa semana pra tu
Quer dizer que a pílula para exterminar a calvície causa impotência? É, alegria de careca dura pouco. Ou pouco dura? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Excelente essa crônica.
Eu estou com o mesmo problema... Não consigo aceitar que isso aconteça tão cedo... Meu blog de crônicas é o que me faz esquecer um pouco esse problema...
Parabéns, sua crônica ficou muito boa!
E cara essa situação e triste,mais eu não sou careca e só lamento e a próxima vitima e Pedão em!!!!E pra finalizar boa Crônica...
Muito boa a CRÔNICA cara espero mais futuramente!!!
Ótima Crônica!!!!
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