Por João Paulo da Silva
A vida de Antônio poderia ser normal e tranquila, como a de uma parte da sociedade, não fosse por um grande trauma que o marcou para sempre.
A vida de Antônio poderia ser normal e tranquila, como a de uma parte da sociedade, não fosse por um grande trauma que o marcou para sempre.
Antônio nasceu no ano de 1951, uma época conturbada, principalmente para uma criança. Mas seria apenas às vésperas do Golpe Militar de 64 que ele veria sua vida mudar. Antônio cresceu em meio às disputas ideológicas entre capitalistas e comunistas, o mundo vivia uma polarização imensa. Vivia a tal da Guerra Fria, que para alguns desavisados nada mais foi do que um bate boca entre potências.
A campanha norte-americana contra o comunismo era extremamente estapafúrdia, um ultraje à racionalidade. Mas a humanidade nunca foi muito racional mesmo. Você já deve ter ouvido que os comunistas eram conhecidos como “os comedores de criancinhas”. Que absurdo! No máximo eles poderiam comer os capitalistas e ainda teriam uma baita de uma indigestão! A verdade é que, naquela época, os comunistas estavam sendo caçados como baratas. Foi sem dúvida uma briga de foice. Aliás, de foice e martelo.
As ruas estavam repletas de cartazes anticomunismo. Alguns deles traziam a seguinte imagem: um brutamontes chicoteando um camponês inocente. Essa era a idéia que se tinha.
O Golpe Militar estava prestes a estourar, havia um clima de contradições entre os intelectuais. Alguns diziam:
- Os militares vão tomar o poder. Vai ser o fim!
- Isso irá impulsionar a nossa economia.
- Será uma ótima alternativa.
- Os militares vão tomar o poder. Vai ser o fim!
- Isso irá impulsionar a nossa economia.
- Será uma ótima alternativa.
Antônio não entendia nada do que estava acontecendo no mundo, seu universo era recheado apenas por filmes do Zorro e gibis do Tex. Às vezes ele ouvia o Seu Godofredo, o vizinho caduco, gritando na rua:
- Matem estes comunas filhos do cão!
- Matem estes comunas filhos do cão!
Antônio não entendia nada mesmo. Só tinha certeza de uma coisa. O mundo estava ficando como o Seu Godofredo, caduco.
Nunca passou pela cabeça do pobre menino que ele sofreria um trauma tão grande e irreversível como o que sofrera na escola. Ele tinha treze anos. E os anos de chumbo já estavam batendo à porta.
O recreio já havia terminado, mas alguns alunos ainda brincavam e corriam dentro da sala de aula. Antônio era um deles. A professora não estava na sala e a algazarra continuava. Foi aí que Antônio, acidentalmente, quebrou uma carteira. Fez-se um silêncio sepulcral, estavam todos apreensivos. Começaram a correr para seus lugares, pois a professora estava subindo as escadas. Antônio foi um dos primeiros a se sentar. A professora entrou na sala desconfiada e rapidamente notou o ocorrido, então ela disse:
- Quem quebrou esta carteira?
- Quem quebrou esta carteira?
A turma estava em silêncio. Ninguém abriu a boca para dizer nada. A professora falou de novo:
- Ninguém vai se acusar? Então eu vou chamar o Dr. Bulhões.
- Ninguém vai se acusar? Então eu vou chamar o Dr. Bulhões.
O Dr. Bulhões era o inspetor de disciplina. Um homem demasiadamente cruel e carrasco, todos o temiam por sua famosa malevolência. O curioso é que todos os inspetores são iguais, todos eles são carecas e bigodudos.
Instantes depois, o homem mau da escola estava na sala. Com um ar autoritário e uma aparência de general, ele falou:
- Muito bem, quem foi o pestinha responsável por este ato subversivo? – tinha a sobrancelha direita erguida e a boca numa expressão semelhante a de um sorriso irônico.
- Muito bem, quem foi o pestinha responsável por este ato subversivo? – tinha a sobrancelha direita erguida e a boca numa expressão semelhante a de um sorriso irônico.
O silêncio era absoluto. As crianças tinham os olhos arregalados, o medo estava visivelmente exposto em seus rostinhos inocentes. O inspetor, vendo que não arrancaria confissão nenhuma, ameaçou:
- A turma toda irá ficar até mais tarde se o culpado não aparecer. Só vão sair quando eu pegar o marginal. Acreditem, eu tenho todo o tempo do mundo. – a voz do Dr. Bulhões era de uma sonoridade metálica.
