domingo, 28 de junho de 2009

Adedonha

Por João Paulo da Silva

A infância é um dos territórios da vida que mais gosto de revisitar. É para lá que vou quando momentos ruins me assaltam. As lembranças da época me proporcionam intervalos na loucura desse obscuro mundo de “cimento e lágrimas”. Os amigos, as pequenas paixões, os medos imensuráveis, as brincadeiras da escola. Tudo isso ressurge para que eu possa reviver e reinventar cada um daqueles longínquos instantes.

Por vezes, me pego relembrando brincadeiras da infância. Em especial, uma: a adedonha. Aquela em que os participantes escolhiam algumas categorias (nome, cantor, fruta etc), sorteavam uma letra e se danavam a preencher a considerável lista no menor tempo possível. Ao final, quem somasse mais pontos era o vencedor. É claro que de geração para geração há umas tantas variações para a brincadeira. No meu tempo, por exemplo, gostávamos mesmo era de escolher punições para os perdedores. E isso me lembra uma história. Na época, nem éramos tão crianças assim. Já tínhamos 12 anos ou mais até.

Os pais da Luana não estavam em casa e ela resolveu chamar a turma para brincar. Na verdade, a turma era composta por mim, pelo Tadeu, pelo Lucas e pela própria Luana. Era um seleto grupo de amigos, quase uma sociedade secreta.
- E aí? Do que é que a gente vai brincar? – eu quis saber.
- De adedonha, claro. – adiantou-se a Luana.
- Ah, não. De novo não, Luana. Toda vez a gente brinca disso. Vamos de esconde-esconde? – disse o Lucas.
- Pra você ficar preso outra vez no guarda-roupa?! De jeito nenhum. Vai ser adedonha e pronto. – sentenciou a dona da casa.
- Por mim tudo bem. – concordou o Tadeu.
- Por mim também. – disse eu.

Esmagado pela maioria, o Lucas acabou cedendo. Nem adiantava reclamar muito. Democracia era democracia.
- Mas desta vez vamos fazer diferente. Ao invés de vários temas, a gente escolhe um só, sorteia uma letra e vai dando os exemplos até se esgotarem todos os nomes. Quem não souber dizer a palavra leva uma punição. – propôs a Luana.

Todo mundo topou. Quando já íamos começar a brincadeira, o Lucas atentou para um importante detalhe.
- Ei, qual vai ser a punição? Ninguém pensou em nada.

Era verdade. Tínhamos esquecido o essencial. Por um breve momento, ficamos todos em silêncio, pensativos. O Lucas até sugeriu apostar dinheiro, mas ninguém deu ouvidos a tamanho disparate. Como nesta vida o vazio não existe por muito tempo, a Luana acabou encontrando a solução.
- Já sei! – gritou ela.
- Ai meu Deus. Lá vem. – resmungou o Lucas.
- Vamos fazer assim: em cada rodada, aquele que perder vai tirando uma peça de roupa.

Ficou todo mundo se olhando esquisito, meio sem jeito, com cara de banana. Exceto a dona da proposta, claro. A Luana pegava pesado. A garota não era apenas os pés do cão; era o corpo inteiro. Naquele instante, eu senti que estávamos prestes a cruzar a linha que separa a infância da adolescência.
- Como é?! Vocês vão ou não vão, seus molengas?! – atacou a Luana.

A gente nem teve tempo de refletir direito sobre o caso.
- Tá legal. Eu topo. – falei.
- Certo. Também vou. – aceitou o Lucas.

Só quem ficou hesitante foi o Tadeu, soltando um e outro muxoxo.
- Sabe o que é, pessoal... é que... eu... não sei se...
- Ah! Cala essa boca e vem logo brincar!

Era impressionante o talento de estadista da Luana para resolver os impasses. Todo intimidado, o Tadeu acabou entrando na brincadeira, mas ficou um tempão com cara de quem esconde alguma coisa.

Enfim, começou a adedonha. E já no início perdi minha camisa. Duas rodadas depois, lá se foram meus tênis e meias. Sobrou apenas a calça. Me atrapalhei na fruta com “f” e quase fico sem nada. Entretanto, consegui uma rápida estabilização nas rodadas seguintes.

O certo é que, à medida que o jogo avançava, todo mundo ia tirando uma peça de roupa. Não demorou muito para que o Lucas ficasse de cueca e a Luana de calcinha e sutiã. De calças, restávamos apenas eu e o Tadeu. E do jeito que caminhavam as coisas, logo não haveria mais nada para tirar. Era uma conjuntura que, a depender do ponto de vista, poderia ser boa ou não.

Entretanto, um acontecimento inesperado fez tudo mudar de figura. Estávamos na rodada do animal com a letra “h”. Uma categoria dificílima.
- Hiena! – falou a Luana.
- Hipopótamo! – gritou o Lucas.

Parecia não haver mais nomes, e eu não podia perder aquela rodada. Foi quando, diante do desespero, me veio um lampejo na cabeça.
- Harpia! – gritei.
- Uhuuuuuu!!! Se ferrou, Tadeu. Não tem mais animal com a letra “h”. Vai ter que ficar só de cueca. – disse o Lucas.

