Natal é uma cidade surpreendente. Desde que cheguei aqui, já me deparei com várias situações inusitadas e muita coisa estranha. Mesmo já há algum tempo nas redondezas, ainda me intriga bastante o dialeto falado pelos potiguares. Aqui, por exemplo, descobri que o povo costuma chamar ânus de “lata de doce”. Nem me pergunte o motivo. Não faço a mais vaga ideia. Bom, mas não era exatamente sobre isso que eu ia falar. O fato é que, dia desses, me ocorreu um “causo” absurdamente insólito, daqueles que se não fosse eu que estivesse contando você poderia dizer que era mentira.
Foi numa manhã. Eu tinha ido à rodoviária comprar uma passagem para Maceió, iria passar alguns dias com a minha família, rever amigos, essas coisas. Assim que adentrei (sempre quis usar essa palavra) o espaço da rodoviária, vi se aproximar de mim, pelo canto do olho, um homem. Não era nem tão velho nem tão novo. Careca, meio encurvado, vermelho feito assadura de criança e vinha exibindo um sorriso banguela. Ele continuou se aproximando, estava bem vestido, e quando chegou mais perto disse:
- Hi. Excuse me, please.
Diante da minha perplexidade, ele se apressou:
- Oh, sorry. Do you speak english?
Ihh. O cara é gringo. – pensei. E era mesmo. Com sotaque perfeito e tudo. Para não passar vexame, tentei arranhar alguma coisa.
- Oh, no muito. More or less, entende? Meu inglês não ser very good. Você não speak minha língua?
Diante da minha perplexidade, ele se apressou:
- Oh, sorry. Do you speak english?
Ihh. O cara é gringo. – pensei. E era mesmo. Com sotaque perfeito e tudo. Para não passar vexame, tentei arranhar alguma coisa.
- Oh, no muito. More or less, entende? Meu inglês não ser very good. Você não speak minha língua?
Aí o cara começou a falar um português de gringo, todo enrolado, pra ver se eu entendia alguma coisa. É engraçado quando a gente não entende a língua do outro e começa a falar pausadamente, achando que assim vão entender o que estamos dizendo.
- Eu ser um turista inglês. Meu mala ser roubado em seu terra. – disse isso e me passou um pequeno papel, com um risinho meio constrangido.
- Eu ser um turista inglês. Meu mala ser roubado em seu terra. – disse isso e me passou um pequeno papel, com um risinho meio constrangido.
O bilhete estava escrito em bom português, dizendo que o gringo em questão havia sido roubado e precisava de R$ 2,00 para voltar ao hotel e pegar o resto de suas coisas. Pô, puta sacanagem hein?! Levaram tudo do cara. Fiquei com a maior pena e dei o dinheiro pro sujeito voltar.
- Não te preocupas, hermano. Mi casa, su casa, understand? – falei, já misturando os idiomas.
- Oh, thank you very much. – me disse ele, todo emocionado.
- Como? Very macho? Quem não é macho aqui, rapaz?!
Mas o pobre turista inglês se adiantou a corrigir o mal entendido.
- Eu querer dizer o-bri-ga-do.
- Ah, bom. Sendo assim, tudo bem. Não tem de quê.
E lá se foi o gringo.
- Oh, thank you very much. – me disse ele, todo emocionado.
- Como? Very macho? Quem não é macho aqui, rapaz?!
Mas o pobre turista inglês se adiantou a corrigir o mal entendido.
- Eu querer dizer o-bri-ga-do.
- Ah, bom. Sendo assim, tudo bem. Não tem de quê.
E lá se foi o gringo.
Fiquei pensando naquilo durante a semana inteira. Era impressionante como a violência estava crescendo. Não respeitavam nem mesmo os gringos banguelas, pô. Absurdo. Mas a surpresa, de verdade, a cidade de Natal guardou pra minha volta de Maceió.
Assim que desembarquei de volta da minha terra, na saída da rodoviária, avistei uma figura familiar. Vinha se aproximando como quem não quer nada. Quando chegou mais perto, pude reconhecer perfeitamente. Careca, vermelho, sorriso banguela etc. Não demorou muito para o homem falar comigo.
