segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Estado mínimo e Estado máximo

Por João Paulo da Silva

Nos anos 70, crescia e ganhava força a ideia de que o Estado deveria se desocupar de suas responsabilidades sociais e da prestação de serviços públicos gratuitos, como saúde e educação. Na época, diante de uma crise econômica profunda, os donos da “bufunfa” disseram que era preciso desinchar a máquina estatal e inchar os seus próprios bolsos. Sem essa de assistência social, investimentos em áreas não rentáveis e interferência do Estado nos negócios. A palavra-chave era liberdade. Mas para o mercado, não para as pessoas. Para fazer a economia voltar a crescer, era preciso reinventar o espírito de Robin Hood, só que às avessas: tirando dos pobres para dar aos ricos. Aí o FMI, o Banco Mundial e os governos se encarregaram do serviço. Privatizações e pagamentos regulares de juros de uma dívida impagável a banqueiros inauguraram o neoliberalismo e a conversa mole do Estado mínimo.

O Rio de Janeiro talvez seja um dos mais trágicos exemplos das consequências neoliberais do capitalismo, o que se confunde com o próprio conceito de capitalismo. A guerra nos morros cariocas é o reflexo manchando de sangue do encontro entre dois tipos de Estado. O Estado mínimo da assistência e o Estado máximo da violência. Só os responsáveis diretos pelos problemas sociais acreditam que a criminalidade é apenas um caso de polícia e que pode ser resolvida com a política do “mandar bala”. Lula e Sérgio Cabral estão combatendo o que eles e os governos anteriores mesmos criaram. A criminalidade não surge através de geração espontânea, assim como também ninguém nasce bandido, nem assaltante dá em árvore. A vida real não se movimenta pelo maniqueísmo barato dos filmes de ação e gibis de super-heróis, como gosta de fazer parecer a cobertura da imprensa. Nossos problemas vão além do bem e do mal, além da divisão entre mocinhos e vilões. A questão, na verdade, é de classe; de classes sociais, de quem tem acesso e de quem não tem acesso.

Se a repressão policial fosse a solução, o Brasil já seria pelo menos a Noruega. Afinal, as invasões policiais nos bolsões de miséria não podem ser contadas nos dedos, a não ser que você seja uma centopéia. Quando o assunto é garantir o atendimento às necessidades básicas do povo, como saúde, educação, emprego e moradia, o Estado se torna mínimo. Desaparece por completo, ao melhor estilo de “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. Entretanto, quando a conversa é reprimir aqueles que foram empurrados para os braços do narcotráfico e da violência, aí o Estado é máximo. Aí tem Bope, Exército, Marinha, Aeronáutica e até Tropas Estelares. Aí vale revistar todo mundo, roubar trabalhador e atirar no primeiro preto pobre que correr.

Enquanto a única coisa que subir o morro for o fuzil, não haverá ponto final nessa história. Apenas cenas dos próximos capítulos.

3 comentários:

Eraldo Paulino disse...

O mais engraçado é a completa falta de explicações que a midia deixa de dar cinicamente. Mostram armas de uso exclusivo das forças armadas, mas não questionam como foram parar lá; mostram o morro, mas não contam porque as pessoas foram morar lá, mostram as pessoas com ar de felicidade, mas não perguntam porque estão agindo só agora, próximo às olimpiadas as forças "pacificadoras" e porque as milicias não são combatidas.

Vão invadir os quarteis e as secretarias de estado também pra prender quem municiou o poder paralelo? Talvez quando fizer frio no inferno.

Ótima crônica, João, como sempre.

Ábia Marpin disse...

Fiquei de alma lavada!

Tava sem palavras para este circo que nossos colegas jornalistas estavam fazendo, este texto serviu de desabafo!

Abraço!

Anônimo disse...

Joao,

Sua cronica grita pela justica social que deixamos de ver em nosso sistema politico solido e fundado em pura corrupcao, em uma politica vagua, obscura, desinformada, e no minimo injusta.

Parabens. Irei acompanhar as suas cronicas.

Cristina