domingo, 28 de dezembro de 2008

2008: o ano que não pode acabar

Por João Paulo da Silva

Você, provavelmente, já deve ter visto nestes últimos dias várias retrospectivas do ano de 2008. Todos os meios de comunicação costumam organizar e relembrar os fatos que marcaram estes 365 dias. Se cada um de nós fosse fazer sua própria retrospectiva, destacando o que de mais importante aconteceu no mundo, com certeza teríamos inúmeros resultados diferentes. Mas, possivelmente, os retrospectos seriam iguais num ponto: o das tragédias.

Destacaríamos, de forma esmagadora, mais tragédias do que benignidades em 2008. Mas e as Olimpíadas da China? – alguém pode argumentar. Ok. Foi um espetáculo belíssimo, concordo. Entretanto, por trás de toda aquela beleza estava escondida a exploração de milhões de trabalhadores chineses. Evidentemente uma tragédia. Mas isso nem todos colocariam em suas retrospectivas.

Ei! Espere aí. – outra pessoa pode reclamar – E a eleição do primeiro presidente negro dos EUA?! Também é uma tragédia?! Não exatamente, eu diria. Quando um país historicamente racista elege um negro, é preciso reconhecer que houve importantes avanços. O problema com Barack Obama é que ele é uma tragédia em potencial. Não por ser negro, claro. Mas por representar uma esperança que vai acabar em decepção, basta olhar o programa de governo do novo presidente. E as decepções geralmente são prelúdios de tragédias.

Não há o que discutir. 2008 foi um ano trágico. Assistimos a catástrofes ambientais inimagináveis. E olha que o planeta só deu umas sacudidelas. Nos escandalizamos bastante também. O sinistro é que o escândalo da impunidade dos corruptos é maior do que os próprios escândalos de corrupção. O caso do Daniel Dantas não é só emblemático. É também extravagante. É a falência das falências.

O retorno da dengue e o resultado das eleições municipais foram tragédias com sensação de déjà vu. Você, tragicamente, olha e diz: eu já vi isso antes. Só não achava que podia ficar pior, não é verdade? E há, também, a crise econômica, que é uma espécie de tragédia em aberto. Alguém precisa pagar a conta do crack. Espero que não seja o trabalhador. Porque aí a tragédia será completa.

Em 2008 fomos de desgraças individuais a tragédias coletivas com uma intensidade descomunal. E elas já provaram que não podem ser resolvidas em apenas 365 dias. 2008 é um ano que não pode acabar. Não enquanto não acertarmos as contas com ele. Gostaria de fazer um pedido aos deuses do tempo, mas, se não for possível, o pessoal que organiza os calendários pode dar uma forcinha. Precisamos de mais tempo. Nos dêem mais 365 dias neste ano para resolvermos nossas pendências. 2008 não pode passar imune ao nosso castigo. Do contrário, corremos o risco de 2009 já nascer velho.

Ok. Tudo bem. Entendo que talvez eu esteja pedindo tempo demais. Mas, por favor, concedam pelo menos mais um mês. Alguém precisa acertar aquela sapatada no Bush antes do ano acabar. Essa é a minha condição para entrar em 2009. E eu não abro mão!

domingo, 21 de dezembro de 2008

Feliz Natal?

Por João Paulo da Silva

Papai Noel é o personagem mais famoso do Natal. O velhinho de barbas brancas foi inspirado na figura de São Nicolau Taumaturgo, arcebispo de Mira, na Turquia do século IV. Nicolau ficou conhecido por ajudar, anonimamente, os que estivessem passando por apertos financeiros. Lalau, que depois foi declarado santo, costumava deixar uma sacolinha de moedas de ouro na chaminé das casas.

Como acontece com maioria das histórias antigas, a lenda do velho Noel também sofreu modificações ao longo dos séculos. A consolidação do capitalismo e a globalização da economia também mexeram com o espírito natalino. Parece que a crise econômica e a aproximação do Natal ajudaram a revelar o lado Papai Noel dos principais governos do mundo.

Uma enxurrada de cifras astronômicas foi (e continua sendo!) liberada para salvar banqueiros e empresários da anarquia capitalista. Entre deixar os magnatas se quebrarem ou quebrar os trabalhadores, os governos escolheram a segunda opção. É verdade que não há nada de novo na preferência daqueles que hoje comandam os países, mas esperava-se pelo menos um pouco de discrição na hora de meter a mão no dinheiro público para salvar capitalistas.

Há duas importantes diferenças entre São Nicolau e os governantes do capitalismo. Nicolau deixava uma sacolinha de moedas de ouro na chaminé das casas e fazia questão de preservar seu anonimato. Os governantes do capitalismo não. Despejam trilhões nos bolsos dos ricos e ainda posam para as fotos, com as caras mais cínicas do mundo.

Por conta da crise, os líderes mundiais anteciparam seus presentes de Natal. Para aqueles que lucraram muito com a exploração de milhões, a recompensa vem na forma de pacotes econômicos bilionários. Para os que trabalharam muitas horas por um mísero salário, o prêmio é mais desemprego e pobreza.

