segunda-feira, 27 de agosto de 2007

As lamúrias de um careca

Por João Paulo da Silva

Diante do espelho, observo com dolorosa tristeza a enorme vaga que a calvície deixou em meu cocuruto. É de dilacerar o coração, confesso. Constatar que esta minha superfície nua já fora em outros tempos uma área de vasta cabeleira é realmente pavoroso. Perder os cabelos é como ser desmembrado, quase como perder um órgão vital. Não creio que esteja cometendo exageros. Os que sofrem do mesmo infortúnio sabem do que estou falando. Ficar careca é angustiante!

Eu tinha lindos cabelos. Eles eram lisos e “mais negros que a asa da graúna”. Costumava usar um corte estilo “cuia”, todo redondinho. Parecia mais o Tibicuera, aquele índio tupinambá do Érico Veríssimo. Fazia sucesso. Todo mundo queria passar a mão no meu cabelo. As garotas adoravam. Ah! Meu lindo cabelinho.

Tudo começou ainda na adolescência. Eu devia ter uns quinze anos quando os primeiros fios começaram a cair. No início eu nem dei muita bola. Os médicos diziam que era normal o ser humano perder por dia entre 50 e 100 fios. Fiquei tranqüilo. Por pouco tempo, é claro. Foi na escola que uma colega avistou atenciosamente o prelúdio da minha desgraça.
- Ô, João? – disse ela – Tu vai ficar careca!


A infeliz sentava atrás de mim. Podia ver a retaguarda do meu cocuruto. A frase ecoou na minha cabeça como os tambores do Apocalipse.
- Do que você está falando?! Quem vai ficar careca aqui?!
- Você, ué? A não ser que tenha virado monge franciscano, esse buraco que tá começando a aparecer atrás da sua cabeça me parece princípio de calvície.

Os cabelos estavam por toda parte. No travesseiro, na toalha, na pia do banheiro. Passei a contar todos os fios que encontrava pelo caminho. Fiquei paranóico. Minha mãe tentava me convencer de que eu não estava ficando careca.
- Meu filho, isso é paranóia da sua cabeça. – dizia ela passando a mão pelos meus cabelos e percebendo o tufo que se desprendera.
Fui a um montão de dermatologistas e recebi de todos a mesma resposta.
- Não tem cura, garoto. No máximo um tratamento pra retardar a queda.

Mas não era o que eu queria. Eu queria era não ficar careca. Simples.


Fiz uma porção de tratamentos. Comprei xampus das mais variadas cores e cheiros, loções capilares com aromas horrorosos, até uma mistura com alho e gengibre feita pela vizinha curandeira eu tentei. Tudo em vão. Eu achava que tinha irritado alguma força poderosa, quem sabe os mestres do universo, ou talvez algum “deus dos cabelos”. Com certeza que não. No fundo eu sabia quem era o culpado por toda minha angústia. Meu pai. Sim, o velho nessa época já tinha uma calva muito grande. Havia uma herança para mim. E não era dinheiro. Passei um tempão com raiva do meu pai.
- A culpa é sua, pai! – dizia eu olhando angustiado para o espelho.
- Minha? Por quê?
- Quem mandou o senhor ser careca?!
- Agora danou-se tudo! Vá reclamar com seu avô! Ele também é careca.


Percebi que o problema era um pouco mais complicado. Havia mesmo era um legado do mal. Descobri algo muito pior que o destino: a genética!


O tempo passou. Eu fui crescendo e a calvície avançava sem tréguas. Em pouco tempo começou a devastar também minha área frontal. Eu não tinha mais forças para lutar no front. O inimigo me encurralara. Mas eu não estava disposto a me render.

Tentei a tática da dissimulação. Quis fingir que nada estava acontecendo. Esquecer mesmo, sabe? Ora, perder os cabelos não era o fim do mundo. Também não deu certo. A resistência não durou mais que uma semana. Havia um elemento surpresa com o qual eu não contava: as pessoas. Tem sempre uns engraçadinhos que adoram tirar sarro da desgraça alheia. Estão entre eles amigos e parentes. O ser humano é um bicho maligno!
- Ô careca! Pouca telha! Virou um caminhão de peruca ali na esquina. – diziam os amigos do trabalho entre gargalhadas.
- Meu filho, tão novo e já tá ficando careca. – observava uma tia (é sempre uma tia!).
- Careca! Cabeça de ovo! – gozavam os primos pequenos.


