domingo, 14 de dezembro de 2008

Cenas da crise

Por João Paulo da Silva

O Luis e o Elias tinham acabado de receber seus salários. Aí o Luis notou o Elias todo murchinho, meio pra baixo.
- O que foi Elias? Algum problema?
- Luis, me responde uma coisa.
- Claro. Pode falar.
- O teu salário dá pra satisfazer todas as tuas necessidades?
- Mas é claro, Elias.
- Eu não acredito nisso. Não é possível. Como é que você consegue?
- Muito simples, Luis. Eu satisfaço uma necessidade a cada mês. Num mês eu compro comida. No outro eu pago o aluguel. Aí no seguinte eu nem compro comida e nem pago o aluguel. Gasto com médico e remédios. Porque a essa altura já fiquei doente. Você achava que eu satisfazia todas no mesmo mês?
- Era.
- Como você é ingênuo, Elias.

******
Era final de tarde. Em pé no ônibus, eu voltava pra casa. Numa das paradas do coletivo, subiu um moleque com uma caixinha de chicletes.
- Boa tarde, pessoal! Desculpe estar interrompendo a viagem de todos vocês. – começou ele, com aquele discurso já conhecido dos passageiros – Estou aqui vendendo esses deliciosos chicletes para comprar comida para os meus irmãos, pessoal. Um pacote é R$ 0,50. Dois é R$ 1,00. Três eu troco por um vale-transporte, pessoal. Aqueles que puderem me ajudar eu agradeço. Aqueles que não puderem eu agradeço da mesma forma. Fiquem com Deus e tenham todos uma boa viagem, pessoal.
Antes mesmo de a crise econômica estourar, cenas como essa já eram bastante comuns. E tendiam a se multiplicar. Mas, naquela tarde, aconteceu algo que eu nunca tinha visto. Era algo novo.

Assim que terminou seu discurso, o garoto saiu oferecendo os chicletes entre os passageiros. Uma senhora comprou um pacote.
- Obrigado. – respondeu o moleque.
Alguns minutos depois, a mulher começou a gritar:
- Ei menino! Esse chiclete tá vencido! Tá fora da validade! Me dê meu dinheiro de volta! Ei menino!
Mas já era tarde. O garoto tinha decido no ponto anterior.
- Que peste! Me vendeu o chiclete vencido! – resmungava a senhora.
Um homem da cadeira de trás tentou amenizar a situação.
- O que não mata engorda, dona. Pior é na guerra.

Ou na crise. – pensei.

******
Quando a Maria chegou em casa, o Gilmar estava na mesa com lápis e papel na mão.
- Tá fazendo o quê, Gil?
- Contas, mulher. Contas.
O Gilmar ganha um salário mínimo. E isso, por si só, já é motivo pra entrar em depressão. Mas o desespero maior do Gil era ver seu minúsculo ordenado encolher ainda mais com o novo aumento dos alimentos.
- A comida subiu outra vez, Maria. Só a cesta básica leva quase metade do dinheiro.
Silêncio.
- Maria, sabe aquele “sifu” que o Lula disse?
- O que que tem?
- Era pra gente.

2 comentários:

Mário Júnior disse...

Não está parecendo (pra falar sério: não é!) uma crônica. Está parecendo aquelas piadas de coluna de jornal impresso...

Tudo bem que são sobre a crise, mas são apenas piadas. E a melhor coisa do post foi a charge!

Salomão Miranda disse...

Humor ácido e difícil de engolir esse seu viu João? Só não sente isso que não se preocupa com o outro necessitado, como uma senhora daqui de Maceió, que, dia desses, soube que ela disse que o salário dela de juíza não dava nem pra fazer a feira.

Então 415 reais é dez centavos pra essa moça né, ou um centavo?