quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

2000inove: retrospectiva do ano que não inovou

Por João Paulo da Silva

Esse foi um ano daqueles. Daqueles de dar dor de cabeça, daqueles de dar desgosto e raiva de saber que o próximo pode ser muito pior. A julgar pelos fatos de 2009, não há nada que aponte – pelo menos até agora – para qualquer melhora, mínima que seja. Até o salário mínimo, que vai para R$ 510 agora em janeiro, vai continuar mínimo. Caso você não lembre o que aconteceu de mais importante em 2009, não precisa ficar preocupado. Fiz um resumo, mês a mês, dos principais acontecimentos do ano. Recordar é viver. Haja paciência!

Janeiro – Barack Obama toma posse como o primeiro presidente negro da história dos EUA. E é, também, o primeiro negro a ficar branco politicamente em tão pouco tempo. O negão já tá a cara do Bush. Entra em vigor o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa, uma espécie de reforma neoliberal da gramática. Passaram a tesoura no trema e em outros acentos. Agora ideia não tem mais o agudo. Péssima ideia por sinal. Nos estados do RS, MG, ES, RJ e SP as chuvas deixam milhares desabrigados e causam dezenas de mortes.

Fevereiro – O PMDB passa a controlar o Congresso, elegendo José Sarney para presidir o Senado e Michel Temer a Câmara dos Deputados. Era o prenúncio do caos. A produção industrial cai 12,4% em relação a novembro de 2008 e 14,5% em relação a dezembro de 2008, as maiores quedas desde 1991. O caos bate à porta e o índice de aprovação de Lula bate recorde de 84%. A Embraer decide demitir cerca de 20% do seu efetivo de 21.362 empregados. O caos se instala no sofá. Vítima de enfarte, morre na Bahia o ex-deputado Sérgio Naya. Enfim, uma boa notícia.

Março – O anúncio da queda de 3,6% no PIB brasileiro do último trimestre de 2008 mostra a “marolinha” de Lula. A crise existe e é grande. O caos abre a geladeira do povo. Governo prorroga por mais três meses a redução de IPI para carros e José Sarney começa a dar explicações sobre Agaciel Maia e os Atos Secretos. Após o aborto da menina de nove anos que engravidou do padrasto e corria risco de morte, o Arcebispo nanico de Olinda e Recife excomunga os médicos e a mãe da garota. Dieese anuncia que a crise financeira internacional eliminou aproximadamente 750 mil empregos formais no País entre novembro e fevereiro. O caos até já deita na cama com os trabalhadores brasileiros.

Abril – Confirmada a primeira morte por Gripe Suína no México. No Brasil, enquanto os casos da gripe A se confirmam e crescem, o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, afirma: "Fiquem tranquilos. A situação está sob controle.". Aí é que bate o desespero. Na reunião do G-20, Obama diz que Lula é “o cara”. E a gente fica de cara. A Argentina perde por 6 a 1 para a Bolívia, em La Paz, pelas Eliminatórias da Copa. Em meio ao caos, um fugaz momento de felicidade para os brasileiros. Que pena, hermanos.

Maio – Perdigão e Sadia anunciam fusão e criam a Brasil Foods. O Teatro do Oprimido perde seu criador. Morre de leucemia Augusto Boal, aos 78 anos. Flamengo contrata Adriano, o Imperador. É a retomada do caminho ao título. STF livra Genoino, Delúbio e Marcos Valério de acusação de gestão fraudulenta. IBGE informa que o índice de desemprego apurado nas seis principais regiões metropolitanas do País chegou a 8,9%, no maior nível registrado para o mês desde abril de 2007. Nesse momento, o caos já Foods a gente.

Junho – Morre Michael Jackson, o Rei do Pop, vítima de uma parada cardíaca. É a prova de que ele era humano. A descoberta de 300 atos secretos coloca Sarney contra a parede, mas ninguém atira. Não para acertar, claro. Sarney diz que a crise não é dele, é do Senado e cria uma comissão para investigar os atos secretos (vê se pode?!). STF detona diploma para jornalistas (Morte ao Gilmar Mendes!). Presidente de Honduras é deposto por golpe de Estado. GM pede concordata e governo dos EUA segura 60% da empresa. Capitalismo balança, mas não cai. E o caos vendo TV na sala.

