Dia e noite, a fúria dos grandes centros urbanos nos persegue como se fosse uma sombra eterna, dando a entender que, por mais que a gente se vire, ela sempre vai estar no nosso encalço. Parece com aquele pesadelo inacabável que insiste em nos interromper o sono, cotidianamente. Um sono que, via de regra, já é sobressaltado. Um sono de quem sabe que não pode dormir.
O caos que estourou – mais uma vez! – no Rio de Janeiro nestes últimos dias não guarda muitos mistérios. A sombra e o pesadelo da “cidade maravilhosa” revelam-se claros e cruéis, mesmo com os governos e a mídia tentando maquiar o espetáculo. Parafraseando Chico e Tom, o que houve na capital fluminense foi o seguinte: o morro veio nos chamar. Os graves problemas sociais desse país, geradores diretos da violência, deram seu recado. Ou acabamos com a miséria e o desemprego ou a barbárie acaba conosco.
A imprensa falou em guerra de policiais e bandidos. De fato, é uma guerra. Mas uma guerra dos famintos, dos sem emprego, dos sem educação, dos miseráveis. Daqueles que o governo Lula empurra todos os dias para o narcotráfico, porque nas favelas brasileiras o Estado só sobe o morro na forma de chumbo grosso. No meio das balas da polícia corrupta e dos traficantes, estão os trabalhadores, negros e pobres. Ao que parece, as Olimpíadas do Rio já começaram. E a modalidade preferida pelos governos é o tiro ao alvo.
Bastou o circo pegar fogo para Lula e o ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmarem que vão aumentar os investimentos na segurança pública do Rio em 2010. Traduzindo: mais armas, viaturas, helicópteros e pólvora nas favelas. Do jeitinho que os fascistas do Palácio Laranjeiras querem. Para o governador do Estado, Sérgio Cabral, e seu secretário de segurança, José Beltrame, nos morros do Rio, a única linguagem é a das metralhadoras.
Dessa forma, chegaremos em 2016 com várias estatísticas impressionantes, dignas de recordes olímpicos. Mas nenhuma delas nos dará orgulho.
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É triste, mas poderia ser pior...
Enquanto o Rio de Janeiro guerreava, o Rio Grande do Sul brincava. Calma. Vou explicar.
É que alunos da 4ª série de uma escola pública gaúcha, em Sapucaia do Sul, foram flagrados pela professora brincando de traficantes. Os garotos quebraram o giz da lousa, moeram até virar pó e embalaram em plásticos. Assim como na vida real, na brincadeira o objetivo era atrair mais usuários e ganhar outras bocas de fumo. Tudo ocorreu dentro da sala de aula, envolvendo crianças entre nove e dez anos.
Obviamente que isto é um reflexo da realidade pobre desses alunos, completamente entregues ao violento mundo da falta de saídas. Um mundo de absoluta responsabilidade dos governos. Mas, analisando com atenção e sem querer necessariamente menosprezar o fato, a verdade é que o caso poderia ser pior. Como?
Imagine se essas crianças estivessem brincando, por exemplo, de serem deputados e senadores. Já parou pra pensar como seria? Alunos desviando verbas públicas, empregando parentes, negociando cargos, criando funcionários fantasmas, corrompendo a tudo e a todos, votando projetos contra os mais pobres e beneficiando ricos e poderosos. Imaginou? Pois é. Um terror, não?
No meio da aula, crianças gritam:
- Eu quero ser o Arthur Virgílio!
- E eu o Collor!
- Ah, eu posso ser o Sarney? Deixa, vai, deixa!
Ai, ai... me dá até náuseas.
Enquanto no Rio Grande do Sul crianças brincam de traficantes, no Rio de Janeiro Sérgio Cabral e José Beltrame brincam de Hitler e Mussolini. A diferença é que a brincadeira dos governantes mata de verdade. E, na maioria esmagadora das vezes, não são os bandidos que morrem.
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3 comentários:
Muito bom, meu querido!
Bala neles, no Collor, Sarney, nessa cambada toda!
Abração!
Muito boa a análise do primeiro texto, concordo plenamente com isso: "nas favelas brasileiras o Estado só sobe o morro na forma de chumbo grosso". O traficante ainda ajuda os moradores, e o Estado que mata trabalhadores e diz que eram bandidos?
Sobre o segundo, mais uma ironia onde é melhor rir do que chorar. Muito bom também!
È João.
Parabéns pelo seu lúcido artigo, só ao final dele, acho que poderia ter sido relacionada o grito da exclusão com a robalheira política e ainda, a necessidade do povo se organizar para desorganizar essa ordem excludente.
Abraços
Adriano
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