- A turma toda irá ficar até mais tarde se o culpado não aparecer. Só vão sair quando eu pegar o marginal. Acreditem, eu tenho todo o tempo do mundo. – a voz do Dr. Bulhões era de uma sonoridade metálica.
Antônio sentia a voz do inspetor lhe martelando nos nervos, aquele homem carregava na face um aspecto de ditador. Seus olhos fuzilavam a turma, eram olhos oblíquos e hostis. O tempo passava e Antônio precisava tomar uma decisão. Não podia deixar que todos os alunos sofressem as consequências do seu ato, mas a idéia de ficar até tarde na escola em companhia daquele “monstro” era aterrorizante. Foi aí que Antônio ouviu o Fernandinho, o garoto da carteira ao lado, murmurar:
- Tonho... ô Tonho...
- Hum...
- Se você não se entregar, eu mesmo te entrego.
- Tonho... ô Tonho...
- Hum...
- Se você não se entregar, eu mesmo te entrego.
Não havia mais escolha, estava tudo acabado. Ia se acusar, fosse o que Deus quisesse. Começou a erguer, timidamente, a mão. O inspetor o mirou com um olhar de êxito de caçador e disse:
- Antônio! Venha aqui na frente para que todos possam vê-lo. – o homem falava pausadamente, pronunciando bem cada palavra.
- Antônio! Venha aqui na frente para que todos possam vê-lo. – o homem falava pausadamente, pronunciando bem cada palavra.
Antônio caminhava cabisbaixo, tinha o rosto vermelho de vergonha. Teve a sensação de estar caminhando no corredor da morte. Parou e se pôs ao lado do inspetor. Subitamente, o Dr. Bulhões agarrou-lhe a orelha e a torceu com força. Antônio soltou um grito. Bulhões tinha uma expressão enérgica no rosto. As crianças olhavam assustadas, o inspetor explodiu em gritos:
- Estão vendo isto?! Isto é um comunista! – Antônio estava com lágrimas nos olhos, não fazia idéia do que pudesse ser um comunista. Nem mesmo o inspetor sabia.
- Estão vendo isto?! Isto é um comunista! – Antônio estava com lágrimas nos olhos, não fazia idéia do que pudesse ser um comunista. Nem mesmo o inspetor sabia.
Antônio ficou de castigo na escola até tarde. Chegou em casa algumas horas após o meio-dia. Sua mãe já o esperava na porta. Com voz preocupada, ela perguntou:
- O que foi que aconteceu, meu filho? Por que demorou tanto?
- Eu fiquei de castigo por ter quebrado uma carteira. Juro que foi um acidente.
- E o que foi que disseram?
- O inspetor disse que eu era um comunista. – Antônio disse isso com a cabeça baixa.
- Meu filho, mas o que é um comunista? – perguntou a mãe de Antônio com ingenuidade.
- Eu não sei direito, mamãe. Deve ser alguém que quebra carteiras das escolas.
- O que foi que aconteceu, meu filho? Por que demorou tanto?
- Eu fiquei de castigo por ter quebrado uma carteira. Juro que foi um acidente.
- E o que foi que disseram?
- O inspetor disse que eu era um comunista. – Antônio disse isso com a cabeça baixa.
- Meu filho, mas o que é um comunista? – perguntou a mãe de Antônio com ingenuidade.
- Eu não sei direito, mamãe. Deve ser alguém que quebra carteiras das escolas.
4 comentários:
Dias de hoje, seria ele chamado de terrorista.
Se bem que hoje dizer que é comunista é ser chamado de "louco" ou que "não vê o que acontece na Venezuela, em Cuba,...". Acho incrível como as pessaos preferem criticar o que falam o quanto a sociedade capitalista é exploradora do que criticar esta sociedade.
Antes de mais nada, parabéns. Muito bem escrito, envolvi-me no contexto histórico, fiquei apreensiva e revoltada com o incidente da escola, pobre Antônio! A ignorância social é tamanha que beira a inocência, nas expressões do rapazinho e de sua mãe.
Abraços Literários
Sempre intenso nas suas crônicas da vida, do ser.
abraço, sumido
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