Julho – Romário abre o jogo e diz que não matou Michael Jackson nem trouxe a gripe suína para o Brasil. Só está falido e com problemas na Justiça. Parentes fazem funeral de Michael Jackson virar show, reunindo 20 mil pessoas. Todo mundo cantando ao redor do caixão. Saravá!

Agosto – O jamaicano Usain Bolt prova mais uma vez que não é deste planeta. No Mundial de Berlim, ele correu 100 metros em 9s58, quebrando o próprio recorde de 9s69, feito nas Olimpíadas de Pequim. O bispo Edir Macedo e mais nove pessoas, ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus, se tornam réus em processo por lavagem de dinheiro, que já subiu aos céus. Lula lança marco regulatório do pré-sal e entrega petróleo brasileiro a multinacionais. Todas as denúncias e representações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AC), são arquivadas no Conselho de Ética. O caos mexe na dispensa, já se sente de casa.

Setembro – 70 dias depois de sua morte, Michael Jackson é sepultado (Porra! Finalmente, né?!). Mesmo sem nunca ter publicado um livro, o ex-presidente e senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) é eleito membro da Academia Alagoana de Letras, provando vocês sabem o quê. Comentando o crescimento de 1,9% do PIB no 2º trimestre em comparação com o 1º, Lula diz que o Brasil estava preparado porque “o povo fez sacrifícios”. Meu bolso que o diga. O caos toma sol na laje.

Outubro – Morre a Voz da América Latina, Mercedes Sosa, em Buenos Aires aos 74 anos. Rio de Janeiro se torna sede da Olimpíada de 2016, para a felicidade das empreiteiras e da corrupção. Em São Bernardo do Campo, a estudante de Turismo Geysa Arruda é assediada por alunos da Uniban por usar um vestido curto, registrando o retorno da Idade Média. Para economizar energia, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, pede ao povo que reduza a duração dos banhos para três minutos. Agora os venezuelanos só lavam as orelhas. Agindo de forma chiquérrima, Brasil oficializa empréstimo de US$ 10 bilhões para o FMI. E a gente se Foods de novo. Mantendo duas guerras contra povos oprimidos, Barack Obama recebe o Prêmio Nobel da Paz. Até ele se surpreende. A essa altura do campeonato, o caos já dá risada da nossa cara.

Novembro – Apagão deixa mais da metade do País sem luz. O blecaute atingiu 18 estados brasileiros por cerca de quatro horas. Segundo o governo, as causas do problema foram os raios, ventos e chuvas muito fortes na região de Itaberá, no interior de São Paulo. O governo também investiga a possibilidade de sabotagem, talvez pelo Coelhinho da Páscoa. Guido Mantega anuncia que com a redução do IPI o total de desonerações chega a R$ 25 bilhões. Ou seja, os empresários não pagam impostos e nós se Foods outra vez. Em São Paulo, morre aos 63 anos o ex-prefeito Celso Pitta. Pelo menos uma boa notícia.

Dezembro – Vítima de enfarte, morre aos 69 anos o famoso locutor Lombardi, que ninguém nunca tinha visto a cara antes de ele morrer. O Flamengo conquista seu sexto título do campeonato brasileiro, as massas entram em êxtase e o Brasil não dorme por uma semana. O Prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, anuncia o envio de mais 30 mil soldados ao Afeganistão. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), ocorrida em Copenhague (Dinamarca), é um fracasso. As potências industriais não querem reduzir seus lucros e não vão parar de jogar CO2 na atmosfera. As coisas esquentarão ainda mais, o clima mudará pra cacete e o planeta inteiro vai se Foods, assim como a gente. Até o caos abandona o barco.

Bom 2010 pra todo mundo.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Recado do Cronista

Olá, caros leitores e leitoras!

