Por João Paulo da Silva
A infância é um dos territórios da vida que mais gosto de revisitar. É para lá que vou quando momentos ruins me assaltam. As lembranças da época me proporcionam intervalos na loucura desse obscuro mundo de “cimento e lágrimas”. Os amigos, as pequenas paixões, os medos imensuráveis, as brincadeiras da escola. Tudo isso ressurge para que eu possa reviver e reinventar cada um daqueles longínquos instantes.

Por vezes, me pego relembrando brincadeiras da infância. Em especial, uma: a adedonha. Aquela em que os participantes escolhiam algumas categorias (nome, cantor, fruta etc), sorteavam uma letra e se danavam a preencher a considerável lista no menor tempo possível. Ao final, quem somasse mais pontos era o vencedor. É claro que de geração para geração há umas tantas variações para a brincadeira. No meu tempo, por exemplo, gostávamos mesmo era de escolher punições para os perdedores. E isso me lembra uma história. Na época, nem éramos tão crianças assim. Já tínhamos 12 anos ou mais até.
Os pais da Luana não estavam em casa e ela resolveu chamar a turma para brincar. Na verdade, a turma era composta por mim, pelo Tadeu, pelo Lucas e pela própria Luana. Era um seleto grupo de amigos, quase uma sociedade secreta.
- E aí? Do que é que a gente vai brincar? – eu quis saber.
- De adedonha, claro. – adiantou-se a Luana.
- Ah, não. De novo não, Luana. Toda vez a gente brinca disso. Vamos de esconde-esconde? – disse o Lucas.
- Pra você ficar preso outra vez no guarda-roupa?! De jeito nenhum. Vai ser adedonha e pronto. – sentenciou a dona da casa.
- Por mim tudo bem. – concordou o Tadeu.
- Por mim também. – disse eu.
- E aí? Do que é que a gente vai brincar? – eu quis saber.
- De adedonha, claro. – adiantou-se a Luana.
- Ah, não. De novo não, Luana. Toda vez a gente brinca disso. Vamos de esconde-esconde? – disse o Lucas.
- Pra você ficar preso outra vez no guarda-roupa?! De jeito nenhum. Vai ser adedonha e pronto. – sentenciou a dona da casa.
- Por mim tudo bem. – concordou o Tadeu.
- Por mim também. – disse eu.
Esmagado pela maioria, o Lucas acabou cedendo. Nem adiantava reclamar muito. Democracia era democracia.
- Mas desta vez vamos fazer diferente. Ao invés de vários temas, a gente escolhe um só, sorteia uma letra e vai dando os exemplos até se esgotarem todos os nomes. Quem não souber dizer a palavra leva uma punição. – propôs a Luana.
- Mas desta vez vamos fazer diferente. Ao invés de vários temas, a gente escolhe um só, sorteia uma letra e vai dando os exemplos até se esgotarem todos os nomes. Quem não souber dizer a palavra leva uma punição. – propôs a Luana.
Todo mundo topou. Quando já íamos começar a brincadeira, o Lucas atentou para um importante detalhe.
- Ei, qual vai ser a punição? Ninguém pensou em nada.
- Ei, qual vai ser a punição? Ninguém pensou em nada.
Era verdade. Tínhamos esquecido o essencial. Por um breve momento, ficamos todos em silêncio, pensativos. O Lucas até sugeriu apostar dinheiro, mas ninguém deu ouvidos a tamanho disparate. Como nesta vida o vazio não existe por muito tempo, a Luana acabou encontrando a solução.
- Já sei! – gritou ela.
- Ai meu Deus. Lá vem. – resmungou o Lucas.
- Vamos fazer assim: em cada rodada, aquele que perder vai tirando uma peça de roupa.
- Já sei! – gritou ela.
- Ai meu Deus. Lá vem. – resmungou o Lucas.
- Vamos fazer assim: em cada rodada, aquele que perder vai tirando uma peça de roupa.
Ficou todo mundo se olhando esquisito, meio sem jeito, com cara de banana. Exceto a dona da proposta, claro. A Luana pegava pesado. A garota não era apenas os pés do cão; era o corpo inteiro. Naquele instante, eu senti que estávamos prestes a cruzar a linha que separa a infância da adolescência.
- Como é?! Vocês vão ou não vão, seus molengas?! – atacou a Luana.
- Como é?! Vocês vão ou não vão, seus molengas?! – atacou a Luana.
A gente nem teve tempo de refletir direito sobre o caso.
- Tá legal. Eu topo. – falei.
