domingo, 15 de maio de 2011

À frente de seu tempo

Por João Paulo da Silva

Em 1968, aos 17 anos, meu pai era um jovem à frente de seu tempo. Sem saber, é claro. Mas ainda assim estava à frente de muitos outros homens da época. No momento em que grandes transformações sociais e comportamentais percorriam o mundo, meu velho dava sua contribuição inadvertidamente. Como alguém que faz o que é correto de maneira inconsciente, meu pai foi parte involuntária daquelas mudanças. No melhor estilo “gaiato no navio”, acabou dando sua cota para aumentar a independência das mulheres. Principalmente, a independência financeira. Tudo isso, óbvio, foi ele mesmo quem me contou. Não tenho nenhuma responsabilidade sobre o conteúdo desta história. Estão avisados.

Convidar uma garota para ir ao cinema era uma espécie de código através do qual você mostrava, implicitamente, que estava interessado nela. É claro que só o fato de a moça ir ao cinema com você não garantia que algo pudesse rolar. Mas, aceito o convite, as chances aumentavam bastante. Afinal, quando uma mulher não quer fazer alguma coisa, ela diz “não” e pronto. Ciente destas condições, meu pai – sempre que possível – convidava uma garota pela qual estivesse a fim para pegar “um cineminha”. Até aí tudo normal.

O discurso do convite de meu pai, independente da garota, não variava muito.
- Oi Fulana. Tudo bem?
- Oi Antônio. Tudo sim.
- Então, tava pensando se você não tava a fim de pegar um cineminha comigo essa tarde. Tá passando o Zorro. O que me diz?
- Ah, claro. Eu adoraria.

Parte da diferença entre meu velho e os demais garotos da época, na hora de ir ao cinema com alguém, estava no momento do encontro.

- E onde a gente se encontra, Antônio? Pode ser em frente ao cinema?
- Ah... então... acho melhor de outra forma. Vamos fazer assim: quem chegar primeiro à sessão, entra e espera o outro lá dentro, guardando o lugar. É porque tem sido um filme muito concorrido, sabe? Se ficarmos esperando um pelo outro do lado de fora, podemos não encontrar mais lugares. Vai que um de nós chega atrasado, entende? Questão de segurança, saca broto?
- Certo. Tudo bem. Sem problema, gracinha.

E assim acontecia.

Meu pai chegava ao local faltando uma hora para a sessão começar, comprava o próprio ingresso e esperava lá dentro. Quando a garota chegava, cerca de 40 minutos depois, se dirigia direto aos lugares escolhidos por meu pai, de onde ele acenava efusivamente. Daí por diante, era só deixar rolar. Na maioria das vezes, dava certo. Foi dessa forma com todas as garotas com as quais meu velho saiu. Ele chegava primeiro, elas depois.

- Ah! Agora eu entendi qual era a do senhor. – disse eu para meu pai outro dia.
- Como assim, filho?
- O senhor entrava primeiro e esperava lá dentro só para não pagar o ingresso da garota. Que mão de vaca, safado!
- Olha o respeito, moleque! Tá me chamando de pão duro?!
- Quem? Eu? Imagina!
- Não era que eu não quisesse pagar o ingresso delas. Mas... veja bem. Havia na sociedade um acordo tácito que de certa forma obrigava os homens a pagar as contas das mulheres. E eu não achava isso correto.
- Quer dizer, o senhor era pão duro mesmo!
- Não é bem assim, filho. Ouça. Eu não achava correto pagar o ingresso do cinema para elas porque aquilo representava mantê-las dependentes financeiramente de mim. E eu não queria isso, entende? Queria que elas tivessem independência.
- Tá bom. Me engana que eu gosto.
- Certo. Ok. Tudo bem que naquela época eu não sabia disso. Fazia tudo de forma inconsciente. Mas, de algum modo, eu ajudei muitas mulheres a se tornarem mais independentes, deixando que elas mesmas pagassem seus ingressos. Mesmo sem saber, filho, eu estava à frente de meu tempo. O problema é que só descobri isso agora, depois de velho.
- Tá. Sei, sei. Mas e hoje? Como é que é? Quem paga os ingressos?
- Óbvio que hoje são elas que pagam. E pagam os dois, inclusive. Estão mais independentes financeiramente. Além do mais, os ingressos de cinema estão pela hora da morte.
- Ou seja, o senhor deixou de ser pão duro para se tornar um gigolô.
- Olha o respeito, moleque!

5 comentários:

André Santos disse...

Hahaha
Muito bom João!

Bruno MGR disse...

Que estória esfarrapada. Era pãodurice mesmo, hehehehe

pedro disse...

Rapaz, eu não sabia desse lance não! Mas acho que estou no tempo certo,pq já fiz isso... Cheguei antes e ela pagou o dela, e fiz isso conscientemente! Rsrsrsrsrs

Anderson Santos disse...

Tendo a concordar com o Bruno hehehehehe.

Rosane Cristina disse...

Conheço vários assim...muitos usam essa tática. Que besteira...rss
Mas, seu pai era danadinho, hein...rsrs