terça-feira, 24 de novembro de 2009

A caneta de cinco cores

Por João Paulo da Silva

Alfredo lia o jornal quando o filho de seis anos se aproximou com uma caneta na mão e disse:
- Pai, preciso de outra caneta. Esta não funciona mais.
- Amanhã eu compro, filho. – respondeu sem tirar os olhos do jornal.
- Mas tem que ser igual a do Maurício.
- Por quê?
- Porque ela é grande, bonita e tem cinco cores.
- Cinco cores?! – assustou-se.
- Isso mesmo, pai. Cinco cores.
Alfredo fechou o jornal, coçou a barba, olhou tristemente para o menino e falou:
- Desculpe, filho. Deve ser muito cara. Eu não posso comprar.
- Por quê?
- Porque nós somos pobres.
- Mas só nós?
- Não, filho. Um montão de gente também é.
- E é ruim ser pobre?
- É, filho.
- Por que é que o pai do Maurício pode comprar a caneta?
- Ele deve ser rico.
- Existe muita gente rica?
- Acho que sim, filho.
- Mais do que pobres?
- Com certeza que não.
- E é bom ser rico?
- É, filho.
O garoto calou-se por um instante, parecia estar submerso nos próprios pensamentos. Olhou intrigado para o pai e perguntou:
- Por que é que as coisas são assim?
- Assim, como?
- Uns podem ter. Outros, não. Uns são ricos e outros são pobres. Por quê?
Alfredo pensou, coçou novamente a barba e respondeu:
- São as regras, meu filho.
- Regras? – estranhou o garoto.
- Sim. O mundo tem suas regras. São elas que dizem o que a gente pode ou não fazer.
- Também são elas que dizem quem é pobre e quem é rico? – quis saber o menino.
Alfredo balançou a cabeça numa afirmativa.
- Não gosto das regras, pai.
- Eu também não, filho. Eu também não.
Fez-se um curto silêncio e, então, o menino disse:
- Sabe o que é que eu acho, pai?
- O quê?
- Que o bom mesmo seria que todo mundo pudesse ter canetas de cinco cores.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

2012

Por João Paulo da Silva

O mundo já tem data para acabar. Pois é. De novo. Agora, nosso encontro “definitivo” com o apocalipse está marcado para o dia 21 de dezembro de 2012. Entretanto, agendar o fim do mundo nunca foi o forte da raça humana. Entre loucuras religiosas e mirabolantes teses cientificas, inúmeras profecias já foram traçadas. Nenhuma delas, porém, vingou. Só que desta vez parece que a coisa é um pouco diferente.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Jurassic Park

Por João Paulo da Silva

Parece que, por mais que o tempo avance, ainda existem situações e setores sociais que insistem em nos puxar para o buraco, para o retrocesso. Algo como um retorno a épocas remotas, medievais, jurássicas até. Acho, inclusive, que há pessoas que adorariam voltar para dentro das cavernas. O caso da estudante de Turismo da Uniban, Geisy Arruda, agredida por usar um vestido curto dentro da universidade, é um daqueles exemplos que nos faz reviver os tempos do “uga-buga”. Mas não é só isso. Lamentavelmente, a barbárie de São Bernardo do Campo revelou – da pior forma possível – que a violência machista segue nos perseguindo e perturbando, como uma espécie de sombra do grotesco.

Quando vi, pela primeira vez, as cenas que mostram a estudante sendo assediada por uma multidão enlouquecida, juro que pensei estar vendo o Animal Planet, da Discovery Channel. Sim, porque não eram pessoas naquele vídeo. Eram animais, gritando, uivando, subindo pelas paredes. Os diversos e medonhos xingamentos, recebidos pela moça, mostraram quanto atraso nós ainda temos nesta sociedade. E o pior: demonstraram, também, que o machismo não é um problema dos séculos passados, já que esta mesma sociedade não pode viver sem transformar mulheres em objetos consumíveis e descartáveis.

Mas, se a selvageria daqueles estudantes já era um ato de violência inconcebível, muito pior foi a legitimidade que a direção da universidade deu àquelas ações bestiais, quando expulsou a vítima do caso. A decisão da Uniban se iguala ao crime de culpar uma mulher estuprada pela violência sofrida, alegando que suas roupas teriam provocado os instintos do estuprador. Uma agressão imensurável. E mesmo com a universidade revogando a expulsão da estudante, por conta das pressões recebidas, o mal já está feito. Cabe, agora, uma reflexão sobre o tipo de sociedade que temos e aquela que queremos.

Geralmente, quando digo que mazelas como estas da Uniban são alimentadas pelo capitalismo, algumas pessoas dizem que sou um ultrapassado, que isso é coisa lá do século 19. Entretanto, ironicamente, os fatos insistem em me dar razão. Não é o tipo de sociedade que defendo que não tem mais espaço na História. É exatamente esta em que vivemos que não nos serve mais. Ora, o que esperar de um sistema social que vende mulheres em bancas de jornal, em filmes pornográficos, em programas de TV e campanhas publicitárias? Só desrespeito e violência, obviamente.

Eu não sei vocês, mas não me agrada nenhum pouco a ideia de voltar à Era dos tacapes e do “uga-buga”.
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Obs.: Por problemas técnicos, o blog As Crônicas do João fez sua postagem hoje, e não ontem como esperado. Obrigado.