Nunca superei completamente a “fuga” dos meus cabelos. 
Hoje, olhando criticamente para o espelho e pensando na vasta experiência que tenho em calvície (e bota vasta nisso!), me pego refletindo acerca dos problemas da minha categoria: os carecas.

Como calvo que sou, compreendo perfeitamente as lamúrias de nossa existência. Não é todo careca que se dá bem com sua careca. Não são todos os homens que têm a sorte de ficarem parecidos com o Sean Connery quando perdem os cabelos. É muito cruel você se olhar no espelho e descobrir que se transformou no José Serra. Bate logo uma depressão.


As pessoas também não ajudam. Há muito tempo que os carecas são tomados como ponto de referência nas ruas da cidade.
- Amigo, por favor, como faço pra chegar na Rua Íris Alagoense? – pergunta um sujeito a outro bem na praça do Centenário.
- O senhor vai por aqui direto. Quando chegar naquela esquina onde tá aquele careca, o senhor dobra a direita e segue em frente.

Como se não bastasse, a sociedade ainda inventou algumas frases para ridicularizar os carecas. Coisas assim: “é dos carecas que elas gostam mais” ou “as piores cabeças Deus cobriu com cabelo”. Isso só piora a situação. Acaba afetando a auto-estima da pessoa.

Outro dia eu conversava com uma amiga anarquista sobre minha depressão capilar. Ela me dizia:
- Você tem que parar de se preocupar com esses estereótipos, João. Tem que se libertar!


Ela tem lindos cabelos ruivos. Não me agüentei.
- Que conversa de estereótipo é essa?! Queria ver se fosse com você! Raspe esse seu cabelo e fique numa boa! É cada uma que me aparece.

Ter uma careca não é nada fácil.


Admito que o porquê da calvície me atormenta, mas é mesmo a falta de solução para o problema que me desgraça. Tanto progresso científico pra nada! Ônibus espacial, viagem à lua, viagem a Marte, energia nuclear, clonagem etc, etc, etc... Estamos no século 21! Cadê, então, a cura para a calvície?! A indústria farmacêutica não está nem aí para os carecas. Pouquíssimas foram as vezes que tomei conhecimento de uma possível solução para tamanha infelicidade (a peruca não conta!). Me lembro de uma. Um laboratório nos EUA havia desenvolvido uma pílula com propriedades de restauração do crescimento capilar. Na hora fiquei eufórico. Pensei até que meu martírio tinha chegado ao fim. Bobagem. O remédio tinha efeitos colaterais. Tomando a pílula, a restauração era praticamente garantida. No entanto, havia um problema: o sujeito poderia ser vitimado pela impotência sexual. Aí eu fiquei puto! De que adiantava ganhar em cima, e perder embaixo?! Desisti. Alegria de careca dura pouco.

Pode ser que depois de mais alguns anos eu me acostume. Mas até lá vou ficar na bronca. Estou pensando inclusive em fundar uma entidade. A ACA (Associação dos Carecas Anônimos). Sairemos todos pelas ruas com caixas de papelão na cabeça. Faremos grandes passeatas exigindo do governo mais verbas para as pesquisas sobre calvície (se é que existe isso!). E se o povo nos acompanhar podemos até tomar o poder. Fundaremos a República dos Carecas. São planos futuros.

Outro dia comprovei que todo castigo pra careca é pouco. Eu caminhava pelo centro da cidade quando cruzei com um velho amigo.
- Diga, João! Quanto tempo, rapaz! Como vai essa força?
- Vai indo, vai indo.
Me preparei para uma provável piadinha sobre minha careca.
- Ô, João? – lá vem chumbo, pensei – Tu tá ficando barrigudo, hein!
- Quem? Eu? Barrigudo?

