segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Schwarzenegger for president!

Por João Paulo da Silva

As eleições presidenciais no coração do Império tomam conta dos noticiários. Mas bem que poderiam invadir Hollywood e a festa do Oscar também. Inclusive com direito a premiação e a um “thank you very much” no final. As prévias americanas merecem ganhar um Oscar. O de melhor maquiagem.

Assistimos pela TV a algo inédito na história dos EUA: a possibilidade de um negro, Barack Obama, ou de uma mulher, Hillary Clinton, chegar ao principal assento da Casa Branca. Mas, ao contrário do que parece, o tom “progressista” das duas candidaturas não passa de uma ilusão. Geralmente as maquiagens servem para esconder ou realçar alguma coisa. No caso americano, para esconder.

A política assassina de Bush desencadeou uma importante crise no imperialismo. O presidente estado-unidense, que se considera xerife do mundo, amarga dias ruins. É repudiado em qualquer lugar do planeta, fez do Iraque um novo Vietnã, carrega nas costas o fantasma da recessão e possui os piores índices de popularidade do país. Só não é mais impopular do que a Britney Spears. Mas isso já é outra história. O fato é que o imperialismo está atolado em sangue e precisa de alguns retoques em sua imagem, já tão desgastada por Bush. É aí que entram em cena Obama e Hillary. Novos personagens de uma velha trama.

As campanhas dos dois candidatos despertam ilusões de mudanças em setores oprimidos da sociedade norte-americana. E não era pra menos. Por ser negro, Obama tem o apoio da maioria da população negra e pobre. Mas não faz questão nenhuma de se ligar às históricas reivindicações dos negros de seu país. Obama não é o candidato de uma América negra e explorada. É simplesmente o candidato de uma América que ignora a existência do racismo, quando não o pratica. Admirador de Ronald “Rambo” Reagan, Barack Obama é na verdade o futuro que quer repetir o passado. Já até falou em invadir o Paquistão. O senador americano pode ser negro, mas tem alma de branco rico.

De fato, uma mulher como presidente da maior economia do mundo seria algo extraordinariamente novo. Mas as novidades parariam por aí. Hillary Clinton é uma continuação de seu marido tarado. Digo isso politicamente, claro. A ex-primeira dama quer ampliar os estragos neoliberais realizados por Bill Clinton na década de 90. Não bastasse isso, Hillary ainda tenta construir uma imagem de combate à opressão machista, apoiada por setores feministas que esqueceram suas diferenças de classe. Quando diz que um maior número de mulheres no mercado de trabalho está reduzindo o preconceito, Hillary não fala evidentemente das trabalhadoras em geral. Lucros altos exigem salários baixos. E a justificativa mais petulante encontrada pelo capitalismo é um velho chavão machista: “as mulheres são inferiores aos homens”. Mesmo sendo mulher, Hillary não pode esconder de que lado da trincheira está. Quanto ao Iraque – embora ela hoje seja contra a guerra –, Hillary Clinton já tem seu passado manchado pelo sangue dos iraquianos. Em 2002 ela foi a favor da invasão.

Na tentativa de restaurar sua imagem e manter o saque a outros países, o imperialismo aposta numa simulação. Numa maquiagem. Obama e Hillary são duas faces do mesmo receituário neoliberal que desgraça a vida de milhões de trabalhadores no mundo todo. Duas novidades para conservar o velho. Não há mudanças à vista, pelo menos para os explorados. Apenas outro déjà vu.

Você deve estar se perguntando: “E o que tem a ver o Schwarzenegger com tudo isso?” Já me explico. Se a burguesia imperialista não tivesse com o filme tão queimado como está agora, o atual governador da Califórnia seria o candidato ideal para seus planos. Em se tratando de exterminar a vida de outros povos, quem melhor do que o próprio exterminador do futuro para assumir a presidência?! Schwarzenegger for president!! Bem ao estilo hollywoodiano.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Uma metáfora para o mundo contemporâneo

Por João Paulo da Silva

Andando tranqüilo no centro da cidade, não pude deixar de bater os olhos na manchete de um jornal numa banca de revistas: "Hamas diz que lançará foguetes enquanto Israel mantiver ocupação". Percebendo meu interesse pelo assunto, o dono da banca comentou:
- Esses sujeitos são todos uns fanáticos. Vivem metidos nessa guerra sem sentido.Um bando de terroristas doidos que só querem explodir tudo. Eu é que não me meto nisso. Estão todos errados.