Agora, para ser um Natal daqueles, só está faltando mesmo é dizerem que o critério usado na escolha dos presentes foi o bom ou o mau comportamento durante o ano de 2008.

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Idéia para uma história de Natal.

É noite. E Papai Noel viaja em seu trenó da Lapônia até o Brasil, puxado por suas renas. Pousa com segurança no telhado de uma casa e, cuidadosamente, entra pela janela. Uma vez dentro, dá de cara com o Robertinho e a Jandira.
- Papai Noel! Você veio de verdade. – falam as crianças magricelas.
- Pois é, garotada. Mas não posso demorar muito. Agora deixa eu ver aqui o que foi que vocês me pediram.
E o velho Noel começa a remexer nas cartas enviadas.
- Você, Robertinho, me pediu uma cesta básica, não foi?
- Isso mesmo.
- Bom, filho, você deve ter percebido que esse ano a comida aumentou demais. Sendo assim, nesse Natal só vou poder te dar esta caixinha de chicletes. Toma aí.
- E o meu presente, Papai Noel? – falou a Jandira.
- Bem, o seu foi... deixar ver... um emprego pro seu pai, certo?
- Foi isso sim, Papai Noel.
- Mas vocês hein?! Só me pedem presentes difíceis, ora bolas! Olha, Jandira, não vai ter emprego pro teu pai não. A crise econômica está aí, a recessão também. E o cenário é de demissões em massa. Eu mesmo já demiti metade dos meus duendes e dei férias coletivas pra seis renas.
- Mas Papai Noel...
- A gente não pode ter prejuízo nos negócios, entende? Alguém precisa pagar o pato. Mas faz o seguinte, Jandira. Pede pro seu pai pegar a caixa de chicletes que eu dei ao teu irmão e fala pra ele ir vender lá no sinal da esquina. Ok?
- Mas Papai Noel...
- Não tem “mas” nem meio “mas”. Agora deixem eu ir que já estou atrasado. Preciso entregar os presentes de alguns banqueiros e empresários. Feliz Natal pra vocês e até o ano que vem.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Cenas da crise

Por João Paulo da Silva

O Luis e o Elias tinham acabado de receber seus salários. Aí o Luis notou o Elias todo murchinho, meio pra baixo.
- O que foi Elias? Algum problema?
- Luis, me responde uma coisa.
- Claro. Pode falar.
- O teu salário dá pra satisfazer todas as tuas necessidades?
- Mas é claro, Elias.
- Eu não acredito nisso. Não é possível. Como é que você consegue?
- Muito simples, Luis. Eu satisfaço uma necessidade a cada mês. Num mês eu compro comida. No outro eu pago o aluguel. Aí no seguinte eu nem compro comida e nem pago o aluguel. Gasto com médico e remédios. Porque a essa altura já fiquei doente. Você achava que eu satisfazia todas no mesmo mês?
- Era.
- Como você é ingênuo, Elias.

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Era final de tarde. Em pé no ônibus, eu voltava pra casa. Numa das paradas do coletivo, subiu um moleque com uma caixinha de chicletes.
- Boa tarde, pessoal! Desculpe estar interrompendo a viagem de todos vocês. – começou ele, com aquele discurso já conhecido dos passageiros – Estou aqui vendendo esses deliciosos chicletes para comprar comida para os meus irmãos, pessoal. Um pacote é R$ 0,50. Dois é R$ 1,00. Três eu troco por um vale-transporte, pessoal. Aqueles que puderem me ajudar eu agradeço. Aqueles que não puderem eu agradeço da mesma forma. Fiquem com Deus e tenham todos uma boa viagem, pessoal.
Antes mesmo de a crise econômica estourar, cenas como essa já eram bastante comuns. E tendiam a se multiplicar. Mas, naquela tarde, aconteceu algo que eu nunca tinha visto. Era algo novo.

Assim que terminou seu discurso, o garoto saiu oferecendo os chicletes entre os passageiros. Uma senhora comprou um pacote.
- Obrigado. – respondeu o moleque.
Alguns minutos depois, a mulher começou a gritar:
- Ei menino! Esse chiclete tá vencido! Tá fora da validade! Me dê meu dinheiro de volta! Ei menino!
Mas já era tarde. O garoto tinha decido no ponto anterior.
- Que peste! Me vendeu o chiclete vencido! – resmungava a senhora.
Um homem da cadeira de trás tentou amenizar a situação.
- O que não mata engorda, dona. Pior é na guerra.

Ou na crise. – pensei.

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Quando a Maria chegou em casa, o Gilmar estava na mesa com lápis e papel na mão.
- Tá fazendo o quê, Gil?
- Contas, mulher. Contas.
O Gilmar ganha um salário mínimo. E isso, por si só, já é motivo pra entrar em depressão. Mas o desespero maior do Gil era ver seu minúsculo ordenado encolher ainda mais com o novo aumento dos alimentos.
- A comida subiu outra vez, Maria. Só a cesta básica leva quase metade do dinheiro.
Silêncio.
- Maria, sabe aquele “sifu” que o Lula disse?
- O que que tem?
- Era pra gente.