- Excuse me, please. Eu ser um turista inglês... – começou ele.
Na hora, fiquei furioso. Respondi na bucha:
- “Excuse me, please” é o cacete, rapaz!
Era o gringo da outra semana. Lá vinha ele com o mesmo bilhetinho e a historinha pilantra. Que ladrão safado! Tinha me dado um golpe com aquela conversa de turista inglês roubado. Fiquei muito puto. Inglês son of the bitch da peste.
- Tu é muito cara de pau “mermo”, né? Tu tá achando que a gente é trouxa?! Que é só chegar aqui falando inglês e passar a perna nos outros?! We have bananas, tá ligado?!
Na hora, fiquei furioso. Respondi na bucha:
- “Excuse me, please” é o cacete, rapaz!
Era o gringo da outra semana. Lá vinha ele com o mesmo bilhetinho e a historinha pilantra. Que ladrão safado! Tinha me dado um golpe com aquela conversa de turista inglês roubado. Fiquei muito puto. Inglês son of the bitch da peste.
- Tu é muito cara de pau “mermo”, né? Tu tá achando que a gente é trouxa?! Que é só chegar aqui falando inglês e passar a perna nos outros?! We have bananas, tá ligado?!
Aí parti pra cima do bandido pronto pra encher aquela cara vermelha de porrada. Quando peguei o cara pela gola, ele começou a berrar:
- I don't understand, sir! I don't understand, sir!
- Not understand uma ova, rapaz! Vou te mostrar uma língua que todo gringo safado entende.
- Help, help, help! – gritava o ladrão.
- I don't understand, sir! I don't understand, sir!
- Not understand uma ova, rapaz! Vou te mostrar uma língua que todo gringo safado entende.
- Help, help, help! – gritava o ladrão.
Começou a juntar gente pra ver que confusão era aquela. Ainda acertei duas mãozadas no pé do ouvido do salafrário antes de a multidão me segurar.
- É ele! É ele! Eu sei que é ele! Me roubou outro dia com essa conversa mole. – eu gritava desesperado.
Como as pessoas não me soltavam, o larápio do gringo acabou escapando. Mas eu continuava gritando, por entre os braços que me seguravam:
- Come back, seu ladrãozinho de merda! Come back! The book is on the table, rapaz! Fuck you! E mother fucker também! Tá pensando que é só assim?! Na minha terra é diferente, ouviu?! We have bananas, man! We have bananas!
Natal ainda vai me matar.
- É ele! É ele! Eu sei que é ele! Me roubou outro dia com essa conversa mole. – eu gritava desesperado.
Como as pessoas não me soltavam, o larápio do gringo acabou escapando. Mas eu continuava gritando, por entre os braços que me seguravam:
- Come back, seu ladrãozinho de merda! Come back! The book is on the table, rapaz! Fuck you! E mother fucker também! Tá pensando que é só assim?! Na minha terra é diferente, ouviu?! We have bananas, man! We have bananas!
Natal ainda vai me matar.
14 comentários:
Rapaz,
Mudando o que tem que ser mudado, já vivi uma situação praticamente idêntica, mas aqui no interior de Minas Gerais, a cerca de 20 anos atrás. Próximo de um hospital, um sujeito, vestido de operário da construção civil, me aborda, dizendo que tinha sofrido um acidente de trabalho, mas que havia "fugido" do hospital, pois a família dele não estava sabendo do ocorrido. Levou minha mão em sua cabeça e lá havia um grande galo. Pedia-me uma ajuda para pegar um táxi e comer um lanche. Táxi, questionei, já que eu só andava de busão! Na época, telefone não era como hoje, sequer os fixos. A maioria da população tinha apenas, quando este existia, um orelhão da esquina. Então, ainda um estudante, com coração um pouco mais solidário do que hoje, considerando o galo, o jaleco do sujeito e a inexistência de celulares, ajudei o pobre acidentado, dando-lhe não dinheiro, já que eu como todo estudante vivia quebrado, mas quatro vales-transportes (tinha apenas 10), um para ele tomar um busão. Fui embora. Cerca de dois meses depois, lá estou eu, desta vez aguardando o ônibus, próximo de um outro hospital, aqui de Uberaba, lá vem o moribundo com seu jalequinho com a mesma história. Aproveitei o movimento do FDP levando minha mão na deformidade de sua cabeça, para cobri-lhe, no alto dos meus 17/18 anos, de porrada. Gritou, em bom português, o desgraçado por socorro e logo o povão apartou e ele se foi, antes que uns políça que estavam por perto chegar para me dar a maior dura (só não fui preso pois ainda era menor). Desde então, raramente dou esmolas, principalmente para estes que contam historietas. Mas agora tô aqui pensando: será que meu golpista tomou tanta grana de nós mineiros, ao ponto de juntar grana para apreender inglês e ir de táxi para Natal! We have safados, reflexo direto da pilantragem da política nacional! abraços e desculpe o tamanho do post.