Foi aquele fuzuê. Com o terror no rosto, o Tadeu vacilava em tirar as calças. Mordendo os lábios de medo, ele ficou um tempo enrolando, naquele “tira-não-tira”. Até que a Luana entrou em ação.
- Tira logo isso, Tadeu! Que besteira ficar de cueca!

Mas o que se seguiu depois não foi nenhuma besteira. Presenciamos uma cena inimaginável. O que o Tadeu tinha por baixo das calças podia ser qualquer coisa, menos uma cueca.
- Meu Deus! O que é isso?! Que coisa horrorosa é essa, Tadeu?! – se desesperou a Luana.
- Olha só o tamanho disso! Será que é normal? – disse o Lucas.
- Caramba! Isso até parece uma... – quando eu ia falar, a Luana me interrompeu.
- Chega! Acabou a brincadeira! Não quero mais brincar!
- Por que, Luana? – perguntou o Tadeu, cheio de lágrimas nos olhos.
- E você ainda pergunta?! A gente vai ter pesadelos com isso, Tadeu! Ninguém vai conseguir brincar olhando pra essa coisa aí! – argumentou a dona da casa.
- Eu também não brinco mais. – decidiu o Lucas.
- E eu também tô fora. Deus me livre. – falei

Acabamos com a adedonha antes do fim e nunca mais falamos no assunto. Hoje, muito tempo depois, eu ainda fico pensando no incidente. Pobre do Tadeu. A coisa nem era tão grande assim.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Em nome do amor

Por João Paulo da Silva

Aqueles que são românticos incorrigíveis, assim como eu, não os são apenas no Dia dos Namorados, e sim durante o ano inteiro. Confesso que não sou muito sensível a datas criadas unicamente para ganhar dinheiro, mas devo admitir que o dia 12 de junho me deixou meio balançado. Na verdade, foi uma cena nas ruas de Natal que me fez lembrar a emoção que nos traz o primeiro amor.

Era final de tarde. Num ponto de ônibus, vi um rapaz com cara de abestalhado segurando um ramalhete de rosas vermelhas. Aquilo, imediatamente, me levou dez anos atrás, quando arranjei minha primeira namorada. Aos 14 anos, eu não só estava com cara de abestalhado como também fiz papel de abestalhado. Meu primeiro amor foi, ao mesmo tempo, minha primeira desilusão.

Não revelarei o nome da moça por motivos éticos, até porque isso aqui não é espaço pra fofoca (risos cínicos). Namoramos apenas durante um mês e meio. Mas foi o suficiente para que eu descobrisse, cedo demais, que malandro é malandro e mané é mané.

Ela era um docinho, uma jujubinha. Eu estava completamente apaixonado. Moleque inexperiente, achava que havia encontrado o amor da minha vida. Até planos de casamento e filhos eu fiz. Bom, já deu pra notar quem é o mané da história. O certo é que durante um mês eu jurei ser o homem (menino, na verdade) mais feliz do mundo. Mas o povo é triste demais. Não pode ver ninguém alegre que começa a inventar história. Não demorou muito e umas conversinhas foram chegando aos meus ouvidos.
- João, abre teu olho. Fulaninha anda fazendo besteira.
- Escuta, João. Você ainda tá namorando aquela menina?
- Tô. Por quê?
- Nada não. Só curiosidade.

As insinuações foram ficando cada vez mais ousadas. Até que uma tia, com o coração na mão, me revelou tudo.
- É verdade, querido. Ela tem outros.
- Outro?
- Não, meu filho. Outros mesmo. Assim, no plural.

Fiquei em pedaços (clichê de história de amor!). No dia seguinte, pus um ponto final naquela brincadeira toda. Ora, ora. O que ela pensava que eu era?! Algum otário?!

Mas a desgraça maior estava por vir. É como me disseram certa vez: não há nada tão ruim que não possa ficar ainda pior. No fim de semana anterior ao término do namoro, a moça tinha viajado. Ninguém sabia informar para onde, nem mesmo a família sabia (disso eu desconfio, família é fogo!). Porém, eu não demoraria muito para descobrir.

No domingo seguinte, já com tudo acabado, por volta das onze da noite, eu estava mudando os canais da TV quando algo chamou minha atenção. Na época, o SBT tinha um programa, apresentado pelo Silvio Santos, chamado “Em nome do amor”, dedicado a pessoas que queriam namorar. E adivinhem?! Quem estava no programa?! Isso mesmo. Ela. A fulana.

Na hora, eu não sabia se ria ou se chorava. Mas por um lado fiquei tranquilo. Não havia mais nada entre nós e eu tinha certeza de que o programa era ao vivo. No fim, quando o Silvio perguntou se era namoro ou amizade, ela acabou respondendo amizade. Achei bem feito. Para ela e para o banana que a acompanhava.

Eu só fui perceber o tamanho de minha tragédia quando me contaram que, na verdade, o programa era gravado. Sabe aquele fim de semana que ninguém soube dizer onde a moça estava? Pois é. Eu fui o último a saber.