domingo, 11 de novembro de 2007

Um pesadelo monetário

Por João Paulo da Silva

Há tempos a vida vem me apresentando figuras memoráveis. Pessoas que estão guardadas no âmbito das minhas melhores lembranças. Algumas delas dotadas de características extremamente peculiares. Merece destaque aqui um professor de Português. Homem de feições irreverentes, olhos alegres, pele morena, ventre levemente roliço e dono de uma barbicha suspeita. Flávio Vitor tornou-se um estimado professor graças ao seu inovador e divertido método de ensino. É o sujeito mais pitoresco que já conheci. No mês passado, um amigo noticiou-me um triste incidente. Contou-me ele que o contagiante professor Flávio havia sofrido um infarto. Perguntei com bastante pesar como ocorrera esse desastroso acontecimento. Meu informante me confidenciou, em detalhes, toda a história.

Era uma quente manhã de sábado e o professor relaxava em sua casa. O telefone tocou.
- Alô?
- Professor Flávio Vitor?
- Ele mesmo.
- Meu nome é Vilma Albuquerque. Minha filha precisa urgentemente de uma aula particular de gramática. Fiquei sabendo que o senhor é o melhor no faz. Será que o senhor poderia ajudar?
- Acho que sim. Mas vou logo avisando que meu preço é um pouco salgado.
- Não importa o valor. Eu pago qualquer preço.
O professor anotou o endereço e dirigiu-se ao local. Era um desses condomínios de gente rica, completamente fechado e com um rigoroso sistema de segurança. Flávio identificou-se na portaria.
- Sou o professor Flávio Vitor. Fui chamado para dar uma aula. Minha cliente é a senhora Vilma Albuquerque.
O segurança verificou uma lista e depois liberou a entrada. Flávio encaminhou-se até a casa de sua cliente. Parou diante da porta. Estava espantado com a grandiosidade do casarão. Normalmente ele cobra vinte reais por uma hora de aula, mas naquela situação resolveu que deveria “extorquir” mais alguns trocados. Ele nunca escondeu de ninguém seu apego compulsivo pelo dinheiro. Tocou a campainha e esperou. Um mordomo abriu a porta e o levou por um longo corredor até uma sala espaçosa, onde se encontrava a dona da casa. A ricaça falou:
- Bom dia, professor. Já pode começar sua aula. Minha filha o espera na sala ao lado.
- Bom, eu só queria lembrar que meu preço é muito... – a ricaça interrompeu. – Já disse que o valor não é problema. Depois acertamos.
A aula transcorreu naturalmente. A menina conseguiu assimilar muito bem a matéria e ficou satisfeita. Flávio estava ansioso por receber seu pagamento. Dona Vilma perguntou-lhe o valor:
- Quanto foi?
O professor vomitou o preço.
- São cem reais.
Dona Vilma não hesitou. Retirou de sua bolsa duas notas de cinqüenta e as entregou ao professor. Flávio sentiu um ardoroso arrepio percorrer-lhe o corpo e com um sorriso de orelha a orelha, ele disse:
- Obrigado. Muito obrigado.
Vilma ordenou ao motorista que levasse o professor em casa. Ele estava radiante de felicidade e foi logo contando a novidade para a mulher:
- Querida, ganhei cem reais com uma única aula!
Passou-se uma semana. Flávio descansava na tranqüilidade do lar quando o telefone tocou.
- Alô?
- Professor Flávio?
- Ele mesmo.
- Sou eu, Vilma Albuquerque.
- Olá, Dona Vilma. Algum problema?
- Não, não, não. Estou ligando pra lhe agradecer. Minha filha obteve melhoras bastante significativas nas notas do colégio. O senhor é bom mesmo, hein!
- Ora, muito obrigado.
- Olha, se o senhor tivesse cobrado duzentos reais, eu teria pago.
- O quê?! – assustou-se Flávio.
- Isso mesmo. Se o senhor tivesse cobrado, eu teria pago bem mais. Muito mais.
O professor sentiu uma pontada violenta no lado esquerdo do peito, a vista escureceu, as pernas enfraqueceram e ele caiu. Rolou no chão agonizante, a respiração lhe vinha difícil. Finalmente apagou.
Foi internado às pressas pela mulher. O médico diagnosticou infarto do miocárdio. Fato estranho para um homem tão jovem e sem antecedentes. Graças a Deus o professor foi socorrido a tempo e o pior não aconteceu. Passou alguns dias sob cuidados médicos antes de receber alta.
Eu nunca pensei que acontecimentos como esse pudessem ocorrer com pessoas tão próximas. Há dois dias encontrei a esposa de meu querido amigo na rua. Perguntei como andava a saúde do professor Flávio, e ela me respondeu com um vago otimismo:
- Fisicamente ele está bem, mas o choque foi muito forte e abalou as estruturas psicológicas.
- Como assim?
- Nossa vida não é mais a mesma. Ele culpa-se constantemente por não ter arrancado mais dinheiro daquela ricaça. Anda assustado pelas ruas e ultimamente vem tendo uns pesadelos delirantes.
- Que tipos de pesadelos?
- Ele conta que nos sonhos é arduamente perseguido por duas notas de cinqüenta reais.

4 comentários:

@_CarlosTavares disse...

auHUAHUAHuAHuAHuHAua

Anônimo disse...

hauieiauh
gostei!
bjos

Lari disse...

uhm... e a moral da história? =|

Anônimo disse...

Oi João Paulo!
Tomei a liberdade de 'surrupiar' sua ilustração...vc mesmo que fez? queria saber pra poder dar o crédito...valeu! A propósito, poderia ter usado? ;-D