Por João Paulo da Silva

I
Eram 18 horas. Eu voltava pra casa tranquilo. Quando subia a ladeira da Catedral de Maceió, fui abordado por dois sujeitos. Um baixinho e um magricela.
- E aí, bicho? Me arranja um dinheiro aí pra eu comer qualquer coisa. – falou o baixinho, tentando a via pacífica.
- Pô. Você me pegou num dia ruim. Tô sem nenhum. – respondi.
- Que mané “tô sem nenhum”, rapá! Passa logo pra cá o celular que tá no teu bolso. Se não passar, te dou uma facada! – falou o magricela, bem menos diplomático.
Era a primeira vez que eu estava sendo assaltado. Tentei manter a calma, mas confesso que quase me borrei todo.
- Calma aí, amigo. Vamos conversar. Essa não é a melhor maneira de resolver os problemas. – falei sentindo um nó nas tripas.
- Olha, é só você entregar o celular e nós te deixamos em paz. – argumentou o baixinho, visivelmente um sujeito com muito mais tato pra essas coisas. Simpatizei logo com ele.
- Pô, cara. Meu celular não. Te dou todo o dinheiro que tenho na carteira. Mas o celular não. Preciso dele pra trabalhar. – menti.
Os dois hesitaram. O magricela resolveu:
- Tá, tá, tá! Me dá logo esse dinheiro antes que eu te fure todo.
Mal sustentando as pernas, abri a carteira e entreguei os únicos R$ 5,00 que eu tinha.
- Que porra é essa, malandro?! Tá querendo me enrolar?! – disse o magricela.
- É tudo que tenho.
- Toma essa bosta de volta! Num quero não! Que que vou fazer cum cinco conto, rapá?! Passa logo o celular senão te encho de bala!
- Bala? Não era uma facada? – perguntei, meio sem entender.
Os dois trocaram olhares confusos.
- É... que... ahhh... bom, era uma facada. Mas agora vai ser uma bala. Mudança de planos, sabe? – adiantou-se a explicar o baixinho.
- É isso mesmo. Mudança de planos. Agora passa o celular, os cinco conto e esse tênis aí. – ordenou o magricela.
- Que porra é essa, malandro?! Tá querendo me enrolar?! – disse o magricela.
- É tudo que tenho.
- Toma essa bosta de volta! Num quero não! Que que vou fazer cum cinco conto, rapá?! Passa logo o celular senão te encho de bala!
- Bala? Não era uma facada? – perguntei, meio sem entender.
Os dois trocaram olhares confusos.
- É... que... ahhh... bom, era uma facada. Mas agora vai ser uma bala. Mudança de planos, sabe? – adiantou-se a explicar o baixinho.
- É isso mesmo. Mudança de planos. Agora passa o celular, os cinco conto e esse tênis aí. – ordenou o magricela.
Não me contive.
- Ah, não! Assim não! – disse eu, já invocado e resolvido a me espalhar – Agora não vão levar mais nada não! Tão pensando o quê?! Não é assim não, cara! Ou uma coisa ou outra! Palhaçada!
Às vezes a pessoa tem que se impor. Continuei:
- Eu tô na mesma situação que vocês! Não podem levar minhas coisas. – menti de novo, dessa vez descaradamente. – Por que não vão roubar o Renan, o Lula e o Zé Dirceu?! Garanto que vocês terão cem anos de perdão.
- Ah, não! Assim não! – disse eu, já invocado e resolvido a me espalhar – Agora não vão levar mais nada não! Tão pensando o quê?! Não é assim não, cara! Ou uma coisa ou outra! Palhaçada!
Às vezes a pessoa tem que se impor. Continuei:
- Eu tô na mesma situação que vocês! Não podem levar minhas coisas. – menti de novo, dessa vez descaradamente. – Por que não vão roubar o Renan, o Lula e o Zé Dirceu?! Garanto que vocês terão cem anos de perdão.
Nesse instante, para meu alívio (nunca pensei que fosse dizer isso!), apareceu no topo da ladeira um policial. O militar perguntou:
- O que tá acontecendo aí?
- Né nada não! Né nada não! – gritaram os assaltantes.
- É sim, seu guarda! É sim! É um assalto! – disse eu desesperado.
O baixinho e o magricela puseram-se a correr, desaparecendo numa esquina.
Voltei pra casa com todos os meus pertences. Mas voltei com a moral burguesa ofendida. Esta experiência mostrou-se bastante reveladora para mim. É praticamente uma tragicomédia perceber a quantidade de mentira e descaramento que cada um de nós carrega ao longo da vida. Hoje, analisando minha reação durante o assalto, não consigo me olhar no espelho e não ver o FHC.
Sou um canalha.
II
Essa aconteceu com um ex-cunhado. Mesmo com sua vasta experiência em ser assaltado (umas dez vezes, eu acho), flagrou-se outra vez diante do nosso Frankenstein social. Já era tarde da noite. Ele voltava da escola apressado, e as ruas do centro da cidade estavam vazias.
