domingo, 24 de maio de 2009

Indo ou voltando?

Por João Paulo da Silva

Eis que me chega outra história do nosso intolerante professor de português. Criador da eficaz “Pedagogia da Jeguice”, cuja técnica consiste em humilhar os que cometem erros gramaticais, o inflexível mestre se deparou, na semana passada, com mais um atentado contra a Língua Portuguesa.

Mesmo ainda um pouco abalado com a última jeguice, que lhe rendeu até um infarto do miocárdio, o persistente professor resolveu voltar às salas de aula. Na ocasião, ele falava sobre um assunto que para muitos é um dos maiores terrores da nossa língua: a crase.
- Este é um tema que não guarda mistérios. – dizia o professor – As pessoas gostam de complicar as coisas simples. A crase, por exemplo, não tem segredo algum. Vejamos. Para que ocorra o acento grave da crase, é necessária a fusão de duas vogais idênticas.
- Não entendi, fessor. – interrompeu um aluno.
- Paciência, pequeno jerico. Ainda não terminei de explicar. Continuemos. Haverá crase quando houver o encontro da preposição “a” com o artigo feminino “a”. Exemplo: O táxi chegou à esquina. Neste caso, a palavra “esquina” admite o artigo feminino “a” e o verbo “chegou” exige a preposição “a”. Sendo assim, a crase é perfeitamente possível.

Ao longo da aula, o professor foi explicando ainda mais sobre esse encontro da preposição com o artigo e coisa e tal. Até que, num determinado momento, resolveu ensinar um macete para aqueles alunos que sempre acharam que a crase era um recurso estilístico.
- Como sei que estou entre muitos jumentos, darei uma dica que ajudará na identificação da crase. Acompanhem, jovens quadrúpedes. Exemplo: na frase “fui a Portugal”, devemos ou não usar a crase?

Silêncio. O professor prosseguiu.
- A resposta é não, meus bestiais alunos. Vejamos a razão. Se eu disser que fui a Portugal e não souber se devo aplicar a crase ou não, basta voltar do lugar para saber a resposta. Se aparecer a expressão “voltar da”, então ocorrerá crase.

Aí veio a pancada.
- Ah, fessor. Assim fica muito fácil. Já entendi tudo. – disse um aluno – Quer dizer que só tem crase se eu for para um lugar e voltar, né? Se eu for pra ficar no lugar e não voltar, então não tem crase, certo? Muito fácil assim. Desse jeito, qualquer um acerta.

O professor começou a tremelicar violentamente, tropeçou nas próprias pernas e caiu. Com a boca torta, babando e revirando os olhos, ele parecia querer dizer alguma coisa. Chegando mais perto, os alunos puderam identificar duas palavras. Com a voz esganiçada, o professor ainda encontrou forças para dizer:
- Que jeguice...

Como a pressão cerebral fora muito grande, o mestre acabou sendo internado às pressas. Derrame. Parece que dessa vez ele não escapa.


Nota do autor:
Este mês o blog As Crônicas do João completou dois anos de existência. Para todos aqueles que passam por aqui, meus sinceros agradecimentos.