Em primeiro lugar, quero pedir desculpas pelo sumiço nas últimas semanas. O mês de dezembro foi de atribulações para esta "minha nada mole vida". Como todos sabem (até parece que sou uma celebridade), no meio do ano me mudei para Natal/RN e, desde então, tenho tentado me organizar profissionalmente para conseguir o meu "lar doce lar". Bom, o fato é que só agora, em dezembro, pude alugar um cantinho e me dedicar a arrumar a casa em que vou morar pelo menos por um ano (é o que está no contrato). Por essa razão, estive um pouco ausente.
Mas não se desesperem! A partir de amanhã as coisas voltam ao normal. E para compensar o sumiço, vou postar duas novas crônicas. Uma nesta quarta e a outra na quinta. Ambas sobre as frescuras de fim de ano. Além, é claro, da retrospectiva de 2009 e das perspectivas para 2010 (aiaiaiai!). Ah, uma novidade! Em 2010, o blog As Crônicas do João volta a ter postagens semanais aos domingos, a contar do primeiro domingo de janeiro.
Por fim, quero agradecer a todos e todas que passaram pelo blog durante o ano de 2009 e desejar um forte abraço aos 62 pacientes seguidores desta página, que me dão ânimo para continuar escrevendo as besteiras que me vêm na telha.
Para vocês, o meu feliz alguma coisa.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O novo amanhecer

Por João Paulo da Silva

Eu amanheceria com os primeiros raios do sol afagando meu rosto. Chegaria bem cedo à padaria, pegaria os pães ainda quentinhos e prepararia com eles um belo café da manhã. Levaria as frutas, as torradas, a manteiga, o suco de laranja e a geléia de morango até a cama para minha mulher. Sim, eu teria uma mulher para amar. E teria um filho também. Minha mulher teria todas as características de uma rosa, exceto os espinhos. Meu filho pareceria comigo, mas o importante é que teria saúde. Após o café, ela me agradeceria com um beijo sabor laranja e me lançaria um “bom-dia” lambuzado de geléia de morango, amor e carinho. Eu levantaria da cama feliz da vida e entraria no banheiro para tomar um bom banho, cantando aquela velha canção que anos antes havia selado nosso amor.
“Quando a gente conversa, contando casos, besteiras. Tanta coisa em comum, deixando escapar segredos”.

Ela entraria no banho também, me chamaria de bobo e nós faríamos amor banhados pela água fria do chuveiro e pelos primeiros raios mornos da manhã.
Antes de sair para trabalhar, eu passaria no quarto do meu filho e diria:
- Vamos lá, garotão! Tá na hora de ir pro colégio.
Ele relutaria por alguns instantes, mas logo se levantaria animado com a idéia de que iria ao colégio aprender coisas novas. Aos oito anos ele já leria Shakespeare, Drummond e García Lorca. Também veria Chaplin e Woody Allen. Eu teria tempo suficiente para levá-lo ao colégio, pois os homens não seriam mais escravos do relógio. Trabalhariam de chinelos, bermuda e camiseta. Nada de ternos e gravatas. Eu trabalharia cantando a vida em verso e prosa, recriando o mundo a cada milésimo de segundo, exatamente como agora.

Quando chegássemos ao colégio, eu seguraria meu filho pelos ombros e, olhando bem em seus olhos, diria:
- Cuide-se, garoto. Seja um bom menino, do contrário não vai ter sorvete de sobremesa. Papai ama você. Tchau.
Depois de me despedir do infante com um beijo na testa, eu partiria para o trabalho. Iria a pé mesmo. É que daria gosto caminhar pelas ruas. Não haveria assaltos, pois não seria necessário roubar para comer. Não haveria favelas, e sim lares. Não encontraríamos mendigos nas ruas, eles não estariam nelas. Estariam amando suas mulheres, educando filhos, construindo vidas. Seriam homens. Não haveria crianças nos sinais, elas estariam nas escolas. Não haveria classes, nem partidos, nem guerras, nem fome, nem miséria. A exploração e a desigualdade não existiriam, a propriedade seria abolida. Teríamos horizontes, não fronteiras. As pessoas não cuspiriam insultos; declamariam flores. Não existiria tempo para as lágrimas da dor. Não marcaríamos o tempo da solidão, ele não existiria.

