domingo, 12 de outubro de 2008

Especialistas

Por João Paulo da Silva

Eu havia parado para tomar a vacina contra a rubéola, num posto improvisado na frente de um supermercado de Maceió. Enquanto aguardava na fila a minha vez, vi sair do estabelecimento uma senhora imensa, gorda mesmo, daquelas que andam com dificuldade. Ela vinha no seu passo miúdo e pesado quando escorregou na rampa de descida dos carrinhos de compra. Na queda, estatelou-se no chão feito uma jaca.
- Ai meu Deus do céu! Me acuda, meu Jesus Santíssimo! Quebrei meu braço! Quebrei meu braço! Socorro!

A mulher tinha caído por cima do braço. E o pior: com todo aquele peso! O pessoal da vacina correu logo pra ajudar. Gemendo de dor, a acidentada pediu para que ligassem para seu marido. Rapidamente, muitas pessoas apareceram para ver o que tinha acontecido. Em pouco tempo, a mulher estendida no chão estava cercada – para usar um termo “jornalístico” – de populares. O curioso é que estes curiosos param tudo o que estão fazendo só para assistir ao “espetáculo”. É claro que também parei pra ver (do contrário, não estaria aqui contando), mas prefiro acreditar que eu estava ali por causa do faro de jornalista. Em cima do fato, literalmente. Quer dizer, não tão em cima pra não sufocar a mulher.

O pessoal da vacina que socorreu a acidentada pedia constantemente para que as pessoas se afastassem.
- Se afastem, assim ela não pode respirar. Por favor, abram espaço.
É impressionante como nessas horas todo mundo vira perito em alguma coisa. Enquanto eu acompanhava a agonia daquela senhora na espera da ambulância, pude ouvir os sagazes comentários de verdadeiros especialistas.

Ao meu lado, dois homens discutiam qual teria sido a parte do corpo fraturada pela senhora.
- Foi a cravícula! Eu vi quando ela caiu.
- Foi nada, rapaz. Num foi o braço não?
- Não, não. Foi cravícula mesmo. Eu vi quando invergou tudo.
Do meu canto, eu pensava: “Xii!! Quebrou mesmo foi a gramática.”
Um outro sujeito, vindo não sei de onde, aproximou-se:
- Ela tá emborcada. É ruim assim. Tem que virar ela. Alguém vire aí.
- Oxe, moço. Pode não. Tem que esperar a ambulância. Se a gente mexer nela, pode aleijar. - respondeu uma mocinha.
- Mas ela não quebrou só o braço? - rebateu o homem.
- Mesmo assim. Não pode não. Lá perto de casa tem um senhor que quebrou o braço no mês passado. O povo foi inventar de mexer nele pra levar pro hospital terminou foi aleijando o homem. Deram um jeito na coluna dele pra lá que o véio deixou de andar.
A cada comentário, um novo diagnóstico. A confusão era tanta que até um aspirante a vampiro apareceu.
- Cadê? Cadê? Saiu sangue? Saiu sangue?
Antes de a ambulância chegar, eu ainda pude ouvir mais um comentário especializado. Uma desavisada que estava passando pelo local se aproximou pra ver que tumulto era aquele. Vendo a gorda espalhada no chão, ela não quis nem saber e lascou pra cima:
- Meu Deus, alguém já mediu a pressão dela?
Ninguém deu ouvidos. A desavisada foi mais enfática:
- Gente! Tem que medir a pressão dela!
Aí eu não me agüentei.
- Moça, ela só quebrou o braço. Mas se você quiser me arranje uma régua que eu meço a pressão dela pra senhora.
- Ah. Foi só o braço, foi? – disse ela, toda sem graça.
- É. Foi só o braço.
Ela calou-se por um instante. Depois concluiu:
- Mas de qualquer jeito é bom medir, né? Nunca se sabe.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Para as próprias cabeças

Por João Paulo da Silva

Nos dias que antecederam o 5 de outubro, vi muitos artigos nos jornais exaltando as eleições como a “festa da democracia, a festa do povo”. De fato, é uma festa. Mas não do povo. Numa sociedade dividida entre espoliados e espoliadores, a democracia é na verdade uma ditadura do grande capital. A única diferença é que passou por uma cirurgia plástica. Provavelmente com o Ivo Pitanguy.

