Centenas de mortos, milhares de desabrigados, não sei quantos desaparecidos ou soterrados. Você e eu já vimos esse filme. Ele se repete todos os anos, numa espécie de déjà vu do caos anunciado. Irresponsavelmente, as autoridades continuam com a mesma política de sempre: só aparecem para recolher os corpos e jogar os sobreviventes em ginásios de esporte. Neste país, entretanto, a catástrofe humana que é morar em áreas de risco ou não ter onde morar não é um problema novo. É mais antigo do que a posição de... Bom, vocês sabem.
- Porque eu quis, ora. O governo até me ofereceu uma casa em um condomínio de luxo, mas eu recusei. Bom mesmo é morar em casa de lona, no meio das encostas.
- Mas o senhor não sabe que tudo pode desabar a qualquer momento?! Ainda mais com essas chuvas.
- Sei sim. Claro que sei.
- E então, meu senhor?! Por que você não sai daqui?
- Porque eu gosto de viver perigosamente, entende? Aqui a adrenalina é constante, praticamente um esporte radical. Sempre que chove, vem aquela tensão, sabe? Muito maneiro, cara! É uma sensação incrível saber que sua casa pode desabar enquanto você e sua família dormem.
- Mas isso é uma loucura!
- Loucura? Você não viu nada, cumpade! Bom é quando começa a chover e a entrar água e lama dentro de casa. A gente, que já não tinha nada, perde tudo. E a correria? Radical! Todo mundo tem que sair correndo de dentro de suas casas. Aí já viu, né? Os mais lentos... babau. A gente vive assim, em encostas e morros, porque a gente gosta. O nosso negócio é o perigo, é o desafio. Sabe como é, né? Brasileiro não desiste nunca.