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
que história de pescador, joão! deixa da tua mentira! :P
daninha, mentira ou não, o fato é
que eu dei boas risadas. carequinha danado esse viu...
Ótimo texto João.
Mas isso é ficção né? Porque o João que eu conheço é aquele lá da gráfica à noite, quando fomos abordados pro um pedinte magricela, doidão, louco por crack, que queria exatamente R$ 0,75. E a reação do João que conheço foi abrir a carteira, passar o rapa e depois me dizer sem nenhuma cerimônia: "é melhor dar na boa, do que dar na faca." ha ha ha. Pô João, o cara não tinha condições de dar nem um empurrão n´a gente. Sem falar na saída do Bardallo´s quando o "flanelinha" veio pra cima da gente todo doidão também, querendo, por certo, algum extra, por um serviço inexistente ou incompleto, e quando eu e Cherliton fomos pra cima dele, pra tirar satisfação e, aí sim, dar-lhe um sarrafo, tu intervéns: "entrem no carro, deixa isso pra lá".
Bom, como tudo indica que a estória da rodoviária é ficção, fica aqui meus parabéns por mais um ótimo texto. Abração!
ahahaha ficou muito bom isso aí hein, haha eu ri demais,Beijos.
Eu comecei rindo com a história ,pois quem não passou um perengue desses, de ter que improvisar um idioma de gringo.
Agora a história se repetir desse jeito é meio esquezido ,porém pode ser verdade ,ate por que se for mentira é duas ,pois o Adriano contou uma bem parecida ai no primeiro comentário.
Mas falando nesses larapios ,eles são cara de pau mesmo em? Que nem lembra da cara do sujeito que deu o golpe antes .Um cara pode ser enganado uma vez, mais duas só um trouxa mesmo.
ABS!
We have bananas é tudo, hahaha!!!!
Gostei! Linkarei seu blog lá no meu (no nosso, faço com duas amigas).
Beijos,
Isabela - A Divorciada
PS: Também sou alagoana e jornalista.
Eu ri e num foi pouco não!
kkkkkkkkkkkk
kkkkkkkkkkkkkkkkkk... rapá, vc ainda vai me matar de rir!
mt engraçada essa, estou quase tendo um enfarte! kkkkkkkkkk!
vc eh "felomenal"!
grande abraço, meu irmão!
we have bananas! kkkkkkkkkkkk
Joãozinho, o texto ficou ótimo. Mas assim como Bruno dou um dedo meu se isso for verdade. O João que eu conheço morreria de rir de ter sido enganado, ao invés de partir para a porrada! Tá feita a aposta! Beijos e parabéns pelo texto, ficou excelente.
heheheheheheheheheheheheh
além do texto ser muito bom, achei graça mesmo foi desta parte "chamar ânus de “lata de doce”. Nem me pergunte o motivo. Não faço a mais vaga ideia. "
Caro, João Paulo.
Já te disseram o quanto é talentoso? Pois bem, és um cronista do nosso tempo, o talento ferve aqui com a literatura conceitual, gostei do tom do blog - a forma como se expressa cativa.
Já sou novo seguidor/leitor seu! um abraço cultural!
Fazia tanto tempo que eu não passava aqui pra ler suas crônicas, que eu tinha esquecido como era bom.
Não farei mais esse sacrilégio de não acompanhar um dos maiores cronistas desse país.
Ei, você já pensou em lançar um livro reunindo as melhores?
Abração!
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