domingo, 7 de agosto de 2011

Arte? Eu hein!

Por João Paulo da Silva

Depois de muita insistência, resolvi aceitar o convite de minha irmã para ver um festival de performances artísticas, realizado por jovens atores de vários estados do Nordeste brasileiro. Segundo ela, seria algo bem underground e experimental, algo que exploraria o íntimo e as sensações corpóreas dos presentes. Na hora, pensei: “Isso só pode ter safadeza no meio. Que negócio é esse de explorar o íntimo do corpo dos outros, rapaz?!”. Prometi a minha irmã que só daria uma olhada no dia em que ela fosse se apresentar, pois estava curioso para vê-la atuando depois que iniciou o curso de teatro. O festival durou toda uma semana, e minha resistência em ver as outras apresentações era fruto exatamente dos relatos que recebi sobre as primeiras performances.


Logo no início, minha irmã contou que assistiu a duas atuações, no mínimo, grotescas. Uma delas se resumia a ficar olhando um gordão nu, ajoelhado com a bunda para cima, exibindo todo o seu “íntimo”. Já a outra era mais sofisticada. Numa sala, uma mulher magricela e, obviamente pelada, passeava entre o público, tocando as partes íntimas dos presentes e perguntando: “Isso te excita?”. Aí eu não contei conversa, meu amigo. Disse na lata para minha irmã: “Olha só, eu vou. Mas se tiver gordão pelado e pessoas tocando nas coisas dos outros, eu chamo a polícia! Tá me entendendo?!”.

Dito e feito. Quer dizer, quase. Não chamei a polícia, claro. Era só um blefe para ver se minha irmã me poupava de assistir às performances dos outros. Não funcionou. Como eu temia, teve gente pelada e esquisita, fazendo coisas fora de hora e em público. Quem? Quem? Quem? Ele mesmo. O gordão insano. Foi dele a primeira performance que assisti assim que cheguei ao local do festival. Me arrependi imediatamente de ter ido. Pior: me arrependi amargamente ter pago ingresso para ver o que vi logo no início. No centro de um amplo salão, o “performer” gordo colocou um espelho. Em seguida, abaixou as calças na altura da bunda e passou a depilar a própria região pélvica com um barbeador.

- Essa é minha performance. Vocês vão ficar aí, vendo eu me depilar. Vendo minha atividade íntima. Na verdade, não é minha. Porque esse aqui não sou eu. Esse é o meu outro eu. Porque eu mesmo não me depilo. Então, quem está aqui não sou eu, é o outro. – explicava o gordão enquanto raspava os próprios pêlos.

Eu achava que nada poderia ser pior do que aquilo, mas acabei vendo uma cena inacreditável. O gordo continuava se depilando, quando alguém da platéia pediu para ajudar a depilar o sujeito. E ele deixou, meu Deus! Aí o que já era bizarro ficou ainda mais grotesco. O gordão em pé, com os braços para cima, e o outro maluco agachado, raspando suas adiposidades íntimas. Virei para minha irmã e disse:
- Vou deixar você escolher. Quer me deixar ir embora ou quer que eu chame a polícia?
- Você não vai ver minha apresentação?! É muito importante pra mim.
- Por favor, me diga que ela é a próxima.

Não, não era. Iria demorar. Graças a meu coração mole e fraternal, fui obrigado a esperar a vez de minha irmã. Enquanto isso, continuei assistindo a inovadoras e experimentais performances artísticas. Depois do gordo depilador, veio o homem farinha de trigo. E a pergunta que eu mais me fazia interiormente era: “Minha nossa, o que é que eu estou fazendo aqui?”. O sujeito chegou mudo e saiu calado. Todo vestido de branco, sentou no chão e colocou uma caixinha de papelão ao lado. De dentro dela, ele retirou um pratinho, uma garrafa de água e saquinho de farinha de trigo. Aí teve início a palhaçada. Após misturar todos os ingredientes na vasilha, o sujeito começou a cobrir o rosto com a pasta branca. Cobriu tudo mesmo, formando uma máscara de farinha de trigo em torno da cabeça. Em seguida, levantou, pôs uma coleira com duas guias e saiu pedindo para que a platéia o puxasse. Do meu canto, eu não pensava em outra coisa a não ser no tempo e nos R$ 5 que gastei para ver aquilo.

Até chegar a hora da apresentação de minha irmã, fiquei perambulando pelo lugar, assistindo a todo tipo de esquizofrenia, camuflada de arte. Uma das últimas que vi foi a de um cara com uma caixa de papelão na cabeça, de onde saiam vários tubos amarelos que serviam para o público soprar e fazer diversos ruídos. Tudo isso com o sujeito andando pelo salão, e o povo atrás aplaudindo. O evento era bem mais do que underground. Estava cheio de gente estranha, que fazia coisas estranhas, tudo sem pé nem cabeça. A todo instante, me vinha a ideia de que eu poderia estar no meio de um filme de terror e que a qualquer momento alguém surgiria com uma serra elétrica, querendo fazer uma performance também.

