domingo, 30 de outubro de 2011

“Mandrake”

Por João Paulo da Silva

A gente sempre acha que já viu de tudo nessa vida. E é aí que mora o perigo. Na maioria das vezes, subestimamos a cota de bizarrices que cada um de nós possui. Certo professor de Língua Portuguesa, na tentativa de ganhar a simpatia de seus alunos, resolveu entrar numa popular brincadeira proposta pela turma da 6ª série. Se você foi uma criança normal, com certeza já brincou de “Mandrake”. Não lembra? É simples. Quem estiver brincando, precisa ficar o tempo todo com os dedos de uma das mãos cruzados. Do contrário, se alguém disser “Mandrake”, o participante que foi pego com os dedos descruzados não poderá se mexer até receber permissão.

Na ânsia de conseguir a confiança dos alunos, o professor entrou na brincadeira. Só teve um problema: ele levou tudo a sério demais. Dava aula com os dedos cruzados, escrevia no quadro com os dedos cruzados, corrigia as atividades da turma com os dedos cruzados. Tudo isso para não ser pego no “Mandrake”. Passou uma semana, e a brincadeira persistia. Nem ele nem os alunos se descuidavam.

domingo, 23 de outubro de 2011

Sobre cheiros, músicas e outras coisas

Por João Paulo da Silva

É engraçado como um sentimento nostálgico vai tomando conta da gente com o passar do tempo. À medida que nos afastamos do passado, começamos a sentir saudades de uma porção de coisas. Os amigos, o primeiro carrinho, a primeira namorada, os pais que se foram... Tudo. Tudo um dia faz falta.

As melhores definições sempre foram dadas pelos poetas. Mario Quintana definiu bem aquele aperto no peito que sentimos diante do passado: “A recordação é uma cadeira de balanço embalando sozinha”. A tecnologia nos permitiu registrar o tempo em pixels, mas não conseguiu evitar que ele nos escapasse por entre os dedos. Afinal, não podemos voltar.

domingo, 16 de outubro de 2011

Invenções

Por João Paulo da Silva

Fico intrigado com a engenhosidade humana quando observo tudo o que inventamos até hoje, seja para satisfazer as necessidades mais básicas ou mesmo as mais estapafúrdias. Incrível essa capacidade do homem de modificar o ambiente em benefício próprio, criando objetos que não existiam antes de precisarmos deles. E o mais curioso: depois dos muitos inventos e melhoramentos que fizemos em nosso planeta, a vida tornou-se praticamente impensável sem eles. Nos primórdios da humanidade, por exemplo, quando mal tínhamos descido das árvores e a sobrevivência era ainda mais difícil do que é hoje (mas pelo menos não havia imposto de renda), o homem das cavernas enfrentou sérias dificuldades para poder abrir um simples coco. Batia numa pedra ali, batia em outra acolá. E nada. Até que resolveu colocar seu cérebro primitivo para funcionar. Uniu um toco de madeira a um pedaço de pedra lascada, amarrou os dois com cipó e... “Voilà!”. Surgia o primeiro machado da História, e nunca mais tomar água de coco foi um martírio. Melhor do que o machado para abrir coco só mesmo o vendedor de água de coco. Facilitou ainda mais a vida. Mas o importante é que, depois de nossa primeira invenção, não paramos mais. A cada nova necessidade, uma nova criação. E estamos assim até hoje.

domingo, 9 de outubro de 2011

Por um sorvete

Por João Paulo da Silva

A hostilidade do mundo quase sempre nos obriga a viver numa sufocante solidão. Vivemos como a última gota de uma cachaça barata na garrafa de um Deus mendigo, onde constantemente nos encontramos perdidos e sós, mesmo cercados por algumas centenas de pessoas.

É com tristeza que percebo o quanto o homem se afasta de si mesmo, se distanciando da essência da condição humana, numa crise de identidade que o levará para o vácuo das gargantas dos próprios demônios. Dia desses, contra minha vontade, pude comprovar o que digo hoje.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Agora sim!

Por João Paulo da Silva

Dessa vez foi pra valer. Não houve engano. Sem essa de me confundirem com outro escritor. Eu fui eu mesmo de verdade, para mim e para os outros. Estava ficando famoso realmente. O prelúdio da fama havia chegado e ninguém poderia me roubar esse momento. Finalmente eu possuía mais leitores do que os habituais seis fãs que lêem as minhas crônicas periodicamente, contando já com meus pais e meus dois irmãos. De certa forma eu até desconfiava que o reconhecimento fosse só uma questão de tempo. O problema era a quantidade de tempo. Felizmente, o começo tímido do sucesso chegou antes da morte, o que já é um consolo. Graças a um projeto da professora Amanda Gurgel, fui chamado para um bate-papo sobre o “ofício do cronista” com alunos do ensino médio, numa das escolas onde a educadora mais famosa do país na atualidade leciona.