
A discussão da obrigatoriedade do diploma não é recente, já tem um tempo. Entretanto, ganhou um importante destaque nos últimos anos, fazendo muita gente opinar sobre o assunto. Do meu canto, eu acompanhava todo tipo de argumento utilizado para defender o fim da obrigatoriedade.
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 17 de junho deste ano, motivada por uma ação protocolada pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo, veio coroar uma verdadeira rasteira nos trabalhadores da área.
O ponto chave da resolução é que agora as empresas têm o caminho livre para fazer o que quiserem. Isto significa, necessariamente, demitir e rebaixar salários sem ter que dar satisfações a ninguém, nem mesmo aos sindicatos. Tudo o que os patrões sempre desejaram. E, coincidentemente, o ataque ocorre durante a maior crise econômica desde 1929. Intrigante, não?
Para esconder os reais motivos da determinação e legitimar a trapaça, as empresas, o STF e uma porção de jornalistas picaretas inventaram todo tipo de argumento fajuto. O espertalhão do Gilmar Mendes, por exemplo, afirmou, assim como tantos outros, que a exigência do diploma era um obstáculo à liberdade de expressão. Eis aqui um aspecto curioso.
Aqueles que dizem que o diploma fere a liberdade de expressão deveriam, então, em primeiro lugar, enfrentar o capitalismo. Este, sim, impede os indivíduos de expressarem suas ideias em qualquer lugar. É preciso ser muito mau-caráter para afirmar que os jornalistas podem escrever o que bem entendem nos jornais.
O Cláudio Abramo tem uma frase interessante: “A liberdade de imprensa é a liberdade do dono do jornal”. É verdade. Não é a exigência do diploma que impossibilita alguém de escrever e expressar suas opiniões, e sim os interesses econômicos. É aquela velha história: negócios são negócios. Até há espaços nos jornais dedicados a pessoas que não são jornalistas, onde é possível escrever sobre o assunto de sua preferência. Desde que não fira os... bem, você sabe.
Pegando carona nos devaneios do Gilmar Mendes, o ministro Cezar Peluso alegou que o diploma em jornalismo não garante a eliminação do mau exercício da profissão, da deficiência de caráter e da falta de ética. Na hora pensei que ele estivesse brincando. Mas acho que alguém deveria ter perguntado ao ministro qual o curso que assegura toda essa moralidade no trabalho. Não conheço nenhum.
Me impressionou, também, o argumento de que nos EUA, na Alemanha e na França o diploma não é obrigatório. Sobre este ponto, direi apenas o que mamãe dizia quando queria me ensinar a pensar por minha própria cabeça. “Se alguém mandar você comer cocô, você vai comer, infeliz?!”.
Outra questão do debate, que cheguei a ouvir e ler em alguns lugares, é a seguinte: já que as escolas de jornalismo são ruins e não formam um profissional qualificado, então por que cargas d’água é preciso um diploma? Não há nenhum problema em discutir o nível dos cursos que formam um sem-número de jornalistas todos os anos. Mas este não é o X da questão. A culpa não é do diploma. No caso das universidades públicas, é do governo. Já nas privadas a culpa é do dono, que fez da educação um negócio.
Entretanto, talvez nada seja tão irritante quanto a ladainha que insiste em reduzir o jornalismo a um punhado de técnicas e a um amplo conhecimento geral. Basta escrever bem e ler bastante para ser um excelente jornalista. Isso, sim, é de um reducionismo vergonhoso. Golpe baixo.
Não tenho dúvidas de que o desenvolvimento dos meios técnicos, das forças produtivas e o aumento da complexidade social exigem do jornalista uma capacitação de nível superior. Assim como outras áreas do conhecimento humano, o jornalismo não é estático e necessita de um tratamento científico em sua elaboração. Ninguém vai à universidade só para aprender técnicas. Quem já foi a uma sabe do que estou falando.
Enfim, não há nada capaz de justificar a sentença do STF. A não ser, claro, os interesses escusos. A questão, aqui, não é de fetiche com o diploma, muito menos da vontade de colocá-lo numa moldura na parede. Trata-se “apenas” da defesa de uma categoria de trabalhadores e da sua qualidade de formação.