Por João Paulo da Silva
Desde 1988, dona Marlene dos Santos acorda todos os dias às 5h30 da manhã. De estatura baixa, negra e com fortes marcas da ação do tempo no rosto, ela diz já estar acostumada a levantar cedo. Durante estes últimos 20 anos, não houve nenhuma grande mudança em sua vida. Seus dias de vendedora de macaxeira se repetem miseravelmente iguais, como uma espécie de condenação sem a qual seria impossível sobreviver. Aos 49 anos de idade, dona Marlene empurra seu carrinho de macaxeira até o início da Avenida Maceió, no Tabuleiro dos Martins. Há duas décadas, a Feirinha do Tabuleiro é o lugar onde ela encontra o sustento para não morrer de fome.
Desde 1988, dona Marlene dos Santos acorda todos os dias às 5h30 da manhã. De estatura baixa, negra e com fortes marcas da ação do tempo no rosto, ela diz já estar acostumada a levantar cedo. Durante estes últimos 20 anos, não houve nenhuma grande mudança em sua vida. Seus dias de vendedora de macaxeira se repetem miseravelmente iguais, como uma espécie de condenação sem a qual seria impossível sobreviver. Aos 49 anos de idade, dona Marlene empurra seu carrinho de macaxeira até o início da Avenida Maceió, no Tabuleiro dos Martins. Há duas décadas, a Feirinha do Tabuleiro é o lugar onde ela encontra o sustento para não morrer de fome.
Nascida em Pernambuco, ex-costureira e mãe solteira de duas filhas, Marlene vive hoje com um sobrinho numa casa simples, localizada algumas ruas depois do seu ponto de trabalho. Quando veio para Maceió, capital de Alagoas, a vendedora de macaxeira – que estudou só até a 2ª série do Ensino Fundamental – ainda tentou encontrar emprego. Mas, assim como milhões de outros brasileiros, não conseguiu. “Eu não tinha estudo. Não tinha leitura de nada. Por isso vim pra cá.”, ela explica. Semi-analfabeta, não encontrou outra maneira para sobreviver. Era a informalidade ou a fome e a miséria absoluta. Numa tarde de sexta-feira, num 4 de julho, dona Marlene, entre um freguês e outro, contou um pouco de sua vida. Na ocasião, usava uma blusa azul, uma saia verde e sandálias. No rosto, estava estampada a expressão daqueles para os quais o mundo nunca sorriu.
Marlene dos Santos chega à Feirinha do Tabuleiro todos os dias às 6h e só recolhe a mercadoria por volta das 19h30. Comprando o saco de macaxeira com 60 quilos por R$ 40,00, dona Marlene afirma que a melhor época para faturar é o verão. De domingo a domingo, vendendo o quilo do produto por R$ 1,00, a ex-costureira precisa trabalhar cerca de 14 horas por dia para que, no final do mês, possa apurar em média R$ 400,00. “A gente não tem outro meio de viver, não dá nem pra pagar os pregos da gente”, ela confessa. Dona Marlene é uma mulher que vive no século XXI, mas trabalha como um operário do século XIX. Ao voltar para casa, às 20h, ainda tem de enfrentar, depois de um cansativo dia de trabalho, os mortificantes serviços domésticos. Uma dura realidade de dupla jornada que não atinge apenas esta pernambucana, mas a vida de milhares de outras mulheres brasileiras.
Como se já não fossem muitas as adversidades do trabalho de dona Marlene, o juiz Emanuel Dórea notificou e estabeleceu um prazo para que a prefeitura transferisse a Feirinha do Tabuleiro para um terreno adquirido pelo município, localizado atrás de um supermercado da região. Em janeiro deste ano, a transferência foi concluída e dona Marlene, assim como os outros feirantes, teve uma diminuição nas suas vendas. “Nem trabalhar nas pistas a gente pode mais, porque eles não querem. Ficou muito ruim”, ela reclama. Mas mesmo com essa medida dona Marlene insiste: “Eu fico aqui, na beira da pista, de segunda a sexta. Só vou pro terreno da prefeitura no final de semana”, argumenta.
Talvez esta vendedora de macaxeira, negra e pobre desconheça o fato de que, diante do descaso de tantos governos, ela representa apenas mais um daqueles números que engrossam as estatísticas de desemprego. De acordo com um estudo divulgado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) no final do ano passado, observa-se que o desemprego é sistematicamente mais elevado entre a população negra, qualquer que seja o nível de escolaridade pesquisado. As taxas de desemprego entre os negros chegam a ser 46% mais altas que a dos brancos. Dona Marlene não é apenas uma vítima da falta de trabalho, tendo de recorrer à informalidade para se sustentar, ela é também uma vítima do racismo.
Com quase meio século de vida, Marlene já começa a sentir no corpo o peso de 20 anos de trabalho com a macaxeira. As mãos secas e calejadas retratam uma pessoa que não passou a vida contando dinheiro. Os fios de cabelo branco e o rosto fincado de rugas são reflexos de uma velhice que chegou antes do tempo. As enormes varizes que marcam suas pernas e as fortes dores de coluna mostram a imagem de um corpo necessitado de descanso. Descanso que, talvez, não venha em vida. Comentando as eleições municipais de outubro deste ano, dona Marlene demonstra não ter mais confiança. “A gente já foi enganado um bocado de tempo”, desabafa.
Dona Marlene dos Santos, vendedora de macaxeira na Feirinha do Tabuleiro, bem que poderia ser parte de um dos romances do escritor alagoano Graciliano Ramos. Uma daquelas personagens que observam o mundo pelos olhos murchos de uma vida seca. Sinhá Vitória, mulher do personagem Fabiano na obra Vidas Secas, possui um grande sonho: ter uma cama de lastro de couro, onde pudesse dormir como gente de verdade. Dona Marlene também possui um sonho. Perguntada sobre isso, ela confessou: “Meu sonho é um salão. Nunca fiz curso, mas tenho muita fé em fazer um. Queria ter um salão de cortar cabelo.”.
2 comentários:
A biografia menos lida e mais repetida. Quem dera Graciliano fosse best seller... e você fosse!
adorei a analogia..
saudades suas :********
É, acho que escolhi bem meu sucessor...
Belo texto.
Inté. Bjo.
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