A argumentação daquele homem nada mais era do que a simples repetição da propaganda da turma do Tio Sam. Eu que não tenho nenhuma simpatia pelo Hamas podia até ter ficado calado. Mas como isso não é do meu feitio não me contive. Na mesma hora me ocorreu uma metáfora para explicar o caso.
- O senhor tem casa? - perguntei.
- Claro que tenho. Por quê?
- Então imagine só a situação. É madrugada. O senhor e sua família dormem tranquilamente. De repente ouvi-se um estrondo. Parece que vão derrubar a casa. Rapidamente um exército armado até os dentes invade o quarto, apontando fuzis para a cabeça do senhor e de sua família. Os homens armados mandam vocês saírem da casa. Do contrário, todos vão morrer. Eles dizem que a partir daquele momento a casa não lhes pertence mais. Faz parte agora de um Novo Estado que eles estão fundando. O que o senhor faz?
- Saio, ué?! Não tô querendo morrer.
- Exatamente. No primeiro momento o senhor e sua família decidem sair. Mas depois você percebe que aquele exército não queria apenas a sua casa. Queria também a dos seus vizinhos. E a dos vizinhos dos seus vizinhos. E a dos vizinhos dos vizinhos dos seus vizinhos. Aí o senhor se dá conta de que tudo aquilo é na verdade parte de um projeto de dominação. Que na realidade o que eles querem mesmo é controlar toda a região. Tudo isso porque descobriram que naquelas terras – suas e de seus vizinhos, diga-se de passagem – existe muito petróleo e que vale uma fortuna. Então, o exército fortemente armado começa a empurrar o senhor, seus parentes e seus vizinhos cada vez mais para fora daquela terra. De modo que, em pouco tempo, todos vocês estão vivendo como escravos em verdadeiros campos de concentração, sofrendo bloqueios e passando necessidades. Aí o que é que o senhor faz?
- Aí eu me revolto, ué?! Os caras roubaram minha casa, me expulsaram da minha terra e ainda maltratam minha família!
- Exatamente! Esta situação é muito cruel. Sendo assim, o que o senhor fará todas as vezes que passar na frente de sua casa tomada pelos invasores?
- Ahhhh moço!!! Eu atiro uma pedra, um tijolo, um pedaço de pau! O que eu tiver na mão!
- Tudo isso porque o senhor quer de volta o que é seu. Mas digamos que o senhor não tenha apenas pedras e paus. Possui também bombas e foguetes. Usaria?
- Claro! Agora virou uma guerra!
- Pois é, meu senhor. É justamente essa guerra que vive o povo palestino.

Saí da banca de revistas imaginando o que aquele homem estaria pensando agora. No caminho pra casa, me lembrei da frase que certa vez ouvi de um trotskista chamado Valério Arcary: "Numa luta entre desiguais, permanecer calado é sempre apoiar o mais forte".

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Um estranho

Por João Paulo da Silva

O amor é estranho. Não escolhe hora, momento ou lugar. Vem como um susto. Acontece tudo muito rápido, de maneira bastante imperceptível. Invade, inunda, consome, retalha. É assim. O sentimento é tão mágico que às vezes nem mesmo o ser descobridor percebe a descoberta. Talvez seja o mais confuso dos sentimentos. O mais difícil de se entender. E por isso o melhor. É aquele que não se encaixa, pois não cabe em lugar nenhum. Não há espaço que o enquadre. Não tem cheiro, sabor, nem cor definida. É mutável. É como a água. Assume a forma do recipiente que ocupa. Ele é grito e murmúrio. Riso e choro. Forte e fraco. O amor gosta de desejar. Deseja olhos, bocas, narizes, orelhas, nádegas, coxas, corações. Ele reprime. É ditador, não democrata. É, na verdade, um claustro de portas abertas. De todos os sentimentos humanos, ele é o mais humano. É tão humano que parece ser utópico. Mas não é. O amor leva flores e bombons. Diz que não está. Telefona durante a madrugada. Bate portas na cara. Até se embriaga. Não tem pé nem cabeça. Também não tem tronco nem membros. Implora atenção. É exibido. O amor é idiota, tolo, abobalhado. E por isso é lindo. Palavras, linhas, páginas, capítulos, livros. Nada o descreve. Nada o disseca. O amor é assim mesmo. Um estranho.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Que vexame, meu Deus!