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

"Entre a presa e o dragão"

Por João Paulo da Silva

Foi Shakespeare quem disse a frase acima. Esse dilema esteve muitas vezes presente em suas obras. O poeta inglês sabia que o ato de escolher seria para o homem sua salvação ou sua perdição. Mas nunca disse que não deveríamos escolher. Numa sociedade onde há lutas entre desiguais, permanecer calado é sempre apoiar o mais forte. Quando escolhi cursar jornalismo, eu já sabia que a imparcialidade era um mito, uma grande falácia. A neutralidade é impossível por um motivo muito simples: não há discurso desprovido de ideologia. Toda escolha é uma escolha política. Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, disse certa vez que “a palavra é uma arma”. Se estiver correto – acredito que esteja – então todos nós temos um bom motivo para fazer a escolha certa.

Numa situação em que os meios de comunicação de massa estão nas mãos de uma única classe, escolher se torna doloroso e angustiante. A liberdade de imprensa é tão falsa quanto a idéia de imparcialidade. Só um tolo não percebe que os grandes meios estão sempre a serviço de quem detém o poder. A liberdade de imprensa é na verdade um eufemismo burguês. Antes de serem meios de informação, o jornal, o rádio e a TV são primeiramente empresas. Isso significa dizer que têm um dono, ou seja, um patrão. Há nesse aspecto uma relação de poder, de opressão e, mais especificamente, de monopólio da informação. Sendo assim, quando me decidi por jornalismo eu compreendia que se quisesse escrever nos grandes meios teria de me moldar a eles. Essa idéia não me agradou nem um pouco. Mas há sempre uma segunda escolha.

Se o jornalismo é realmente uma guerra pela conquista das mentes e corações, então é preciso definir bem de que lado da trincheira nós estamos. Sei exatamente por que escrevo, para quem escrevo e contra quem escrevo. Estar entre a presa e o dragão não é um decreto de morte nem uma rua sem saída. Para todo beco, existe um muro a ser saltado. Para toda prisão, existe uma brecha entre as grades. Bom, se não houver, então cavamos um buraco.

domingo, 12 de agosto de 2007

Um Robin Hood às avessas

Por João Paulo da Silva

Todo mundo conhece a história.

Nos tempos do Rei Ricardo Coração de Leão, a floresta de Sherwood era habitada por um lendário herói inglês. Habilidoso com o arco e a flecha, Robin Hood ficou famoso porque roubava dos ricos para dar aos pobres. O charmoso ladrão (digo isso por causa do Kevin Costner) era ajudado por seus amigos João Pequeno e Frei Tuck, bem como por outros moradores da floresta. O “Príncipe dos ladrões” também gostava de vaguear pelas árvores e de defender a liberdade. Tenha existido ou não, o certo é que o simpático fora-da-lei é um símbolo.

O cinema já fez várias adaptações da história de Robin Hood. Algumas boas, outras bastante ruins. Mas existe uma versão brasileira que está causando muita confusão e merece ser analisada.

Na verdade o Brasil não é o Brasil. É Sherwood. E, sendo Sherwood, não poderia deixar de ter também o seu “Príncipe dos ladrões”. Lula é o nosso Robin Hood. Só que às avessas. Tira dos pobres para dar aos ricos. Nunca na história desse país – como costuma dizer o presidente – os ricos lucraram tanto. Só no ano passado, Lula retirou do bolso dos trabalhadores a espantosa quantia de R$ 275 bilhões para pagar os juros das dívidas externa e interna ao FMI. Detalhe: dívidas que não são dos trabalhadores. Uma grande fatia do orçamento de 2006 (quase 40%!) foi tirada do povo e entregue aos banqueiros nacionais e internacionais. A situação calamitosa da saúde, da educação, a paralisia da reforma agrária e o desemprego são frutos da política econômica neoliberal de Lula. Uma política muito mais perigosa do que qualquer arco e flecha.

Vivemos a era dos contrários, a era da marcha à ré. Todas as conquistas que os trabalhadores arrancaram da burguesia no século passado estão sendo escandalosamente retiradas. Fome, miséria, desemprego, arrocho salarial, tudo isso para que as empresas retomem suas taxas de lucros. As reformas neoliberais (trabalhista, sindical, previdenciária etc) cortam direitos históricos, muitos conseguidos com o sangue e a vida de milhares de trabalhadores. Sob o governo de nosso Robin Hood às avessas, os banqueiros estão faturando uma fortuna. Em 2005, foram R$ 33,8 bilhões. Em 2006, R$ 42 bilhões, bem mais que todos os recursos gastos pelo governo com saúde e reforma agrária. Se você ainda não percebeu, abra bem os olhos. Lula é o FHC com cara de operário. Mas só a cara.

