domingo, 6 de março de 2011

“Os bons morrem jovens”

Por João Paulo da Silva

Quase 50 anos de literatura e mais de 80 livros publicados. Três prêmios Jabutis e um prêmio Casa de Las Americas. Obras publicadas em 20 países e traduzidas para 12 idiomas. Entre as mais elogiadas, estão O Centauro no Jardim, A Guerra no Bom Fim, A Estranha Nação de Rafael Mendes e O Exército de um Homem Só. Médico por formação, passeou pelos gêneros literários como se fosse um clínico geral, mas com as propriedades de um especialista. Publicou romances, contos, crônicas, ensaios e literatura infanto-juvenil. Assim como outros bons gaúchos da literatura nacional, era um contador de histórias nato. Escreveu em média mais de um livro por ano. Só não escrevia quando não tinha nas mãos com o que escrever. Influenciado por Franz Kafka, Julio Cortázar e a Bíblia, fez de sua obra fantástica uma arena para alegorias e parábolas sobre a realidade e os seres humanos. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, o que talvez não fosse lá grande coisa, já que o Paulo Coelho e o José Sarney também fazem parte. Moacyr Scliar estava com 73 anos quando seus órgãos resolveram descansar primeiro do que ele. Era um garoto. Aliás, um guri. Possivelmente, ainda guardava muitos livros em sua cartola mágica. Entretanto, quanto mais rápido o tempo passa a nos engolir, mais certeza eu tenho de que, infelizmente, “os bons morrem jovens.”.

A maioria de vocês provavelmente não vai acreditar. Mas eu trocava emails com o Moacyr. Depois que o conheci pessoalmente, numa palestra sobre Graciliano Ramos, passei a ter uma admiração maior por sua obra. A simpatia e o humanismo de sua literatura eram facilmente reconhecidos em seu trato com as pessoas. Sempre atencioso como um bom médico, recebia os fãs sem aquela empáfia comum aos escritores consagrados e arrogantes. As respostas aos meus emails estão cheias da generosidade e da humildade do Scliar. Algumas delas tratam de felicitações pelo Jabuti que ele ganhou em 2009 e de opiniões sobre as minhas crônicas. Guardo com carinho especial duas mensagens que recebi do Moacyr.

A primeira veio em resposta a uma crônica que enviei a ele sobre o dia em que o conheci. Diz o seguinte: “Meu caro João Paulo, obrigado pela mensagem e sobretudo pela crônica, que me encantou e me emocionou, tanto por seu ótimo estilo como pela homenagem - melhor que o prêmio Nobel! Aceite os parabéns e o abraço deste seu fã, Moacyr Scliar.”. A segunda mensagem foi uma opinião que ele deu sobre outra crônica. “João Paulo, obrigado pelo e-mail e pela crônica - excelente, belíssimo texto! Receba os parabéns e o abraço do Moacyr Scliar.”.

Provavelmente, o Moacyr abusou da simpatia nas respostas. Mas para um fã isso não faz a menor diferença. Meus textos sempre foram muito influenciados por autores gaúchos, como Érico Veríssimo, Luis Fernando Veríssimo e o Moacyr Scliar. Eu os conheci nesta mesma ordem. De uma forma ou de outra, é como se a obra deles fizesse parte da minha história literária. O desfalque do Moacyr fará com que eu não tenha mais o mesmo prazer de antes ao abrir os jornais. Quer dizer, uma indelicadeza da parte dele.

Por isso, gostaria de fazer uma sincera proposta ao Sarney. Com o objetivo de atenuar os pecados que possui e realizar ao menos uma boa ação nesta existência, proponho que o presidente do Senado ofereça a própria vida em sacrifício para que o Moacyr Scliar retorne a este mundo. Já conversei com a bancada da Providência Divina e há acordo com a proposta. Inclusive, Deus argumentou que se o Sarney aceitar, ele pode até ficar no purgatório, ao invés de ir direto para o inferno. E aí, Sarney? É pegar ou largar. Lembre-se que você ainda pode sair no lucro.

6 comentários:

Anderson Santos disse...

Excelente proposta. E parabéns pelas respostas que teve do Scliar. Seus textos são realmente muito bons.

Thalita disse...

Eu inda to de luto por ele... to arrasadadissima... tem uma dedicatória pra ele no meu tcc... era uma pessoa tão maravilhosa quanto os livros que escrevia

Júlio Arantes disse...

Confesso, sem vergonha, não conhecer a obra do Scliar. Mas as duas últimas crônicas me despertaram alguma curiosidade... e embora eu não seja mesmo fã de virar fã só porque alguém morre, vai pra minha lista de aquisições literárias... ah, e se precisar de assinatura em lista pro sarney aceitar, é só pedir! hehehe..

Natália Freitas disse...

john, eu que ñ conhecia quase nd da obra do scliar (tenho apenas uma obra) tb fiquei tocada com a sua partida. Por isso mesmo, imagino como vc tá se sentindo. O texto denuncia um pouco.
Q lindeza o que ele falou pra tu, lindeza mesmo.

Bjos, preto.

Jan Ribeiro disse...

Parece que estou vendo a cúpula celestial reunida para decidir a viabilidade de sua proposta. Um claro contraste visual.

Meus sentimentos João. Perder gente que a gente admira sempre é triste... Precisava ter me visto quando a Dercy morreu.

Acássia Deliê disse...

Fazia tempo que não passeava pelo seu blog. Os textos estão cada vez mais maduros, bem escritos e inspiradores. Vai em frente com as crônicas, João! Uma boa seleção das já escritas, aliás, já renderia um bom livro. Conte comigo se quiser aceitar a sugestão. Grande abraço!