Não é porque é minha irmã não, mas a performance dela junto com mais quatro amigas foi a mais, digamos, sensata. As cinco entraram se arrastando pelo chão e dizendo frases típicas de relacionamentos amorosos clichês. No centro da sala, um coração de pano que logo passou a ser disputado por elas quase às tapas. A apresentação deve ter durado uns intermináveis quinze minutos, mas foi única que eu entendi. A mensagem era algo sobre como nós nos arrastamos e brigamos pelo coração dos outros e coisa e tal. Bom, eu acho que era isso.

Antes de ir embora (óbvio que não fiquei até o final), minha irmã ainda me chamou para ver uma exposição de fotos logo na entrada do local. Achei que isso talvez pudesse salvar o festival. Que nada. As fotos eram horríveis, todas borradas, mostrando bocas, mãos e olhos tremidos. Pior foi a resposta de minha irmã quando perguntei:
- E agora? Pode me dizer o que significa isso?
- Pô, cara, então... isso é uma coisa louca que vem de dentro, saca?
- Ah, faça-me o favor, né! Coisa louca que vem de dentro pra mim é flatulência!

Sobre coisas desse tipo, diz a mãe de Zeca Baleiro na música Bienal: “Meu filho, isso é mais estranho que o cu da jia e muito mais feio que um hipopótamo insone”.

Assino embaixo com CPF e RG.

8 comentários:

Bruno Martins disse...

Nunca tive oportunidade de ir para algo desse gênero. Acho que ia ter reações muito similares às suas, João. O texto é ótimo, divertidíssimo.

Pedro Rodolpho disse...

Mermão, deve ter sido muito engraçado isso tudo! Eu penso que cada vez mais a "arte" é uma coisa subjetiva e muitas vezes tosca! Acho que quem depilou o gordo foi vc, cabeça! rsrsrs

Os Anos que vivemos cantando Rock disse...

João, adorei a crônica (havia tempo não entrava no seu blog), desculpa, só achei desnecesária a citação do Zeca Baleiro no final, até porque você é muito mais inteligente do que ele... Abraço!

Anônimo disse...

AAAAAAAAAAAH! MALDITO! HSUWHSHUASHUWASUAWSUHA'
Assuma q você curtiu outras performances, velho? ASSUMA!
E eu não falei esse troço que vem de dentro, não! HSUHWASHUHAWSUHAWUHSAWSH'

Allan Nogueira disse...

E ai, cara, tudo bem? Onde foi que aconteceu esse lance?

Eu faria umas ressalvas em relação ao que você escreveu. Começo dizendo, porém, que é provável que eu também achasse bem desagradável ver um gordo se depilando, ou algo do tipo. Mas a questão é: a arte tem que ser sempre agradável?

Mesmo as formas de expressão artísticas mais tradicionais não são sempre agradáveis. Pode ser desagradável e bom. Pode ser agradável e ruim. Pode ser agradável e bom. Pode ser desagradável e ruim. Acho que você enquadra a do gordo na última classificação, não é?

Quer dizer, às vezes a gente acha que chamar algo de 'arte' é necessariamente dizer: isso é bom. Não é! A perfórmance do gordo, ou do cara da farinha, etc., pode ser vista como arte - aliás, desmerecê-lo apenas porque não gostamos é algo medíocre -, mas que não se enquadra em formatos tradicionais. No entanto, isso não significa que a gente não possa criticar ou que sejamos obrigados a gostar.

Lembrando que na década de 20 do século passado, no Brasil, aquela galera também chocou a sociedade (a sociedade paulistana, que cultuava as 'belas artes', tomava café e viajava para a Europa nas férias - e que a maioria dos criticados até fazia parte). Acusaram os modernistas de não fazerem arte, mas não conseguiram impedir as rupturas que eles propuseram. Antes deles, àquelas que chamam de 'vanguardas européias'... e antes delas, por séculos, e também depois, sempre rola algo aqui e alí que destoa, que não se conforma com o mais do mesmo. Acho saudável. O gordo fez o lance dele. Se vai durar, se será tendência, se cairá em esquecimento etc., o tempo dirá, outros artistas dirão, a crítica ajudará a decidir.

Outra questão importante que você citou: "foi a única que entendi", "passa uma mensagem". Acho que a arte não tem a obrigação de passar mensagens. E acho, também, que tem muita coisa bacana sendo feita que faz experiência mais direta com os elementos que compôem o que se diz ser a forma. Acho, inclusive, que é possível ser militante (no sentido de ser revolucionário, socialista mesmo) trabalhando apenas a forma. Se dizer que "sem teoria revolucionária não há revolução", onde estaria o erro em dizer que "sem forma revolucionária não há arte revolucionária"?

No fim das contas, o que quero dizer é o seguinte: assim como não podemos simplesmente banalizar e concordar com a tal frase que diz que 'tudo é arte', acho complicado continuarmos produzindo sempre as mesmas coisas. Como socialistas, temos que fazer algumas auto-críticas. Até que ponto também estamos sendo, ou não, conservadores? Acho que determinadas posturas contradizem, inclusive, uma máxima marxiana famosa, que diz que 'tudo que é sólido se desmancha no ar'.

Abraços!

Não sei bem... disse...

Estou de volta ... Gostei... mas acho que eu ia curtir esse show bizarro... sorriso ...

Anônimo disse...

Só podia ter sido a Camila mesmo hahaha

Anônimo disse...

Só podia ter sido a Camila mesmo hahaha