Por João Paulo da Silva

Um amigo até me falou que era bobagem. Machismo da minha parte e coisa e tal. Eu até concordo. Mas é que... sei lá. Ficou um clima chato, sabe? Maior constrangimento, pô! Fiquei todo sem jeito na hora.

Eu tinha ido ao urologista. O motivo? É melhor poupá-los dos detalhes. Posso dizer apenas que o problema se tratava de uma dor que eu estava sentindo numa região estratégica. Mas a situação era dura, confesso. Sem trocadilhos maldosos, por favor.

O certo mesmo é que fui tomado pelo nervosismo. Me angustiava só de pensar no que o médico poderia dizer. Uma porção de hipóteses passava pela minha cabeça medieval.
- Hum...
- É grave, doutor?
- Grave?! Gravíssimo, meu senhor!
- Ai meu Deus do céu! O que é que eu tenho?!
- O senhor faz sexo regularmente?
- Regularmente? Bom, até as 20 horas funciono regularmente. Depois... já não garanto.
- Hum...
- O que foi?
- Vamos ter que amputar.
- O quê?! Amputar?! Mas por quê?!
- Por falta de uso.

Enfim, eram idéias estúpidas como esta que ocupavam minha mente quando fui chamado pela recepcionista.
- Senhor João? Pode entrar. Sala dois.
Entrei. Todo desconfiado. Mas entrei.
- Muito bem, Seu João. Qual é o problema? – perguntou o médico atrás de uma mesa.
Entre uma gaguejada e outra, fui explicando tudo nos mínimos detalhes. Rapidamente o médico deu o diagnóstico.
- O senhor vai ter que entrar na faca.
- Como assim “entrar na faca”?! – me assustei.
- Vamos ter de fazer uma cirurgia.
- Cirurgia?! Mas o senhor nem me examinou direito! Eu nem mostrei o...
- Nem precisa mostrar. Só pelo que o senhor me falou pude identificar o problema.
- Ahhh não! Mas agora eu quero mostrar. Faço questão.
Um silêncio incômodo se fez. O médico disse:
- Está bem. Pode se despir.
Ao baixar as calças, grande foi a minha surpresa. Enorme, por sinal. Eu não estava achando meu pênis.
- Vamos, rapaz. Pode mostrar. Não precisa ter vergonha. – disse o médico.
Procurei por toda a cueca. Mas... nem sinal dele.
- Calma, doutor. Eu vou achá-lo. Não se preocupe. Até ontem ele estava por aqui! Juro! Ai meu Deus. Que vexame!
Finalmente, com muito esforço, consegui encontrá-lo. Estava muito encolhido. Tinha se escondido quando ouvira falar em faca. Aproximei-me um pouco dele e murmurei:
- Isso é coisa que se faça, rapaz! Olha o vexame! Vamos! Apareça! Com essas coisas não se brinca.

O médico não disse nada. Com certeza notou meu constrangimento. Quis me poupar. Explicou apenas que o procedimento cirúrgico seria simples. Meu problema era ocasionado pelo excesso de alguma coisa. Daí a necessidade de operar. Segundo o médico, eu continuaria sendo um homem normal.

Fui para casa preocupado. Durante uns dias, meu pênis e eu não nos falamos direito. Ele tinha ficado magoado com o que eu disse no consultório. É um sentimental. Semana passada decidi procurá-lo para pedir desculpas. Ele não quis aceitar. Disse que tinha amor-próprio e tal. Essas coisas de gente orgulhosa. Anda agora com umas idéias de separatismo, de independência e não sei quê. Tô meio aflito com essa história toda. Não me parece um bom negócio. Pelo menos para mim, claro.