domingo, 27 de fevereiro de 2011

O dia em que me tornei amigo do Moacyr Scliar

Por João Paulo da Silva

(Crônica republicada como primeira homenagem ao Moacyr)

Foi com “O Exército de Um Homem Só” que tive meu primeiro contato com a literatura de Moacyr Scliar. Mesmo sendo ainda um moleque, achei o livro fabuloso, cheio de pequenas e grandes revelações. Mas o fato é que esta obra me permitiu conhecer muitos outros livros do Moacyr, como “Mês de Cães Danados” e “A Guerra no Bom Fim”. A admiração pela prosa humana e reveladora do Scliar me levou a assistir, na noite de uma sexta-feira, 28 de novembro de 2008, sua palestra sobre Graciliano Ramos e os 70 anos de Vidas Secas. É claro que Graciliano sozinho já seria um espetáculo, entretanto, naquela noite, fiquei com a sensação de que o Velho Graça não era a estrela absoluta.

A palestra do Moacyr em Maceió estava marcada para as 19h30, mas só foi começar mesmo depois das 20 horas. Eufórico como uma tiéte, me sentei na terceira fileira das cadeiras do auditório. Nas mãos, eu segurava apenas minha caneta e meu exemplar de “Mãe Judia, 1964”, pronto para conseguir um autógrafo. Quando vi o Moacyr Scliar entrar no auditório, virei para um amigo e falei extasiado:
- Lá vem ele! É o Moacyr! Lá vem o Moacyr, caramba!
- Sossega o fogo aí, rapaz! – repreendeu o amigo.

Minha tietagem só não foi maior porque não levei pompons e não fiquei gritando: Moacyr! Moacyr! Moacyr! O que por um lado foi bom, me fez evitar o ridículo. Mas devo confessar que uma forte emoção me assaltou naquele momento. Era a primeira vez que eu estava diante de um dos meus escritores prediletos. Além disso, também era a primeira vez que eu estava vendo de perto um gaúcho, que só conhecia das histórias que contam por aí. Fiquei esperando o momento em que ele usaria o “tu” ao invés do “você”. E ele usou. Após a palestra, fiz uma observação sobre Graciliano Ramos. Aí o Scliar respondeu: “Tu tens toda razão no que tu falas”. Achei muito engraçado aquilo. O Moacyr usou o “tu” com aquele sotaque gaúcho, mas ficou devendo um “barbaridade, tchê”.

Durante toda a palestra, fiquei atento ao que o Moacyr Scliar falava. Por quase duas horas, ele falou da vida do Graciliano, da força de Vidas Secas, revelou algumas fofocas do meio literário e contou anedotas da literatura em geral. Mas duas coisas me chamaram a atenção no palestrante. A primeira é que o Moacyr parecia um bom velhinho, com aquela cara de vovô bonachão. Um pouco mais de barba e cabelo fariam dele um simpático Papai Noel. A segunda, e mais engraçada, é que ele era bem rosadinho, o que acabou me dando a impressão de estar vendo um desenho animado.

Terminada a palestra, começou a sessão tietagem. E eu estava no meio, claro. Para onde ia o Moacyr, eu ia atrás. Não sairia dali sem meu autógrafo e pelo menos uma foto. Se, por acaso, ele esboçasse qualquer movimento de fuga, eu não hesitaria em pular em seu pescoço.

Depois de ficar na cola dele por um tempo, finalmente consegui. Não tirei uma foto, tirei três. Sempre muito simpático, ele autografou meu livro com os seguintes dizeres: “Para João Paulo, leitor brilhante. Abraço do Moacyr.”. Foi o primeiro autógrafo que recebi na minha vida. E isso não é qualquer coisa. Eu até ganhei um elogio do cara, pô!

Agora, depois de ter conhecido o Moacyr Scliar, ter tirado três fotos e ter ganhado um autógrafo, vou exigir mais respeito em todos os lugares. Tão pensando o quê?! Agora eu sou amigo do Moacyr, rapá!

Na escola, durante as aulas de literatura, quando um aluno estiver bagunçando, vou dizer:
- Ô rapazinho! Você sabe com quem está assistindo aula? Com o amigo do Moacyr Scliar! Então, por favor, mais respeito, hein!

Na hora de reivindicar um salário melhor:
- Não vou aceitar essa ninharia não. Vocês sabem quem eu sou? Sabem? Sou amigo do Moacyr Scliar. Quantos amigos do Moacyr vocês conhecem, hein?! Vamos, respondam!

Bom, tudo bem que o Moacyr ainda não sabe que somos amigos. Mas nisso eu penso depois.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O primeiro pêlo

Por João Paulo da Silva

Já foi dito e redito inúmeras vezes que “a primeira vez a gente nunca esquece”. Seja lá o que for que esteja acontecendo pela primeira vez, o ocorrido torna-se sempre marcante talvez porque jamais volte a acontecer. Ao menos não da mesma forma. Do ponto de vista masculino, de onde posso falar com certa tranquilidade, penso que nunca se esquece o aparecimento do primeiro pêlo no rosto, no peito, nas axilas ou nos “países baixos”. É quando, biologicamente, o menino começa a se transformar em homem e o mundo ganha outras conotações. Observar o inevitável passar do tempo sempre foi recorrente para a humanidade. Mas as mudanças vindas com os anos podem ter efeitos diferentes sobre nós, a depender da época e das transformações.

