segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Os símbolos da decadência

Por João Paulo da Silva

A propaganda eleitoral gratuita na TV me diverte e desespera ao mesmo tempo, embora me pareça que quando a inventaram a função não fosse exatamente a de garantir entretenimento ou desânimo para milhões de brasileiros. Há algo de errado nisso tudo, eu sei. Quer dizer, algo não. Tudo mesmo. Da política econômica à falsa democracia. Mas não se pode negar que muitos candidatos estão mais para personagens folclóricos do que para postulantes a um cargo público. Parte da disputa eleitoral oscila entre o cômico e o absurdo, numa caricatura teatral da decadência.

Na verdade, eu tenho uma teoria sobre esses tipos medonhos que durante as eleições nos divertem pela telinha da TV. Esses candidatos possuem uma determinada função social: a de arrancar risadas dos que vão passar os próximos dois ou quatro anos chorando por causa das políticas aprovadas em todas as esferas do poder. É uma forma de usar o ridículo para entorpecer. Ou, na melhor das hipóteses, tudo não passa de esculhambação. Mas deixemos as análises de lado por um momento e vejamos os tipos mais comuns nas eleições. Fiz uma pequena lista.

O Biográfico: é o candidato que acredita que sua história de vida daria mais que um livro. Daria até voto. “Amigo eleitor, sou Aderbal dos Grudes. Nasci na baixa da égua, mas morei e me criei na capital. Sou formado em Ciências Econômicas, fiz mestrado e doutorado em Gestão Pública. Sou casado e tenho dois filhos. Há vinte anos sou professor universitário, ao longo dos quais publiquei três livros, todos traduzidos para cinco idiomas. Por isso, nestas eleições, não se engane. Vote em quem tem história.”.

O Crente: pretensiosamente, é o candidato direto do Todo Poderoso na Terra. “Meus irmãos evangélicos, mais uma vez entro numa batalha contra gigantes, assim como Davi. Recebi um chamado de Deus para esta missão. Sou candidato a deputado estadual para ampliar o império do Senhor Jesus aqui na Terra. Essa é uma guerra que precisamos vencer, pois o inimigo está sempre por perto atentando os cordeiros de Deus. Vote no pastor Agenor. A mão do Pai está aqui.”.

O Família: é o candidato que põe toda a família no programa para falar das qualidades dele como chefe de casa. Em geral, o sujeito é apresentado como bom pai, bom marido e o programa sempre termina com um dos filhos dizendo “votem em papai”.

O Mudo: esse é um clássico. Passa o programa inteiro em silêncio ao lado de alguém que diz as razões pelas quais devemos votar no candidato. “Caro eleitor, esse aqui é o Rodinei. Homem honesto, trabalhador, pai de família. Esse eu conheço desde criança. Possui vários projetos na área da educação e da segurança. É a sua alternativa nestas eleições. Não se esqueça. Para deputado federal, vote no meu amigo Rodinei.”.

O Pedinte: esse é o candidato mendigo. Já começa pedindo ajuda. “Meus amigos e minha amigas, me ajudem a chegar lá. Só peço uma chance, me dê um voto de confiança. Muitos já passaram e não fizeram nada. Agora chegou a minha vez. Com a sua ajuda, vamos mudar essa realidade.”.

O Amoroso: é o candidato que acredita que só amor pode mudar o mundo e é por isso que, estranhamente, deseja entrar para a política. “Você sabe o que falta para os outros gestores públicos? Amor, meus amigos. Uma administração sem amor não pode resolver os problemas da população. Eu tenho uma vida que sempre se pautou pelo amor às pessoas e o carinho pelos mais pobres. No meu governo, a prioridade vai ser o amor.”.

O Garçom: é o candidato cujo ofício sempre foi servir às pessoas. E por isso mesmo julga-se o melhor candidato, já que servir é a principal característica de um político. A quem? Aí já é outra história. “Olá, sou o garçom Ademar. Há trinta anos trabalho servindo em restaurantes. Agora quero servir ainda mais no Congresso Nacional. Por isso, vote em quem sabe servir.”.

São os símbolos da decadência. Acredito, realmente, que o fim deve estar próximo. Arrependei-vos enquanto há tempo.

domingo, 12 de setembro de 2010

O Brasil que eu não conheço

Por João Paulo da Silva

Estas eleições estão particularmente muito chatas. “Nunca antes na história desse país” a cara de um foi tão semelhante ao focinho do outro. Mesmo com nove candidatos disputando a Presidência da República, embora a grande imprensa não mostre todos, os que estão liderando as pesquisas não passam de trigêmeos da mesma política dos últimos vinte anos. Enquanto isso, os demais candidatos, principalmente os da esquerda, precisam se virar nos cinqüenta segundos que dispõem na TV para fazer a diferença. Isso porque entre o PT de Lula e Dilma e o PSDB de FHC e Serra, não há distinções quanto ao programa de governo. Eles mesmos admitem o fato ao defenderem um modelo econômico idêntico.

Pior do que isso talvez só Marina Silva, que sem constrangimento algum reivindica Lula e FHC ao mesmo tempo. Dessa forma, fica difícil acreditar em disputa. Em democracia, então, nem se fala. De todo modo, estou convencido de que o correto deveria ter sido a união de Dilma, Serra e Marina em torno de uma única candidatura. É claro que ainda assim não haveria qualquer mudança para o Brasil, até porque o projeto defendido pelos três já foi aplicado antes e não mudou o país. Mas pelo menos seria mais honesto politicamente.