A festa é mesmo das grandes empresas, que controlam a economia, o Estado e os meios de comunicação. Assim, com campanhas endinheiradas, falsas promessas e mais tempo de TV, os candidatos dos exploradores do povo se esbaldam nessa democracia de meia dúzia de grandes empresários que segue o mesmo funcionamento de um jogo com roleta viciada. Na tentativa desesperada de esconder a existência das classes, a Justiça Eleitoral também fez a sua parte. Chamou a lindíssima atriz Lavínia Vlasak para dizer que “nas eleições não existem patrões e empregados”. Uma piada de muito mau gosto.

A verdade é que a burguesia paga a festa, a banda e ainda escolhe a música. De dois em dois anos, o povo é chamado apenas para legitimar um processo que favorece os patrocinadores. Business, baby. Business. Há algum tempo, o escritor uruguaio Eduardo Galeano fez uma provocante ponderação: “A liberdade de eleição permite que você escolha o molho com o qual será devorado.”. E depois dessa crise dos alimentos, desconfio que tenham cortado até o bechamel.

Cícero Almeida foi reeleito porque navegou em sua tsunami de demagogia, mentiras escandalosas e obras de fachada. E por mais que afirme ser o prefeito do povo, Cícero não pode esconder a felicidade da vitória nas urnas estampada no rosto de seu principal aliado de classe. O próprio usineiro João Lyra, depois de votar, chegou a dizer que “não houve disputa eleitoral. O que houve foi a força da candidatura de Cícero Almeida”. O resultado da eleição para prefeito de Maceió estava escrito no viaduto do bairro de Mangabeiras. A força da candidatura de Almeida tem a marca suja do dinheiro de gente como João Lyra.

Judson Cabral e Solange Jurema, que chegaram a se abraçar como velhos compadres depois da votação, não eram diferentes. Seus partidos estão maculados pela alegoria do “Robin Hood neoliberal”. O PSDB possui uma vasta experiência em tirar dos pobres para dar aos ricos. E o PT, bom aluno que é, aprendeu rapidinho a lição. Recentemente, o cronista Luis Fernando Veríssimo afirmou – referindo-se à política econômica de Lula – que “o PT é o PSDB de barba”. Na capital alagoana, a metáfora é com o cavanhaque do Judson.

Na manhã de segunda-feira, após a divulgação do saldo do estelionato eleitoral, os jornais estampavam a lista dos “escolhidos”. As manchetes traziam: “Câmara Municipal tem renovação de 60%”. Resta saber onde houve renovação. Ora, são os mesmos partidos que estão lá. Trocaram seis bandidos por meia dúzia de ladrões. É claro que meus números são imprecisos. Os verdadeiros são bem maiores.

Cícero ganhou a corrida eleitoral. Mas com Judson ou Solange o resultado seria o mesmo. Haveria apenas um vencedor: o lucro dos empresários. Nestas eleições, enganados pelos representantes dos donos da economia, os trabalhadores e o povo pobre acabaram colocando munição nas armas que estão apontadas para suas próprias cabeças. Os demônios do capitalismo, diante da crise econômica que sacode o planeta, vão exigir oferendas para que possam salvar a si mesmos. E os vencedores das eleições já escolheram aqueles que serão jogados às feras.

A História é uma rígida e severa professora. Ela já nos ensinou que as verdadeiras e profundas mudanças não são conseguidas com o voto. São retiradas à força. Primeiro se arranca os anéis. Depois, os dedos e a mão inteira. É claro que não haverá um mundo melhor se os espoliados não passarem por cima das eleições como um trator, assumindo os rumos das próprias vidas e fustigando a carroça da história. Porém, enquanto os trabalhadores ainda forem às ruas apenas para votar, abandoná-los a própria sorte será sempre um crime.