Quando se é apenas um guri, o primeiro pêlo traz uma euforia de início de nova era, além de uma estúpida sensação de poder e autoridade. Em geral, achamos que um projeto de bigode nos dá permissão para oprimir garotos mais novos e praticar “coisas de macho”. Roubamos lanches, damos cascudos, xingamos e dizemos palavrões. Os primeiros e modestos pêlos também fazem a gente querer falar grosso, mesmo que a voz ainda não seja tão grave. Até o comportamento diante das meninas muda. Com meia dúzia de fios no rosto, pensamos ficar mais atraentes e exercer certo controle hipnótico sobre elas. Afinal, homem de barba é sempre mais homem do que os outros. Obviamente, tudo isso não passa de uma paleolítica cultura machista. Mas, de todo modo, o primeiro pêlo inaugura uma época na vida em que parecer mais velho não é um problema.

A vida sempre foi muito precoce comigo. Aos 11 anos, enquanto a maioria dos outros meninos aguardava a chegada do primeiro pêlo, eu já fazia a barba. Aos 14, tinha mais pêlos no peito do que o Tony Ramos. Quando fiz 17, a calvície já estava no meu encalço. De modo que as minhas primeiras vezes em tudo talvez tenham ocorrido mais cedo em mim do que nos outros da minha idade. Dia desses, porém, acho que a fatal transitoriedade do tempo extrapolou os limites do aceitável nas contas e resolveu tripudiar.

Eu estava de frente para o espelho, começando a me barbear, e acabei dando de cara com ele. No início não acreditei, o que é uma reação bastante comum diante de situações absurdas. Tudo bem que eu fosse precoce, mas aquilo já era demais. Aos 26 anos, tive um novo encontro com o primeiro pêlo no rosto. Só que desta vez com um agravante: era branco. Tá. Tudo bem. Eu sei. Eu sei que existem muitos homens, antes mesmo dos 30, que já possuem uma cabeça tão branca quanto um cotonete. Sei também que isso se deve mais a outros fatores do que propriamente à velhice. Mas não era para estar acontecendo com a minha barba. Não agora! Não aos 26! Não eu estando com uma calvície avançada! Isso é uma tremenda injustiça. Quer dizer que, além de careca, eu também vou ficar grisalho rápido demais?! Nesse ritmo, aos 35 anos, eu serei um maracujá, numa cadeira de rodas e com catarata. Quando fizer 45, então, nem se fala. As fraldas geriátricas e o Alzheimer já serão uma realidade. Daí para uma cama de hospital e respirar através de aparelhos será um pulo.

Já foi dito e redito inúmeras vezes que “o que os olhos não veem, o coração não sente”. Por isso, não hesitei em raspar toda a barba e me livrar do pêlo branco. O problema vai ser quando eles começarem a aparecer no peito. Aí não terei como raspar. Entretanto, desafio mesmo será conservar os poucos cabelos que me restam, até que eles fiquem brancos. O mais provável é que caiam antes. Você pode até dizer que todo esse papo não passa de bobagem, frescura metrossexual ou coisa de gente que só se preocupa com estereótipos etc. Mas se pelo menos eu ficasse a cara do Sean Connery... nem diria nada.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Me contaram

Por João Paulo da Silva

“Não sei se é verdade, mas me contaram uma...”. Normalmente, é assim que começam os relatos duvidosos. O fofoqueiro – espécie de jornalista sem critérios de apuração nem código de ética – é o responsável por essas narrativas audaciosas. Para ele, uma boa história não precisa ser necessariamente verdadeira. Precisa ser apenas atraente e, de preferência, escandalosa.

Eu tenho pena do jornalista, esse fofoqueiro com código de ética e critérios de apuração. Quantos jornalistas já deixaram de contar boas histórias só porque elas não eram totalmente verdadeiras? O fofoqueiro é que é feliz. Pode aumentar uma coisinha aqui, inventar outra acolá. Melhor: se quiser, pode até inventar tudo e ficar com a consciência tranquila. Ninguém vai punir o fofoqueiro. Mesmo porque, depois de feita a fofoca, é muito difícil provar que fulano de tal é responsável pela história. O fofoqueiro sempre nega.

Não sei se é verdade, mas outro dia também me contaram uma. No início dos anos 90, durante uma viagem aos EUA, um embaraçoso acontecimento envolveu o então presidente da República, Fernando Collor de Mello, e a primeira-dama, dona Rosane. Dizem as más línguas que ela nunca foi uma pessoa, digamos, “esperta” demais. É como falam por aí: o cérebro é uma coisa maravilhosa. Todos deveriam ter um. Ao que tudo indica, dona Rosane Collor não tinha. Ou, na melhor das hipóteses, se esqueceu de levar no dia da viagem.

Assim que o presidente e a primeira-dama desembarcaram no aeroporto, foram recebidos com todas as honras a que tinham direito. Inclusive, na ocasião, havia uma enorme faixa na entrada do saguão com os seguintes dizeres: Welcome, Collor! Dona Rosane, um poço de sagacidade, olhou com atenção a frase e rapidamente se deu conta do que estava escrito. Com cara de mulher que exige explicações do marido, a primeira-dama lascou pra cima do presidente:
- Mas que história é essa, Fernando?! Quem é esse tal de Wel?!

Bom, foi o que me contaram.