Eu chegaria ao trabalho cumprimentando calorosamente meus companheiros. Seriam companheiros de sonhos, companheiros de vida. Seriam seres humanos. Trabalharíamos por prazer, o suficiente para sermos felizes. Construiríamos a vida da mesma forma que um poeta constrói amores. Depois do trabalho, eu iria correndo para casa. Não por estar atrasado para algum compromisso, e sim porque minha família estaria me esperando para o almoço. Da esquina, eu sentiria o cheiro bom do feijão. Entraria sorridente em casa e me sentaria rapidamente à mesa. Teríamos uma mesa farta, assim como todas as outras pessoas do mundo. Após nos entupirmos de sobremesa (sorvete, lembra?), iríamos os três tirar um cochilo. Sabe como é, né? É bom dormir de barriga cheia.

Acordaríamos nos limites que separam a preguiça da disposição, mas satisfeitos. Meu filho, sabido como todas as crianças, já teria adiantado os exercícios do colégio e estaria doidinho para ir jogar uma bolinha na rua da frente. Não sem antes ler um pouco de Neruda, é claro. Sairíamos para o campinho da rua da frente dispostos a marcar muitos gols, e marcaríamos. Sabe como é, né? Seríamos bons de bola. Jogaríamos até que não pudéssemos mais ver os próprios pés de tanta sujeira que haveria neles. Quando voltássemos para casa, suados como uns porquinhos, minha mulher nos empurraria à força para o banheiro, dizendo ser nossa imundice motivo incontestável para a imposição.

Já de banho tomado e cheirosos, partiríamos juntos para um programa de fim de tarde. Caminharíamos animados pela orla. A brevidade da vida não seria problema, a beleza simples de seus momentos faria a humanidade feliz o suficiente para abrir um sorriso. Ficaríamos hipnotizados com o ir e vir das ondas, a brisa do mar beijaria nossos rostos, o pôr do sol celebraria o fim da solidão humana. Perceberíamos a harmonia do mundo todas as vezes que abríssemos a janela do quarto, que pegássemos um ônibus, que déssemos um bom-dia. Ao lado de minha mulher e de meu filho, eu perceberia com clareza real a emancipação da condição do homem enquanto bicho amante e ser vivo pensador. As vidas se cruzariam constantemente. Todo homem reconheceria a si mesmo em outro homem. Nenhum homem seria estranho a outro homem. Um chinês cumprimentaria um brasileiro, que cumprimentaria um russo, que por sua vez cumprimentaria um angolano. Seria sempre o mesmo cumprimento: “Olá, camarada!”. Estaríamos livres dos grilhões do nosso próprio egoísmo e a humanidade seria uma mulher de cabelos vermelhos com flores nas mãos.

Voltaríamos para casa mais leves do que as nuvens, com um carnaval nos corações e já pensando como celebraríamos a vida amanhã. Cinemas, teatros, bibliotecas... À mesa do jantar, comemoraríamos o nascimento de um novo amanhecer. O amor e a liberdade seriam sempre os pratos principais do cardápio. Beberíamos, comeríamos, dançaríamos, sorriríamos como nunca em nossas vidas. Por baixo da mesa, eu esfregaria meu pé no de minha mulher, num convite ousado para mais tarde. Após o jantar, eu passaria no quarto de meu filho para verificar-lhe o sono. Dormiria tão tranqüilamente que eu poderia até ouvir os ruídos de seu coração e de seus sonhos. Beijaria sua testa e sairia na ponta dos pés. Feito isso, partiria correndo para meu quarto. Iria me empenhar de corpo e alma – sobretudo corpo! – na mais prazerosa atividade física da natureza humana, através da qual estendemos nossa existência.

E no dia seguinte, a vida se repetiria.
Bem é verdade que o mundo pareceria perfeito demais, mas eu nunca ouvi falar de alguém que tivesse tido um sonho imperfeito.