Mesmo depois de seu fim, a primeira Copa do Mundo de futebol realizada no continente negro ainda será assunto durante algum tempo. Mais pelas contradições do que pelos acertos e pelo espetáculo. Foi uma Copa ímpar, uma Copa dos paradoxos. Gerou-se muita expectativa em tudo. Na seleção brasileira e na sua imbatível superioridade, como de costume, mesmo com o Dunga; no belo futebol e nos gols espetaculares de craques mundiais; nos jogos emocionantes e disputadíssimos; no desenvolvimento econômico que o maior evento esportivo do mundo traria para a África do Sul. Desgraçadamente, nada disso foi visto. Um tolo engano, como uma profecia de araque. A Copa da África do Sul só não foi pior por causa do polvo vidente, das peripécias do Maradona à beira do gramado e da musa paraguaia Larissa Riquelme. O resto, futebolisticamente falando, foi lamentável.
Dunga e seu esquema tático burocrático conseguiram anular o talento dos craques brasileiros. Isso quando os próprios “craques” não se anulavam sozinhos. Muitas vezes parecia que a seleção mandava ofícios aos adversários solicitando permissão para atacar. Não fomos desclassificados pela Holanda porque esta era superior ao Brasil. Só caímos porque não voltamos para o segundo tempo contra os mecânicos holandeses. Dunga esqueceu-se de dizer aos seus meninos que no futebol joga-se, no mínimo, dois tempos de 45 minutos. E o pior de tudo (incompreensível, meu Deus do céu!): o que fazia o Felipe Melo naquela Copa?
Foi uma das copas mais chatas de se ver, na qual os pernas-de-pau da competição acharam logo um bode expiatório: a pobre da Jabulani. Quer dizer, também foi uma Copa desonesta. Quem não sabe jogar sempre põe a culpa na bola. A baixa média de gols não foi o resultado da existência de defesas intransponíveis. Mas da falta de talento, aliada ao futebol de resultado (salvo raras exceções). Grandes seleções, como Itália e Inglaterra, foram precocemente mandadas para casa, contrariando todas as previsões. Foi uma Copa tão incomum que a única seleção a não ser derrotada foi a Nova Zelândia, que nem sabe direito o que é futebol. Só tiro o meu chapéu para Gana e Uruguai. Pela força e habilidade. Sobre a final, não poderíamos esperar outra coisa. Mero reflexo do nível do mundial.
Entretanto, nada chamou mais minha atenção do que a bola nas costas que a África do Sul levou. O país da Copa esperava ver os craques, as jogadas, os gols. Enfim, a Copa. Mas não viu. Pior: para que a competição fosse possível, nos moldes da FIFA e dos grandes investidores, muitos sul-africanos precisaram perder suas casas. As famílias que viviam no local onde hoje é o Soccer City foram empurradas para barracos de zinco. Elas não viram a Copa. Os operários que ergueram os templos do futebol, ganhando pouco mais de R$ 1,00 por hora, também não viram o espetáculo. Os meninos pobres de Soweto, que sonham todos os dias em serem como os craques brasileiros, não chegaram nem perto. As pessoas que assistiram aos jogos dentro dos estádios eram, majoritariamente, brancas. O Apartheid acabou, mas a realidade de “cada macaco no seu galho” ainda permanece.
Propositalmente, a imprensa mundial relativizou a situação dos sul-africanos. “Tudo bem que vocês tenham recordes de aidéticos e de miseráveis, mas vocês têm a Copa! Sorriam!” Esse era o espírito.
Entretanto, a Copa do Mundo, que é o maior evento do mais popular esporte do planeta, não pôde ser vista pelo povo sul-africano. Se a FIFA, o governo e os empresários farão com o Brasil em 2014 o mesmo que fizeram com África do Sul, então devemos reivindicar pelo menos a construção de um grande estádio de futebol no lugar do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. É só uma sugestão.
Um comentário:
Caraca, joão! Posso dizer que esse é o melhor texto que já li, seu. A copa foi um desastre. E, enquanto tentanvam salvar essa festa toda, os políticos se aproveitavam, para roubar ainda mais, pelas costas dessa galera alienada. Até o jornalismo esportivo, que eu gosto muito, foi pra baixo com essa copa. Eu não aguentava mais. O único show que vi, realmente, foi o do Maradona, você tem razão... Adorei a sugestão do final. Por mim, fazemos um abaixo assinado com a galerinha brasileira... E vamos destruir essa merda!!!
Abraço! Ótimo texto!! Parabéns!
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