segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre direita, esquerda e bolinhas de papel

Por João Paulo da Silva

Nada me intriga mais do que constatar que, nas eleições, a direita desaparece. Durante a campanha eleitoral, pelo menos na aparência, ninguém é de direita. Todo mundo vira de esquerda, até mesmo a própria direita. Todo mundo tem história de vida bonita para mostrar, enfrentando a ditadura e liderando as lutas de estudantes e trabalhadores. Todo mundo é contra a fome, o desemprego, a desigualdade social, os baixos salários e a exploração. Todo mundo defende a educação e a saúde públicas, a construção de escolas e hospitais, o saneamento básico, a ampliação dos direitos sociais, a construção de moradias e a reforma agrária. Agora, claro, isso só durante as eleições. Depois, todo mundo volta a ser de direita. Afinal, não pega bem ser de esquerda a vida toda, como Lula e o PT demonstraram de maneira insofismável. Quer dizer, não pega bem só se você for um dos amigos de Wall Street.

Fazem de tudo para parecer de esquerda, para se parecer com o povo. Colocam crianças no colo, beijam recém-nascidos, abraçam pobres, muito embora essas não sejam tradições entre a esquerda. Em seus programas de TV, Dilma e Serra gostam de mostrar apenas os trabalhadores, apenas o povo que é “gentem como a gente”. Nas propagandas, aparecem sempre o João Pedreiro, a Maria Costureira, o Joaquim Operário, a Josefa Professora, a Beatriz Enfermeira e por aí vai. Em nenhum dos programas de Serra e Dilma os grandes empresários e banqueiros aparecem. O que é bastante curioso, já que foram exatamente estes senhores que mais lucraram e enriqueceram nos últimos dezesseis anos no Brasil. E não sou eu que digo isso, é o próprio presidente. Já imaginou o Eike Batista no programa da Dilma?! Ou o Olavo Setúbal Jr. pedindo voto para o Serra?! Não iria dar certo. Mas há uma explicação para o caso. Se depois das eleições pega mal ser de esquerda, muito pior é parecer de direita enquanto se pede o voto dos trabalhadores. Aí já viu, né?! Qualquer encenação vira ópera-bufa.

Minha vó era quem tinha razão: conhece-se alguém mais pelo que faz do que pelo que diz. E o que o PSDB e o PT fizeram nos últimos anos não tem nada a ver com a esquerda. Vejamos, por exemplo, uma das mais recentes polêmicas entre os dois candidatos neste segundo turno: a responsabilidade sobre as privatizações. Dilma acusa o governo de FHC e Serra de ter vendido as estatais brasileiras para empresas estrangeiras, o que de fato é verdade. Em contrapartida, Serra acusa o governo de Lula e Dilma de vender o pré-sal para estrangeiros, o que também é verdade. Tão estranho quanto ver o Serra denunciar privatizações é ver a Dilma escandalizada com o brechó que o PSDB fez no país. Ora, se o PT é realmente tão contra as privatizações, por que Lula não reestatizou as empresas vendidas por FHC?

Mas deixem eu me ocupar, por um instante, com as implicações do uso “violento” das bolinhas de papel, rolos de fita crepe e balões de água. Ao que tudo indica, estas são as mais novas armas de destruição em massa utilizadas na reta final da campanha. As primeiras foram confetes e serpentinas, já que a festa estava quase confirmada. Dilma não fez o mesmo escarcéu que o Serra, verdade seja dita, mas fez questão de frisar que por pouco não foi atingida por um poderosíssimo balão de água. Se fosse durante o carnaval, ela não teria reclamado. O PT não queria festa?! Então, nada melhor do que balões para começar a brincadeira. Porém, ver a histeria do Serra em relação ao ataque fulminante da bolinha de papel foi realmente impagável. Ainda que depois ele tenha sido atingido por um rolo de fita crepe, nada justifica o espetáculo dantesco do tucano com aquela história de tonturas e até tomografia. Quando não há diferenças no programa de governo, os candidatos apelam para todo tipo de circo, mas a verdade é que os palhaços são outros.