O sujeito caminhava em sua direção, vindo da outra extremidade da rua. Meu ex-cunhado já sabia o que estava pra acontecer.
- Muito bem. Isso é um assalto! – disse o sujeito com uma arma apontada na direção da vítima.
- Ok. Estou acostumado. O que vai ser essa noite? – quis saber o assaltado.
- Passa logo a bolsa!
- Calma aí. Não é assim. Vamos negociar. Pra que você quer minha bolsa? Ela só tem livros. Pra que você vai querer meus livros?
- O que tá acontecendo aí?
- Né nada não! Né nada não! – gritaram os assaltantes.
- É sim, seu guarda! É sim! É um assalto! – disse eu desesperado.
O baixinho e o magricela puseram-se a correr, desaparecendo numa esquina.
Voltei pra casa com todos os meus pertences. Mas voltei com a moral burguesa ofendida. Esta experiência mostrou-se bastante reveladora para mim. É praticamente uma tragicomédia perceber a quantidade de mentira e descaramento que cada um de nós carrega ao longo da vida. Hoje, analisando minha reação durante o assalto, não consigo me olhar no espelho e não ver o FHC.
Sou um canalha.
II
Essa aconteceu com um ex-cunhado. Mesmo com sua vasta experiência em ser assaltado (umas dez vezes, eu acho), flagrou-se outra vez diante do nosso Frankenstein social. Já era tarde da noite. Ele voltava da escola apressado, e as ruas do centro da cidade estavam vazias.
O sujeito caminhava em sua direção, vindo da outra extremidade da rua. Meu ex-cunhado já sabia o que estava pra acontecer.
- Muito bem. Isso é um assalto! – disse o sujeito com uma arma apontada na direção da vítima.
- Ok. Estou acostumado. O que vai ser essa noite? – quis saber o assaltado.
- Passa logo a bolsa!
- Calma aí. Não é assim. Vamos negociar. Pra que você quer minha bolsa? Ela só tem livros. Pra que você vai querer meus livros?
O assaltante ficou pensativo. Concluiu:
- Tá. Beleza então. Não levo a bolsa. Mas me dá a carteira.
- Não. Também não é assim. Vamos negociar. Pra que você quer minha carteira? Só tem meus documentos. Pra que você quer meus documentos?
Nova reflexão do bandido, desta vez mais profunda.
- Olha, tudo bem. Não vou levar a carteira. Mas me passa pelo menos o dinheiro que está na carteira, né?
- Agora sim. Agora estamos começando a nos entender. Veja, tudo bem que nos assaltem. Mas que tenham o mínimo de critério. Você não acha?
- Tá. Beleza então. Não levo a bolsa. Mas me dá a carteira.
- Não. Também não é assim. Vamos negociar. Pra que você quer minha carteira? Só tem meus documentos. Pra que você quer meus documentos?
Nova reflexão do bandido, desta vez mais profunda.
- Olha, tudo bem. Não vou levar a carteira. Mas me passa pelo menos o dinheiro que está na carteira, né?
- Agora sim. Agora estamos começando a nos entender. Veja, tudo bem que nos assaltem. Mas que tenham o mínimo de critério. Você não acha?
Meu ex-cunhado tinha R$ 20,00 na carteira. Tirou apenas dez.
- Ah, não! Que que isso, maluco?! Tá querendo me passar a perna?! Deixa de doidice e me passa os outros dez que eu já vi daqui! Nada de trapacear. Fair play, brother. Fair play.
- Tá. Tá bom. Foi mal. – disse o ex-cunhado, entregando os outros dez.
- Ah, não! Que que isso, maluco?! Tá querendo me passar a perna?! Deixa de doidice e me passa os outros dez que eu já vi daqui! Nada de trapacear. Fair play, brother. Fair play.
- Tá. Tá bom. Foi mal. – disse o ex-cunhado, entregando os outros dez.
Eu ia terminar o texto aqui. Mas preciso fazer uma reflexão. Só pra constar.
Olha, tenho certeza de que a situação não pode ficar pior. Chegamos ao ponto mais alto da civilização. Já estamos criando regras para o “bom” funcionamento da barbárie. O fair play da barbárie. De fato evoluímos. Não somos mais a sociedade de consumo, nem a sociedade da informação. Somos mesmo é a sociedade do vexame. Vou escrever uma tese sobre isso. Ah, vou!
Olha, tenho certeza de que a situação não pode ficar pior. Chegamos ao ponto mais alto da civilização. Já estamos criando regras para o “bom” funcionamento da barbárie. O fair play da barbárie. De fato evoluímos. Não somos mais a sociedade de consumo, nem a sociedade da informação. Somos mesmo é a sociedade do vexame. Vou escrever uma tese sobre isso. Ah, vou!