O enigma de nossa Sherwood tupiniquim não é a falta de recursos, mas com quem eles ficam. Se parássemos de pagar as dívidas, poderíamos resolver graves problemas. Com os R$ 275 bilhões, acabaríamos com o déficit habitacional, com o desemprego, assentaríamos as famílias sem-terra e ainda dobraríamos o orçamento destinado à saúde e educação. Mas só se o Brasil não fosse Sherwood e nós não tivéssemos um Robin Hood que tira dos pobres para dar aos ricos.

Nem é preciso pensar muito. O Kevin Costner é bem melhor.

domingo, 5 de agosto de 2007

Confissões

Por João Paulo da Silva

Fui criado sob a égide do catolicismo. É claro que meus pais não perguntaram se eu gostaria de ser católico. E nem poderiam. Na época eu ainda nem falava. E mesmo que falasse não seria ouvido. Já cheguei até a imaginar a cena.
Minha mãe perguntaria:
- O bebê da mamãe vai ser católico, não vai?
E eu, com poucos meses de vida, responderia:
- Nada disso! Sou um ateu convicto! Deus não existe.
Meus pais trocariam olhares temerosos e incrédulos.
- E agora, Antônio?! O menino é ateu! – diria minha mãe.
Meu pai daria a sentença.
- É melhor sacrificar.
É claro que se trata de uma situação hipotética. Puramente imaginária.

O certo é que o catolicismo em minha vida foi de fato uma imposição. Assim como a escolha de meu nome também o foi. Me deram o nome do Papa do momento: João Paulo. Certo. Tudo bem que é um nome santo. Mas nada original.
Mamãe foi quem assumiu a tarefa de me catequizar. Confesso que nunca fui um bom católico. E isso se deu mais por incompetência de minha parte do que por qualquer outra coisa. Eu até tentei, não vou mentir. Só que não deu certo. Mamãe me levava todos os domingos à missa numa igreja no bairro do Farol, onde morávamos. Eu era obrigado a vestir um traje esporte fino, a roupa domingueira. “Vê se não amassa a roupa que é pra não ficar feio!” – dizia mamãe. Eu nunca aprendi direito todas aquelas orações. Nem mesmo sabia quando era pra ajoelhar ou ficar de pé. Era um terror. Mamãe ficava doidinha.

O padre dizia algo e todo mundo ficava de pé. Eu permanecia sentado.
- Se levanta, menino! – resmungava mamãe.
Assustado, eu levantava.
O padre dizia outra coisa e todo mundo ajoelhava. E eu de pé.
- Se ajoelha agora, menino!
Era o sinal apocalíptico de minhas futuras heresias. Pobre mamãe.

Para evitar novos transtornos, fui fazer catecismo. Forçado, claro. As aulas aconteciam aos sábados pela manhã, e os desenhos animados da TV representavam minhas tentações mundanas contra o Espírito Santo. “É preciso aprender os dogmas religiosos para realizar a Primeira Comunhão.” – afirmava mamãe. Tive de aprender.
Minha primeira grande heresia aconteceu durante uma missa aos dez anos de idade. Há muito tempo eu já havia percebido que num determinado momento da celebração as pessoas faziam fila para receber um tipo de “comida” das mãos do padre. Como eu estava com fome, também entrei na fila. Quando minha mãe percebeu, já era tarde. Pus a hóstia consagrada na boca sem nunca ter me confessado. E o pior: mastiguei! Minha mãe quase teve um treco.
- Menino! Pelo amor de Deus! Você ainda não pode comungar, não! Cospe já! Não! Não cospe não que é pecado! Pára de mastigar, criatura! Isso é o corpo de Deus! Ai meu Jesus santíssimo!
Eu não falei pra não deixá-la mais irritada. Mas o gosto era horrível.

