segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Uma guerra silenciosa

Por João Paulo da Silva

Talvez algumas pessoas ainda não tenham se dado conta, mas existe uma guerra sendo travada todos os dias na grande rede de computadores. Naturalmente, você já ouviu falar que hackers são aqueles sujeitos que invadem computadores, sistemas de segurança e causam prejuízos gigantescos para uma série de circuitos no ciberespaço. Gente que rouba senhas, altera contas de bancos e ganha fortunas com a desgraça dos outros.

Bom, aqui há uma polêmica. Os hackers não aceitam que os responsáveis por esses crimes na rede sejam chamados de hackers. A melhor denominação para estes senhores é a palavra cracker (quebrador). Um hacker quer construir e melhorar programas de computador, garantindo que as pessoas tenham acesso a este conhecimento e possam compartilhá-lo com outras. Um cracker não. Este quer destruir sistemas e causar danos, uma atividade que se distancia bastante do ideal hacker de colaboração.

Um aspecto importante desta guerra silenciosa diz respeito ao livre acesso a informações na internet. Esta é uma pendenga antiga e que ainda está em curso, sem sinais de quando chegará ao fim (se chegar ao fim). O mundo controlado pelos conglomerados econômicos tenta dominar o fluxo de informações na internet. Para isso, não disponibiliza nenhum material de áudio, vídeo ou software sem pedir dinheiro em troca. Não existe a ideia de cooperação neste setor da sociedade. Aqui, ter significa pagar (como se em outras áreas do mundo fosse diferente). Isso é um tanto quanto paradoxal se observarmos que a ideia da internet é compartilhar livremente conhecimentos.

A grande batalha nesse terreno tem a ver com a necessidade de ter as coisas sem precisar pagar por elas. Aí entra em cena a atividade hacker, permitindo que milhões tenham acesso a um sem-número de materiais culturais, como vídeos, músicas, clipes, programas, jogos etc. É nisto que consiste o conflito por trás das interconexões. Socializar ou privatizar ainda mais os bens culturais criados pela humanidade?

A pirataria, tão combatida pelas grandes corporações, é uma forma de burlar o controle e a manipulação das informações, não podendo ser considerada um crime. Roubados, de verdade mesmo, são aqueles que constroem o mundo, mas não podem aproveitá-lo. Ao escolherem a doação e a liberdade de informação como atividade vital, os hackers põem em campo, ainda que muitos não o façam conscientemente, uma justa ação contra os interesses do capital em gerir e controlar os fluxos de conhecimento.

A defesa da informação livre ocupa hoje um espaço destacado no enfrentamento contra os interesses econômicos dos conglomerados industriais. Este poder de criar riqueza cultural na rede e distribuí-la para que todos tenham acesso é fundamental para entendermos o verdadeiro papel dos hackers na internet.

Os donos do mundo com certeza não, mas Robin Wood provavelmente estaria orgulhoso de seus herdeiros cibernéticos.

3 comentários:

Isolda Herculano disse...

Oi João, quase ninguém toca no assunto – especialmente, com esse ponto de vista – achei uma boa sacada da sua parte. Olha, tenho dois amigos ‘hackers’ e só discordo quando você associa a prática do acesso ‘indiscriminado’ que eles proporcionam ao socialismo. Falo isso pela experiência com os sujeitos que mencionei antes, que fique claro. Na minha interpretação, eles são mais anarquistas (resistentes ou hostis à ordem estabelecida) do que socialistas. Estão pouco preocupados em dar a todos a oportunidade do acessível; antes, querem ir contra quem impede que isso aconteça. Doa a quem doer. Os dois também têm um ar de superioridade impagável, pelos ciberpoderes adquiridos, diferenciando-se de nós, reles mortais. É claro que anarquistas podem atingir (voluntaria ou involuntariamente) fins socialistas. Mas aí entraremos na velha questão: ‘anarquistas ou socialistas libertários?’, longa demais para um simples comentário.

Sim, sim. Eu já analisei as amizades pelo viés da viabilidade, mas são duas pessoinhas muito amadas. Esse tal de sentimento... (Risos!)

Abraço.
Isolda.

p.s: talvez fosse interessante um post sobre anarquismo e socialismo, hein.

Thiago Baptista disse...

Olá, cro. João! Acompanho suas crônicas há um tempo. Já fui militante do PSTU no Rio de Janeiro. Achei muito interessante esse seu post. Mas concordo com o que a camarada aí de cima falou; a maioria dos hackers têm uma visão muito mais anarcóide do que de fato socialista.

Além disso, temos que tomar cuidado um pouco com uma avaliação maniqueísta de que TODAS as grandes empresas sem excessão são contra o software livre e de código aberto. Pensar assim é subestimar o poder do capitalismo de se adaptar para sobreviver.

Hoje há muitas empresas que apostam justamente na livre distribuição da informação para lucrar. A própria Google, por exemplo, que não cobra um único centavo de seus usuários finais (lucra com a publicidade). Ou as diversas empresas como a Red Hat que disponibilizam distribuições do Linux - cobrando apenas pelo suporte técnico.

De qualquer forma, o capitalismo NÃO VAI ter uma "morte natural", seja no ciberespaço, seja no mundo lá fora.

Aliás, taí uma boa sugestão de matéria pra você escrever, cro., sobre o mundo do software livre e do sistema operacional que fez uma verdadeira revolução, o GNU/Linux.

E viva o pinguim!!

Abraços!!

\\//

Anderson Santos disse...

Incrível como as pessoas misturam alhos com bugalhos. Este caso dos hackers e crackers é assim. Dá raiva quando escuto a generalização com hackers. Quem sabe a mídia não aprende, como aprendeu a falar "AVC" no lugar de "derrame" e a falar "risco de morte" no lugar de "risco de vida".

Quanto ao teor "revolucionário", acho que os comentários anteriores tratam muito bem do assunto. Este post veio a calhar, justamente na semana em que o blog que utilizava para baixar CDs antigos e da nova MPB foi tirado do ar por causa daquela associação americana.