domingo, 15 de março de 2009

No meio da massa

Por João Paulo da Silva

Agora, distante quase um mês do carnaval que vivi este ano em Pernambuco, posso relatar, sem os exageros eufóricos do momento, as experiências daqueles dias de “chuva, suor e cerveja”.

Recife é uma cidade apaixonante (onde estará, meu Deus, a doce Colombina que deixei por lá?). É claro que não está imune aos problemas existentes na maioria das cidades, porém há alguma coisa de beleza em suas ruas e lugares. Algo que contagia, que se pega no ar. Pontes, mangues, rios, bares, edifícios históricos. É, sem sombra de dúvidas, um pólo multicultural. Tenho a impressão de que daqui pra frente todos os caminhos me levarão ao Recife. Foi lá que encontrei meu “Marco Zero”. Maceió que me perdoe, mas Recife é fundamental.

Cheguei à cidade para passar o carnaval, e não fosse pela necessidade de voltar para trabalhar eu teria ficado e fincado raízes. Até pensei em montar uma barraca e viver da caridade alheia, mas, por ainda me restar um fio de racionalidade, desisti. Mesmo assim, após o anúncio das cinzas da folia, decidi ficar na “Veneza Brasileira” por mais três dias. Quase telefono para meu chefe dizendo que um grupo de pernambucanos havia me seqüestrado e que só me libertariam depois do carnaval de 2012.

Foi a minha primeira vez, confesso. E – dizem por aí – a primeira vez a gente nunca esquece. Por duas razões: ou foi muito boa ou muito ruim. Mas minha estréia foi atípica. Ainda não encontrei palavras para classificá-la. Só posso dizer que a festa despertou em mim coisas inomináveis, o que – talvez – já ajude um pouco. Nos palcos montados no Recife Antigo, assisti a shows de Lenine, Nação Zumbi e Cordel do Fogo Encantado. Mas quando vi, no Marco Zero, Miúcha cantar Noite dos Mascarados, todos os pêlos do meu corpo (e eles não são poucos) imediatamente se arrepiaram, numa espécie de delírio apoteótico.

Durante minha temporada em Pernambuco, passei também por Olinda e suas ladeiras de ruas estreitas. Como não sei dançar, digo que me mexi ao som do frevo e bebi cerveja nos aconchegantes bares do Recife Antigo. Entretanto, nenhuma cerveja foi melhor do que a que tomei num boteco conhecido como Bar do Reggae. Às margens do Capibaribe, gente pobre e alegre bebia sem grandes preocupações. Na ocasião, um gari bêbado sentenciou: “Hoje eu só chego em casa com a cueca pelo avesso. Aliás, vou chegar é todo pelo avesso”. Algo impagável.

Bom, guardei na melhor parte do meu coração aquilo que me pareceu ser o mais importante do carnaval do Recife. Posso dizer – convicto até os ossos – que o Galo da Madrugada foi a mais densa e profunda experiência sociológica que já vivi. Considerado o maior bloco de carnaval do mundo, o Galo arrastou esse ano mais de 2 milhões de pessoas pelas ruas do centro da capital pernambucana. Eu era uma delas. Havia mais gente no Galo do que normalmente há no próprio Recife.

Minha primeira constatação a respeito do bloco é a de que nele não existem leis da física. Sabe aquela história de “dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço”? Esqueça! Não há como andar. O que existe, na verdade, é uma força (vinda sabe-se lá de onde) que empurra todo mundo para frente no encalço dos trios.

No Galo, não há indivíduos. Só a massa. Você é a massa e a massa é você. O esfrega-esfrega é geral, mas ninguém grita “assédio, assédio!”. Enquanto o Galo está nas ruas, das 10h até as 18h, fica a impressão de que, pelo menos naquele dia, não há classes sociais e todos são livres. Contudo, é só impressão. Basta olhar para baixo e perceber crianças, velhos e adultos catando latinhas de cerveja vazias. Nem na festa a labuta pode parar.

De qualquer forma, o Galo da Madrugada é a maior festa popular que já vi. É como se fosse um espelho de todos nós. É lá que o povo encontra a si mesmo. Entre as figuras escalafobéticas que encontrei no bloco, estava o sobrenatural Michael Jackson. Acompanhado por dois seguranças e bem mais escurinho (talvez devido ao sol do Recife), ele acenava sorridente para os fãs. Outra cena impagável.