O episódio da bolinha de papel, do rolo de fita crepe e do balão de água só prova uma coisa: somos muito atrasados. No mundo mulçumano, eles atiram sapatos contra pessoas não muito queridas. Não com a mesma pontaria que nós, é verdade. Mas ainda assim são mais avançados. Convenhamos: bolinha de papel e balão de água é uma vergonha, gente. Sapato neles, pô!


Obs.: Por problemas técnicos, o blog As Crônicas do João só fez sua postagem hoje, e não no domingo como de costume.

domingo, 3 de outubro de 2010

O voto útil

Por João Paulo da Silva

Essa quem me contou foi um amigo. É sobre o peso de nossas decisões e as ironias da vida. Ou sobre a nossa consciência de classe.

Seu Zeca trabalhava há vários anos na companhia energética pública de seu Estado. Era esse trabalho que garantia o seu sustento e o de sua família. A estabilidade do serviço público lhe dava, inclusive, certa tranquilidade no ofício e a doce ilusão de ver afugentado o fantasma do desemprego. Seu Zeca sempre teve orgulho do seu trabalho porque através dele ajudava a iluminar as vidas de centenas de milhares de pessoas. Em sua inocência, até se arriscava a dizer que era feliz. Aí veio a eleição para governador do Estado. O ano era 1994.

Seu Zeca, assim como a maioria do povo, entendia que era preciso votar em quem tinha chances de ganhar. Não valia a pena escolher um candidato que mal aparecia nas pesquisas e que não conseguiria vencer a eleição. Era o mesmo que jogar o voto fora. Afinal, voto tinha que ser útil. Por isso, Seu Zeca não pensou duas vezes e optou pelo candidato que estava liderando as preferências, um legítimo cacique da política no Estado e um representante dos interesses de grandes empresários. Seu Zeca era um trabalhador, mas escolheu votar no patrão.

Entretanto, o funcionário da companhia energética poderia ter tomado outra decisão. Na rua em que ele morava, em um bairro popular da cidade, havia um trabalhador que também era candidato ao governo e que sempre falava coisas sobre a esquerda, o socialismo e a importância da classe trabalhadora governar. Mas este trabalhador/candidato não tinha dinheiro para gastar nas eleições e nem o mesmo tempo de TV dos outros. Por isso, aparecia sempre em último nas pesquisas.

- Pois é, Seu Zeca. Eleição não muda nada. Mas a gente também não pode votar nos candidatos daqueles que nos exploram, não é verdade? Trabalhador tem que votar em trabalhador pra fortalecer a nossa luta em defesa da nossa classe. Pra gente um dia poder governar e deixar de ser explorado. – dizia o candidato da esquerda.

- Mas eu não vou estragar o meu voto votando em quem não tem condições de se eleger, rapaz. Se tem dois candidatos na frente das pesquisas, eu tenho que escolher é um dos dois pra não perder meu voto! – afirmava o funcionário da companhia energética.

O trabalhador/candidato ainda tentou argumentar, mas Seu Zeca estava decidido. Iria mesmo votar naquele que estava liderando a campanha e que tinha condições de ganhar. E foi o que aconteceu. O candidato que representava os grandes empresários e que foi escolhido por Seu Zeca venceu as eleições para o governo do Estado.

- Tá vendo aí?! Meu candidato foi eleito, rapaz! E eu não perdi meu voto!

Depois de eleito, uma das primeiras medidas do novo governador foi privatizar a companhia energética pública, onde Seu Zeca trabalhava. Com a venda da estatal para um grupo de empresários, muitos trabalhadores foram demitidos para que os gastos da empresa reduzissem e os lucros aumentassem. Entre os dispensados, estava o Seu Zeca, que acabou, desgraçadamente, perdendo muito mais do que o voto.