domingo, 12 de fevereiro de 2012

O charlatão

Por João Paulo da Silva

Tenho uma admiração especial pela charlatanice. Calma. Não me interpretem mal. É a técnica que me atrai. Uma espécie de teoria popular do fingimento, da artimanha. Quando bem dominada e desenvolvida, a charlatanice é capaz, inclusive, de produzir um certo glamour. Dependendo, claro, de quem a emprega. Acho até – de verdade mesmo – que ela deveria ser considerada uma arte. Não deve ser nada fácil dominar o método da enganação. O sujeito precisa ter desenvoltura, ser escorregadio, habilidoso e saber a hora exata de fingir. É uma atividade que exige muito sangue frio. Além disso, um bom charlatão deve passar confiança. A charlatanice não é para qualquer um.

Poeta ranzinza, músico e eterno estudante de Letras, o amigo Luis Rosas vez por outra ataca de professor de Literatura Brasileira. Em geral, quando a grana está mais curta do que pente de carrapato. E é justamente ao se aventurar na história de nossa ficção que ele demonstra todo o seu talento para a charlatanice. Em certa ocasião, tive a oportunidade de assistir a uma de suas aulas. A recordação sempre me emociona. É o tipo de coisa que não se vê todo dia.

Do lado de fora da sala de aula, eu acompanhava a destreza do professor charlatão.
- Bom, turma, naturalmente vocês sabem que o Quinhentismo Brasileiro também é conhecido como a Literatura dos Viajantes. – dizia ele – Isso porque os primeiros escritos da época foram feitos por cronistas vindos nas caravelas, lá de Portugal, que aportaram por aqui. E o principal deles, é claro, chamava-se Pero Vaz de Caminha. O mesmo que escreveu o primeiro relato sobre as terras recém-descobertas. A famosa carta sobre o descobrimento do Brasil.

Tudo parecia correr com tranquilidade. Sem sobressaltos. Foi quando veio a pergunta:
- Professor – falou um dos alunos – além de Pero Vaz de Caminha, quais eram os nomes dos outros cronistas?

Fora da sala de aula, eu pensava: “Pronto. Agora ele se ferrou. Certeza como essa ele não sabe.”. Mas um charlatão é sempre um charlatão.
- Veja bem, sua pergunta é muito interessante. Me faz lembrar de algumas coisas engraçadas desse período, algumas curiosidades. O principal cronista foi o Pero Vaz de Caminha, mas, o que poucos sabem, é que naquela época praticamente todo mundo se chamava Pero. Era Pero Disso, Pero Daquilo, Pero No Mucho e por aí vai. Era tudo Pero. Entretanto, o que o aluno precisa realmente saber é o seguinte: teve Pero é do Quinhentismo.

Até hoje não consigo segurar as lágrimas. De riso.

2 comentários:

Bruno Martins disse...

Mas que professor sacana, hehehehe. Não mentirei que confome lia o texto, tentava lembrar de algum dos outros além do Pero Vaz de Caminha e só vinha à cabeça o bendito nome Pero que os rapazes compartilhavam. Pero = Quinhentismo parece um daqueles bizus tão famosos em revisões para vestibular.

Lee disse...

Pero Vaz de Caminha

Pero Vaz de Caminha (1450?-1500) era o escrivão da esquadra de Pedro Álvares Cabral e o autor da "certidão de nascimento" do Brasil. Em 1499 Caminha foi nomeado escrivão da feitoria que Cabral fundaria nas Índias. Quando Cabral chegou "acidentalmente" no Brasil, foi Caminha que escreveu ao rei de Portugal relatando a "descoberta". Do Brasil Caminha partiu para a Índia, onde morreu no final do mesmo ano nas lutas entre portugueses e muçulmanos. A Carta de Caminha ficou inédita por cerca de 300 anos, mas quando foi publicada, em 1817, ajudou a esclarecer várias questões sobre o descobrimento.

"Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz! " Carta de Caminha

Pero de Magalhães Gândavo

Pero de Magalhães Gândavo ( ? - 1576?) foi um cronista que escreveu dois livros sobre o Brasil, sendo sua obra uma das melhores da Literatura de Informação. Professor de Latim, amigo de Camões (a quem dedicou uma de suas obras) e gramático, viveu algum tempo no Brasil e sobre o país escreveu Tratado da Terra do Brasil e História da Província Santa Cruz. Neles descreve a Geografia e a História das capitanias que visitou.

"Quezera escrever mais miudamente das particularidades desta província do Brasil, mas porque satisfizesse a todos com brevidade guardei-me de ser comprido; posto que os louvores da terra pedissem outro livro mais copioso e de maior volume, onde se compreendessem por extenso as excelências e diversidades das cousas que ha nella pera remédio e proveito dos homens que la forem viver." Tratado da Terra do Brasil

"A causa principal que me obrigou a lançar mão da presente historia, e sair com ella a luz, foi por não haver atégora pessoa quea emprendesse, havendo já setenta e tantos annos que esta Provincia he descoberta. A qual historia creio que mais esteve sepultada em tanto silencio, pelo pouco caso que os portuguezes fizerão sempre da mesma provincia, que por faltarem na terra pessoas de engenho, e curiosas que per melhor estillo, e mais copiosamente que eu a escrevessem." História da Província Santa Cruz