Um dos momentos de maior tensão foi a passagem pela Rua da Concórdia, a via mais estreita do trajeto. Eu não sei exatamente o que aconteceu porque na hora fechei os olhos. Para mim, ainda permanece um mistério como aquele mundo de gente conseguiu passar por uma pequena brecha. Místicos e cientistas precisam explicar o fenômeno.

Por fim, saí do Galo sem minhas pernas, meus ouvidos e carregando uma dúvida na cabeça. No meio da massa, senti alguém passar a mão na minha bunda. Mas foi uma passada daquelas com gosto mesmo. Se o gesto foi motivado por razões sexuais ou interesses financeiros, eu nunca saberei. Taí, mais um mistério do carnaval do Recife. No ano que vem, estarei novamente no meio da massa. Desta vez, podendo cantar de verdade: “Voltei, Recife! Foi a saudade que me trouxe pelo braço...”.

10 comentários:

Anderson Santos disse...

Muito bom o seu texto!

Quanto à passada na bunda. Vc estava com carteira ou algo assim? Porque aí daria para saber se foi por motivos financeiros. huahuahuahua.

Igor Bayma disse...

Tô falannndooo!!

Bruno MGR disse...

Belo texto, como sempre!
Parabéns por fazer alguém que não gosta muito da folia do Carnaval ter ficado com uma baita vontade de passar em Recife (minha cidade natal, inclusive) um ano próximo.
Abraço!

pedro disse...

Cara de urso, ficou arretado!!!!!!!
Ano q vem eu vou com vc, claro, teremos q dar akele velho jeitinho!!! kkkkk...
Como sempre, João e suas piadinhas...vai dizer q vc não curtiu a passada d mão na bunda?!!!
KKKKKKKKKKKKK..
Abração, meu brow!!!

leoo disse...

"É de fazer chorar...

Quando o dia amanhece e obriga o frevo a acabar

Oh, Quarta-feira ingrata, chega tão de pressa, só pra contrariar!"

FOI BOM!

Estêvão dos Anjos disse...

Assim como você eu não resisti ao carnaval de Recife e voltei esse ano. Apesar de ser alagoano digo que Alagoas não está nem perto de ter uma manifestação cultural tão autêntica e de qualidade quant aos festejos do carnaval de Recife, um modelo a ser seguido. Gostei muito da escreita que possibilita, em alguns trechos, interpretar que o carnaval é muito bom mas que, assim como tantos outros, a violência está presente. Belo texto, creio que você deveria enviar para algum meio de comunicaçao de lá para publicação.

Os Anos que vivemos cantando Rock disse...

João, legal demais o texto sobre o Galo, cara, nunca fui ao Carnaval de Recife, aliás, Carnaval eu comecei a curtir cobrindo as escolas de samba de São Paulo nos anos 1990 (sou jornalista, editor da revista Urupema), e hoje em dia, nessa época do ano, dou os meus pulos e tomo umas brejas em Porto Calvo, q é onde moro a maior parte do tempo... Mas no próximo ano tb vou a Recife, rs, bem, falando com a Ábia a respeito de poetas pra um encontro no restaurante Mandala, nessa próxima sexta-feira (dia 20), ela me falou de vc, será q rola? Topa declamar (ou narrar) umas coisas? Acho q ela também vai, quer dizer, tô vendo se vai dar pé, uma coisa pra acontecer todo mês... Ligo pra vc depois do almoço,
abraço, Jorge Barboza

Fabiano disse...

Pow... deu até saudades de recife heim mano, tem trÊs anos que por diversas razões eu não passo o carnaval por lá...

LOL

Os Anos que vivemos cantando Rock disse...

Oi João, também gostei muito do seu blog, vou ler as outras crônicas. Tô atualizando o meu, botando foto, novos fragmentos etc. Eu tô com o seu tel., ligo daqui a pouco, blz? Mas tô achando q tá muito em cima, e tem um outro pessoal, Vinícius, Damodara, Cauê, q topam fazer na semana q vem, vamos botar todo mundo na roda?
A gente se fala, bro, abração,
Jorge

Salomão Miranda disse...

Caro João, imagine como eu me sinto então? Sendo pernambucano e estando distante de minha terra?!

De fato, todo o Estado de Pernambuco tem algo de magia em sua cultura. É diversificada e valorizada. Não da forma justa, mas é bem mais valorizada do que a cultura alagoana.