segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Dona Ritinha

Por João Paulo da Silva

Dona Ritinha mora em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Vive sozinha em sua casa e deve estar hoje na casa dos oitenta anos. Eu não a conheço pessoalmente, e o pouco que sei me chegou aos ouvidos através de um amigo. Fisicamente, só posso imaginá-la. Provavelmente tem longos cabelos grisalhos, o rosto cortado de rugas e um andar encurvado. Não sei ao certo. Sei apenas que sua única companhia é a presença incômoda da solidão. Acho que dona Ritinha é uma mulher infeliz.

Teve três filhos. Dois meninos e uma menina. De seu marido, não sei nada. Não sei se está vivo, morto ou entrevado. Já dos filhos, sei que os criou com todo o afeto que as mães possuem, mesmo as piores e mais desatentas. O amigo que me falou de dona Ritinha me disse que ela é uma pessoa muito amável e faladeira. Adora contar histórias. Registra tudo que pode em sua memória idosa. É a resistência da tradição das narrativas orais, muito comuns entre os velhos de tempos mais velhos ainda.

Outro dia, o tal amigo me fez conhecer uma história sobre a própria dona Ritinha. Depois de criados, os filhos desta velha senhora se foram. Tomaram seus rumos. Cada qual seguiu seu caminho. Um a um, foram deixando a casa onde cresceram sob os cuidados da mãe. E dona Ritinha os viu partir como se fossem pedaços que se desprendem do corpo com o tempo. Quando deu por si, estava só, cheia de ausência numa casa que parecia dobrar de tamanho com o passar dos anos. É verdade que os filhos mandavam notícias, apareciam de vez quando. Mas não era a mesma coisa.

Um dia, dona Ritinha resolveu pôr a casa para vender, com plaquinha de “vende-se” e tudo na porta. Começaram a aparecer interessados. Gente querendo olhar a casa, saber das condições e do preço. Dona Ritinha mostrava tudo. Falava dos cômodos, das instalações, do encanamento e da excelente fiação elétrica da casa. A velha senhora havia cuidado de seu lar como cuidara dos filhos e passava horas conversando com os possíveis compradores sobre as maravilhas do lugar. Entretanto, o negócio sempre esbarrava no preço.

Dona Ritinha cobrava uma fortuna pela casa. Os anos passavam e ninguém comprava o imóvel, embora quase toda semana aparecessem compradores interessados. Mas o alto valor sempre impediu a venda. Até hoje a plaquinha de “vende-se” continua na fachada da casa. Dia desses, porém, o tal amigo que me contou a história quis saber quanto dona Ritinha pedia pela casa. Ficou abismado.

- Mas também com um preço desses a senhora não vai conseguir vender nunca.
- E quem disse que eu quero vender esta casa, meu filho?
- Então por que diabos a senhora pôs essa placa de “vende-se”?
- Porque, graças a ela, de vez em quando aparecem pessoas para conversar comigo e me fazer companhia, mesmo que por algumas horas.

Sei que não há leis para isso, mas acho que deveria ser proibido ficar sozinho nessa vida.

domingo, 6 de setembro de 2009

O mercado das almas

Por João Paulo da Silva

Eu respeito a fé das pessoas. Penso que cada um pode acreditar no que quiser. Contudo, o mundo está tão à beira do caos que não basta apenas crer para ser salvo. Hoje, mais descaradamente do que nunca, é preciso pagar caro para ir ao “paraíso”. Um investimento sem retorno garantido e que custa os olhos da cara.

Os escândalos envolvendo as falcatruas financeiras do bispo Edir Macedo, dono da Igreja Universal do Reino de Deus e da Rede Record, me levaram a uma instigante reflexão: a de que Deus, talvez, seja a invenção humana que mais deu (e dá) lucros ao longo da história. Sabe, eu fico até na dúvida. Para fazer dinheiro fácil, é melhor fundar um banco ou uma igreja?

Cotidianamente, nos templos e nas TVs, ocorre uma acirrada disputa de mercado. São diversas facções religiosas concorrendo entre si para ver qual delas engana o maior número de fiéis. As promessas mais absurdas são feitas em troca de exigências financeiras cada vez mais imorais. Em nome de Deus, se pede de tudo: dinheiro, casas, carros, vale transportes e até tickets alimentação. A Igreja Universal, por exemplo, defende uma Teologia da Prosperidade. Prosperidade do bispo Edir Macedo e de seus pastores, claro. Ao que parece, o mercado das almas é tão lucrativo quanto o mercado financeiro.

Entretanto, arrancar dinheiro de bilhões de seres humanos infelizes e desesperados não é privilégio apenas do protestantismo, que encontrou no capitalismo sua verdadeira alma gêmea. A Igreja Católica não deixa nada barato. Durante séculos, a grande senhora da Idade Média condenou a usura. Dos outros, evidentemente. Na época, porém, ela vendia de tudo: desde indulgências até incontáveis ossos do corpo de Cristo, o que me fez chegar à conclusão de que Jesus, por causa do grande número de fêmures, não era um homem, e sim uma centopéia.

Hoje a Igreja Católica vende padres cantores e uma infinidade de quinquilharias da fé. Além, é claro, de possuir um 1/5 de todo o patrimônio imobiliário da Itália, o que fez o Vaticano lucrar 1,47 bilhões de euros com a especulação entre os anos de 2004 e 2005. Para as igrejas, semear ilusões sobre uma vida melhor após a morte não é suficiente. Sem o menor pudor, os profetas oferecem uma esdrúxula modalidade de credo: a “fé pegue e pague”.

Quando eu era garoto, sempre me disseram que Deus morava no céu, nas nuvens ou até mesmo no coração dos homens. Atualmente, sei que isso não é verdade. Ao que tudo indica, Deus vive em Nova Iorque, mais precisamente em Wall Street.

Guerra de TVs

Impossível não comentar a guerra midiática entra a Rede Globo e a Rede Record. Não é somente uma disputa pelo Ibope, é necessariamente um confronto por cifras estratosféricas. Em busca do monopólio, cada uma delas revela as sujas verdades da outra. As emissoras utilizam a concessão pública que receberam para fazerem fortunas, levando, assim, o privado para o público e o público para a privada.

Tão real quanto o desvio das doações dos fiéis para aumentar o patrimônio televisivo de Edir Macedo, é a ligação da Rede Globo com os episódios mais obscuros do poder. Seja no apoio à ditadura militar ou na “mãozinha” dada a Collor em 1989 (para citar alguns exemplos), o grupo da família Marinho sempre cumpriu o papel de enganar os milhões de brasileiros ligados no plim-plim. Ah, e não esqueçamos, por favor, o senhor Silvio Santos, que não foi citado nessa história toda, mas possui um cassino disfarçado de canal de TV.

O conflito Globo X Record não se trata de uma guerra entre mocinhos e bandidos. Não há diferenças entre os barões da comunicação, apenas semelhanças. Aqui, vale tudo para encher o cofre. Na verdade, não há televisão no Brasil. O que existe são grandes caça-níqueis. Nada mais.