- Certo. Também vou. – aceitou o Lucas.
Só quem ficou hesitante foi o Tadeu, soltando um e outro muxoxo.
- Sabe o que é, pessoal... é que... eu... não sei se...
- Ah! Cala essa boca e vem logo brincar!
- Tá legal. Eu topo. – falei.
- Certo. Também vou. – aceitou o Lucas.
Só quem ficou hesitante foi o Tadeu, soltando um e outro muxoxo.
- Sabe o que é, pessoal... é que... eu... não sei se...
- Ah! Cala essa boca e vem logo brincar!
Era impressionante o talento de estadista da Luana para resolver os impasses. Todo intimidado, o Tadeu acabou entrando na brincadeira, mas ficou um tempão com cara de quem esconde alguma coisa.
Enfim, começou a adedonha. E já no início perdi minha camisa. Duas rodadas depois, lá se foram meus tênis e meias. Sobrou apenas a calça. Me atrapalhei na fruta com “f” e quase fico sem nada. Entretanto, consegui uma rápida estabilização nas rodadas seguintes.
O certo é que, à medida que o jogo avançava, todo mundo ia tirando uma peça de roupa. Não demorou muito para que o Lucas ficasse de cueca e a Luana de calcinha e sutiã. De calças, restávamos apenas eu e o Tadeu. E do jeito que caminhavam as coisas, logo não haveria mais nada para tirar. Era uma conjuntura que, a depender do ponto de vista, poderia ser boa ou não.
Entretanto, um acontecimento inesperado fez tudo mudar de figura. Estávamos na rodada do animal com a letra “h”. Uma categoria dificílima.
- Hiena! – falou a Luana.
- Hipopótamo! – gritou o Lucas.
Parecia não haver mais nomes, e eu não podia perder aquela rodada. Foi quando, diante do desespero, me veio um lampejo na cabeça.
- Harpia! – gritei.
- Uhuuuuuu!!! Se ferrou, Tadeu. Não tem mais animal com a letra “h”. Vai ter que ficar só de cueca. – disse o Lucas.
Foi aquele fuzuê. Com o terror no rosto, o Tadeu vacilava em tirar as calças. Mordendo os lábios de medo, ele ficou um tempo enrolando, naquele “tira-não-tira”. Até que a Luana entrou em ação.
- Tira logo isso, Tadeu! Que besteira ficar de cueca!
Mas o que se seguiu depois não foi nenhuma besteira. Presenciamos uma cena inimaginável. O que o Tadeu tinha por baixo das calças podia ser qualquer coisa, menos uma cueca.
- Meu Deus! O que é isso?! Que coisa horrorosa é essa, Tadeu?! – se desesperou a Luana.
- Olha só o tamanho disso! Será que é normal? – disse o Lucas.
- Caramba! Isso até parece uma... – quando eu ia falar, a Luana me interrompeu.
- Chega! Acabou a brincadeira! Não quero mais brincar!
- Por que, Luana? – perguntou o Tadeu, cheio de lágrimas nos olhos.
- E você ainda pergunta?! A gente vai ter pesadelos com isso, Tadeu! Ninguém vai conseguir brincar olhando pra essa coisa aí! – argumentou a dona da casa.
- Eu também não brinco mais. – decidiu o Lucas.
- E eu também tô fora. Deus me livre. – falei
- Tira logo isso, Tadeu! Que besteira ficar de cueca!
Mas o que se seguiu depois não foi nenhuma besteira. Presenciamos uma cena inimaginável. O que o Tadeu tinha por baixo das calças podia ser qualquer coisa, menos uma cueca.
- Meu Deus! O que é isso?! Que coisa horrorosa é essa, Tadeu?! – se desesperou a Luana.
- Olha só o tamanho disso! Será que é normal? – disse o Lucas.
- Caramba! Isso até parece uma... – quando eu ia falar, a Luana me interrompeu.
- Chega! Acabou a brincadeira! Não quero mais brincar!
- Por que, Luana? – perguntou o Tadeu, cheio de lágrimas nos olhos.
- E você ainda pergunta?! A gente vai ter pesadelos com isso, Tadeu! Ninguém vai conseguir brincar olhando pra essa coisa aí! – argumentou a dona da casa.
- Eu também não brinco mais. – decidiu o Lucas.
- E eu também tô fora. Deus me livre. – falei
Acabamos com a adedonha antes do fim e nunca mais falamos no assunto. Hoje, muito tempo depois, eu ainda fico pensando no incidente. Pobre do Tadeu. A coisa nem era tão grande assim.