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Pequena Parábola Sobre a Democracia dos Ricos

A democracia dos ricos diz ao povo:
- Você pode votar, escolher os representantes.
- Mas eu quero votar e decidir os rumos da minha vida. – argumenta o povo.
- Bem, votar pode. Agora decidir os rumos da própria vida já é outra história, entende?

domingo, 5 de outubro de 2008

Hoje é dia de dizer não aos patrões!

Por João Paulo da Silva

Durante semanas, nos bares, locais de trabalho, casas, esquinas, o assunto foi um só: eleições. É o momento em que as pessoas discutem e conversam mais sobre os problemas da cidade, do estado, do país. Mas existe entre os trabalhadores e os ativistas honestos uma grande desconfiança em relação ao processo eleitoral. E com toda razão. Desde o fim da ditadura militar, já se passaram mais de vinte anos de democracia. De lá pra cá, a vida da classe trabalhadora só piorou. Tudo isso porque vivemos a democracia dos ricos, dos patrões. Os salários são baixos, o desemprego é alto e a comida é cara. O povo vota, mas não decide. Essa democracia não ajuda a comer, a vestir, a morar. Pelo menos não para os pobres.

Isto tem uma explicação: a democracia dos ricos é um jogo de cartas marcadas. Só são eleitos os candidatos dos partidos que representam os interesses dos patrões, pois recebem verdadeiras fortunas para fazer campanhas milionárias. Quando estes partidos chegam ao poder, governam para os empresários e usineiros que os financiaram. Enquanto isso, o povo é esquecido. A falsa disputa entre PT, PP, PSDB, PMDB, PDT, PCdoB e DEM é apenas uma briga pelo controle do Estado burguês e de suas verbas, pois são exatamente estes partidos que aplicam o mesmo plano econômico e a mesma corrupção.

Nestas eleições, as candidaturas de Cícero Almeida (PP), Judson Cabral (PT) e Solange Jurema (PSDB) representam os mesmos interesses. Vão governar contra os trabalhadores e o povo pobre das periferias, em benefício dos empresários e usineiros de Alagoas.

Cícero Almeida governa com as mãos sujas de João Lyra. A construção de viadutos, homenageando os ricos, não resolveu o problema dos trabalhadores sem acesso à saúde, educação e saneamento. O compromisso de Cícero não é com o povo. É com o lucro dos empresários! A prova disso é que o atual prefeito acha melhor comprar remédios dos grandes laboratórios privados do que do Laboratório Industrial Farmacêutico de Alagoas (LIFAL), que produz 23 tipos de medicamentos por um preço bem menor. Sem falar dos três aumentos de passagem de ônibus.

O candidato do PT, Judson Cabral, se for eleito vai aplicar a mesma política do governo Lula, favorecendo empresários e banqueiros com milhões enquanto os trabalhadores seguirão com salários achatados e perdendo direitos. Judson não pode falar em honestidade e ética, porque representa o partido do mensalão.

Solange Jurema, do PSDB, dispensa até comentários. A candidata foi ministra no governo de Fernando Henrique Cardoso, aquele que chamou trabalhador de vagabundo e privatizou muitas estatais, como a antiga Vale do Rio Doce.

Diante disso, você pode perguntar: então o que se pode fazer em uma eleição? A verdade é que precisamos de uma mudança profunda em nossas vidas, que só virá com o socialismo. Não virá com as eleições. Mas não podemos deixar o povo ser enganado pelos representantes dos patrões. É preciso uma alternativa dos trabalhadores, uma alternativa socialista, que mostre durante a campanha eleitoral que só a luta pode mudar a vida. Só através de greves e mobilizações da classe trabalhadora é possível conquistar vitórias.

Uma candidatura comprometida com a luta dos trabalhadores e com o socialismo não dará a você “brindes”, nem dinheiro, nem cargos. Este é o tipo de campanha dos partidos que estão no poder: oferecem migalhas para que eles continuem mandando em tudo e roubando o povo. Uma campanha da classe trabalhadora é modesta e se orgulha disso, pois não tem o dinheiro dos patrões e da corrupção. Portanto, nestas eleições defenda uma candidatura operária e socialista! Diga não aos patrões! Vote no PSTU!