Minha ruptura com o catolicismo, com a religião e, conseqüentemente, com Deus se deu de maneira gradativa, através de pequenas “revelações”.
Todas as noites, ao pé da cama, eu rezava.
- Senhor Deus, abençoe e proteja todas as pessoas do mundo. Mas não se esqueça daquela bola de futebol que eu pedi. Amém.
Ou então:
- Deus, faça a Pâmela se apaixonar por mim. Ela é da 6ª série e namora um bocó da 8ª. Por favor, não se esqueça. Amém.
Enfim, foram inúmeras as tentativas. E, no fim das contas, nada da bola. Nem da Pâmela.
Mas a mais contundente revelação foi como um soco no estômago. Diante de tanta fome e miséria no mundo, eu pedia:
- Deus, se o Senhor é mesmo tão poderoso, acabe logo com toda essa desgraça. Não deixe as pessoas morrerem de fome. Amém.
Na minha cabeça funcionava assim: para um sujeito que tinha feito o mundo todo em sete dias, acabar com a fome e a miséria seria coisa de criança.
No entanto, o tempo passava e nenhuma mudança ocorria. Só anos mais tarde eu iria descobrir uma frase do Millôr Fernandes que resumiria bem meus pensamentos daquela época. “Se tudo isso que está aí é realmente obra de um Deus-Todo-Poderoso, que patife!”. Bom, depois o marxismo se encarregaria do resto.

Mas se existe um acontecimento realmente marcante na minha curta vida de católico este se deu no momento da Primeira Comunhão. Um pouco antes, pra falar a verdade. Eu tinha concluído o catecismo e precisava fazer minha primeira confissão. Do contrário, não receberia oficialmente o corpo de Deus (que eu já havia mastigado!).
No dia da confissão, havia uma fila enorme de pequenos pecadores. Todos prontos para receberem o perdão do Senhor. Nem preciso dizer que eu não tinha a menor idéia do que fazer ali. Não havia decorado as orações nem sabia que pecados confessar.
Quando chegou minha vez, entrei no confessionário me borrando de medo. Mais do padre do que de Deus.
- Bom-dia, meu filho. – disse o sacerdote.
- Bom-dia, padre. – respondi.
Um rápido silêncio se meteu entre nós.
- Vamos lá, filho. Pode ficar à vontade. Conte-me seus pecados.
“E agora? O que que eu falo?” – pensei.
- Então... – incentivou o padre.
- Bem, seu padre... É que... eu... eu briguei com meus irmãos, respondi a minha mãe, bati no meus colegas da escola e menti pra professora. Foi isso.
O sacerdote espremeu os olhos. Parecia estar me examinando, parecia querer ler meus pensamentos. Demonstrando impaciência e desconfiança, falou:
- Meu filho. Você já fez safadeza?!
Pensei em correr. Mas não o fiz.
- Não, padre. Não. Nunca fiz não. Não sou menino de ficar fazendo essas coisas. – respondi sem saber exatamente o que ele estava perguntando.
- Me deixe ver suas mãos.
Estendi as mãos.
- Humm... – fez ele, analisando as palmas.
- O que foi? – perguntei.
- Esses calos... Não sei, não.
Silêncio.
- Tudo bem. Pode ir. Mas reze lá fora vinte padres-nossos.
Saí do confessionário quase em disparada. Nem rezei. Só depois de um tempo foi que descobri a razão da desconfiança do padre. E percebi que era infundada.

Não sei se é verdade. Mas contam que certa vez o Freud foi pego na maior saia justa. Em seus estudos sobre os sonhos, o médico austríaco disse que quando sonhamos com objetos cilíndricos ou pontiagudos estamos na verdade desejando o órgão masculino. Baseado nessa informação, alguém perguntou ao Freud no meio de outras pessoas se o charuto que ele fumava seria a representação do pênis no momento do sexo oral. O esperto doutor Freud teria respondido o seguinte:
- Veja, meu rapaz. Às vezes um charuto é apenas um charuto.

Se no dia de minha confissão eu conhecesse essa história, teria dado a seguinte resposta ao padre:
- Veja, seu padre. Às vezes um calo é apenas um calo.
Ora essa! Imaginem só. Fazendo safadeza?! Logo eu?!