Além das semelhanças siamesas entre Dilma e Serra, outro aspecto dessa campanha vem despertando minha inquietação. Os programas de TV do horário eleitoral estão apresentando um Brasil que eu não conheço. São hospitais, escolas, universidades, estradas, postos de saúde, remédios para todos, geração de empregos, distribuição de renda, salário digno, construção de moradias etc, etc, etc. Tudo funcionando na mais tranqüila e absoluta perfeição. Como assim?! Transformaram o Brasil num país escandinavo e ninguém me disse nada?! Quer dizer que o Haiti não é mais aqui? Agora é a Noruega que é aqui?! Onde estão as favelas e os 52 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza? E as 40 mil crianças que morrem de fome todos os anos? E os mais de 8 milhões de desempregados? Para onde foi todo mundo? Para onde foram os mais de 14 milhões de analfabetos? E os baixos salários? O que fizeram com as filas e as macas nos corredores dos hospitais? E a falta de merenda nas escolas? Onde cargas d’água enfiaram a metade da população brasileira que vive sem tratamento de esgoto? Não há mais pobres nesse lugar? Nem miseráveis? Que país é esse?!

Instigado pelo instinto da investigação jornalística, decidi ir às ruas para ver de perto se o Brasil havia mesmo se transformado na Noruega. Mas nem foi preciso ir muito longe. Bastou dar uma volta no bairro e alguns telefonemas para retornar ao subdesenvolvimento e à tragédia social. Nas proximidades de onde moro, a realidade não havia mudado. As escolas caindo aos pedaços, os postos de saúde sem médicos, o esgoto a céu aberto. Estava tudo lá, do jeito que os brasileiros conhecem. Até o Google Earth eu usei para confirmar se as favelas ainda estavam no mesmo lugar. É claro que estavam. Só senti falta mesmo das condições dignas de vida, que continuam tão distantes quanto a Noruega. Pelo telefone, fontes seguras me informaram que a situação permanecia a mesma em todas as regiões do país. Mamãe, por exemplo, que mora em Maceió, me ligou pedindo dinheiro, já que o salário sempre acaba antes do fim do mês.

O Brasil mostrado nos programas de TV de Dilma e Serra não existe. Aquilo só pode ser Hollywood. Eu não ficaria surpreso se depois das eleições descobrissem que todas as cenas foram gravadas em estúdios da Warner Brothers e que os marqueteiros do PT e do PSDB foram assessorados pelo James Cameron. Efeitos especiais não faltam.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Democracia? Onde?! Onde?!

Por João Paulo da Silva

“A liberdade de eleição permite que você
escolha o molho com o qual será devorado.”
(Eduardo Galeano)

Como é estranha e complexa esta coisa que os homens do poder chamam de democracia. Dizem que em nossa sociedade, a cada dois anos, somos chamados a exercitar o tão proclamado e inalienável direito de votar. Tão inalienável que mesmo aquele que não deseja votar é obrigado a fazê-lo. Essa obrigação, que de tempos em tempos os donos da bola decidem proibir, faz parte do jogo da democracia, já que é através dela que elegemos nossos representantes. Ou não. Bom, pelo menos é o que dizem.

Na democracia, dizem também que qualquer um pode ser candidato e que os eleitores têm o direito de conhecer as ideias e as propostas de todos aqueles que se candidatam. Agora, claro, que se um determinado candidato tem dez minutos de propaganda na TV, durante o horário eleitoral gratuito, e os outros têm apenas um minuto ou menos para apresentarem suas opiniões, isso já não é problema da democracia. Tem a ver com o posicionamento dos astros, as fases da lua e o ciclo de menstruação dos galináceos. Mas não com os direitos democráticos ou coisa parecida. O mesmo vale para as regras dos debates.

A legislação eleitoral, que também faz parte da democracia, obriga as emissoras a convocarem para os debates todos os candidatos dos partidos que possuem representação na Câmara Federal, mas não obriga a convocação dos que não possuem nenhum representante. De modo que convocar os párias das eleições fica a critério de cada emissora. TVs e rádios recebem concessões públicas para funcionar, mas decidem sozinhas quem participa ou não dos debates. É claro que se essa decisão diminui as chances dos partidos que não possuem representação alcançarem uma cadeira na Câmara Federal, isso também não é problema da democracia.

Desde o período da redemocratização, nunca tivemos tantos candidatos à Presidência da República como temos nestas eleições. Ao todo, são nove os que disputam o comando do país. Entretanto, você não conhecerá o que pensam e o que propõem cada um deles. Não porque três meses sejam insuficientes para isso. Mas porque já escolheram os candidatos em que você pode votar. São os que estão liderando as pesquisas, os que vão aos debates e os que possuem mais tempo na propaganda eleitoral gratuita. E, curiosamente, são exatamente estes que recebem as pomposas “doações” dos donos do jogo democrático.

Esta coisa que os homens do poder chamam de democracia é tão estranha e complexa que não consegue nem mesmo garantir o que se propõe a garantir. Em todas as épocas da história da humanidade, quando algo não funcionava mais como deveria funcionar, precisou ser substituído. Em nosso caso, o que necessita ser trocado já está fedendo. Seja porque é sujo ou porque é podre demais.