domingo, 1 de agosto de 2010

O professor e o ladrão

Por João Paulo da Silva

O professor e mestre iluminado Marcony é um inominável contador de histórias. Lembro-me, carinhosamente, de uma das mais hilárias aventuras que ele viveu. Eu ainda estava no colégio quando ele narrou o fato, o ano de 2000 findava.

O amado guru voltava para casa, no humilde bairro do Santos Dumont, depois de dar sua última aula num curso pré-vestibular, não me lembro qual. Já era tarde da noite. Ele caminhava, cautelosamente, por entre as ruas escuras e fétidas do bairro, trajava sua roupa feita de pano de saco de farinha, diga-se de passagem, bem original. Estava próximo de casa quando um homem saltou em sua frente com um canivete na mão, havia saído de dentro de um terreno baldio. Tinha os cabelos desgrenhados e uma barba de três dias. O bandido gritava desesperadamente:
- Passa a carteira, meu irmão! Me dá o dinheiro, rápido!

A principio Marcony se assustou, pois as ruas estavam vazias e ele não havia visto o bandido. Mas logo em seguida recuperou sua calma de mestre hindu e, olhando nos olhos do ladrão, fez o que nenhum ser humano em estado normal faria: soltou uma gargalhada. O ladrão não estava entendendo bulhufas, Marcony continuava rindo. Não agüentando mais, o homem explodiu:
- Perdeu a noção do perigo, cara?! Tá rindo de quê?
- Você sabe quem eu sou? – perguntou Marcony com um ar desleixado.
- Não, por quê? Você é policial? – o ladrão tinha o rosto contraído.
- Não, não, não! Eu sou professor. Como é que você quer assaltar um professor? Sabe quanto ganha um professor neste país? Uma miséria, meu companheiro.
- Ah, meu irmão, vai querer me enrolar agora? Passa a carteira pra cá e deixa de conversa fiada. – disse o ladrão um tanto impaciente.
- Tá bom! Eu vou lhe dar a carteira, mas tire só o dinheiro. Você sabe que para retirar novos documentos é uma complicação da “bexiga”! – disse o mestre.

O ladrão apanhou a carteira e começou a vasculhá-la. Já estava prestes a ter outro surto de raiva quando encontrou um bolso fechado por zíper, deu umas batidinhas e ouviu o tilintar das moedas. Retirou-as e passou a contá-las. Havia cinco reais em miúdos. O bandido ficou possesso.
- Mas o que é isso?! – esbravejou.
- Eu bem que lhe avisei, eu lhe disse que era professor. – replicou Marcony com um risinho sarcástico.
- Mas isso é um absurdo! É inadmissível que um professor só tenha cinco reais na carteira, nós estamos no começo do mês. Que país é esse? – o ladrão estava indignado.
- Veja bem, tudo isso é fruto do sistema em que estamos inseridos, há uma larga concentração de renda em nosso país, sem mencionar que temos um governo insipiente e que não respeita os trabalhadores. Sobretudo eu, que sou um formador de opinião. – disse Marcony com um ar de intelectual.


Longo silêncio. O bandido parecia pensativo.
- É verdade, professor. Me perdoe por não ter compreendido o senhor. A vida me deixou um pouco insensível, mas o problema é que eu tô desempregado e tenho mulher e filhos pra cuidar. O senhor entende, não é? – o ladrão estava comovido.
- Claro que entendo! – disse o mestre. – Você é só mais uma vítima desse mundo cão.
Marcony já recomeçava seu caminho quando o ladrão pediu para acompanhá-lo até em casa, argumentando que as ruas eram perigosas àquela hora da noite. Os dois caminhavam lado a lado, ainda conversando sobre a situação social e política do país. Já na porta da casa o ladrão olhou para as moedas em suas mãos e falou:
- Bom, professor, enquanto a gente conversava eu pensei bem e percebi que a sua situação é semelhante a minha, não é justo que eu leve todo o seu dinheiro. Proponho uma divisão, eu fico com R$2,50 e o senhor com os outros R$2,50, feito?

O mestre sempre foi um homem com o pensamento vinculado ao social e de um apego invejável para com a solidariedade humana, não podia deixar de aceitar a oferta. O ladrão, satisfeito com o negócio, já estava se despedindo:
- Professor, foi um prazer conhecê-lo. Muito obrigado pelo dinheiro, precisando é só chamar. – apertaram-se as mãos e o ladrão se afastou.
Marcony ficou parado na porta por um tempo, pensando em tudo que lhe acabara de acontecer. Riu levemente e entrou em casa. A vida era realmente imprevisível.

Dizem as más línguas que hoje, praticamente todos os finais de semana, o mestre costuma tomar alguns chopes com o ladrão e que eles se tornaram grandes amigos.