domingo, 1 de maio de 2011

O ladrão intelectual

Por João Paulo da Silva

Quando um amigo me contou, eu não acreditei.
- Fala sério! Cê tá de brincadeira, né?!

Não. Não estava. Existia realmente um ladrão diferente a solta pelas ruas de Maceió. Já havia assaltado cerca de trinta pessoas em menos de um mês. Mais impressionante do que isso, só o fato de que o sujeito não roubava dinheiro, relógios ou celulares. Roubava livros! Isso mesmo. Livros!

Quando eu era mais novo, minha mãe costumava dizer (e ainda diz!) que meu futuro estava nos livros. Dizia que eu tinha de comer os livros pra virar gente de verdade. “Um homem só cresce na vida através dos livros!” – declarava. Era um claro exagero, não tenho dúvidas. E um pouco de ingenuidade também. Mas não pude deixar de lembrar dos conselhos de minha mãe ao saber da existência de um ladrão intelectual. “Ai, meus clássicos! Ai, meus clássicos!”. – pensei.

Também não tive como não lembrar dos cuidados que minha sábia mãezinha exigia de mim.
- Menino, cuidado com os assaltos! Se o ladrão pedir, entregue tudo!
- Tá, mãe. Tá. Mas eu só tenho livros na bolsa. A senhora já viu algum ladrão roubar livros?

O fato é que o caso havia me intrigado. Procurei pensar no lado positivo da coisa. Se a moda pegasse, o Brasil poderia até deixar de ser um país de analfabetos. Resolvi, então, conversar com algumas pessoas que tinham sido atacadas pelo tal ladrão intelectual. Queria saber como o sujeito agia. Estava na hora de exercitar meu jornalismo investigativo.

Como a maioria dos gatunos, ele também tinha hábitos noturnos e um local preferido para atacar. Todos os assaltos ocorreram dentro da universidade por volta das 20 horas. Uma das vítimas, uma estudante de pedagogia, afirmou que não se tratava de um ladrão como outro qualquer.
- Ele não roubou meu dinheiro. Roubou meus livros! Levou o meu Pedagogia do Oprimido!
- Certo. Isso eu já sei. Além de roubar livros, você percebeu mais alguma coisa de incomum? – perguntei.
- Ele usava uma máscara.
- Mas isso não tem nada de incomum. Muitos ladrões usam máscaras. – retruquei.
- Com o rosto do Paulo Freire?
De fato era um caso estranho.

Seu método se diferenciava pouco dos outros. Se houvesse resistência ao roubo dos livros, ele ameaçava as vítimas com um canivete. Tudo bem que era um canivete suíço, mas ainda assim era um canivete. Demonstrava total frieza e indiferença na hora da ação. Mas não aparentava seguir um padrão único. Às vezes agia com muita cordialidade. Nem parecia que era um assalto. Foi assim com um estudante de letras num ponto de ônibus escuro e vazio.
- Boa noite. – disse o sujeito com uma máscara do Jorge Amado.
- Ai, meu Deus! – assustou-se a vítima – Mas o que é isso? Tem alguma festa à fantasia hoje?
- Não é nada. Só uma comemoração boba. – disfarçou – Escuta, posso dar uma olhada nesses livros?
- Claro. Fique à vontade.
- Hum...
- Que foi?
- Tolstoi, Joyce, Machado de Assis. Muito bom. Boas leituras. Vou levá-los.
- Ahn? Como assim “vou levá-los”?
- Ah, desculpe. Esqueci de avisar. Isso é um assalto.

Mas o larápio de livros também já demonstrou alguns lapsos de descontrole emocional. A vigésima vítima, um estudante de filosofia, me deu um relato interessantíssimo. O rapaz contou como se dera o ocorrido.
- Boa noite. – disse uma voz calma e educada no meio da penumbra.
- Quem está aí?
- “O homem é condenado a ser livre”. – afirmou a voz.
- Sócrates?
- Não, seu burro! – disse a voz alterada – É Sartre!

O rapaz sentiu uma forte dor na cabeça e caiu desacordado. Quando recobrou a consciência, seus livros tinham sumido. Tudo indica que tenha sido uma paulada. Parece que o gatuno não suporta burrice. Um pouco intolerante, eu acho. Mas também com uma jeguice dessas, quem não seria?!

A situação começou a se agravar ainda mais. O ladrão intelectual já havia surrupiado Sartre, Piaget, Freud, Poe, Marx e muitos outros. A comunidade acadêmica estava apavorada e ninguém sabia exatamente o que fazer.

Foi aí que, recentemente, as idas e vindas da história apontaram um possível caminho. Foi com uma menina do curso de administração. Ela saía da aula quando viu se aproximar o Graciliano Ramos.
- Muito bem. Sem muitas delongas. Isso é um assalto!
A moça começou a abrir a carteira.
- Não. Não é isso que eu quero. Quero os livros.
- O quê?
- É o que você ouviu. Passa os livros.

A menina entregou-os sem se queixar. Momentos depois, o ladrão explodiu:
- Mas o que é isso?! Você tá de sacanagem, né?! Que palhaçada é essa?!
- Ora! Eu gosto, ué?!

Os livros eram Brida e Diário de um Mago.
- Como assim? Você gosta de Paulo Coelho?! Você tá lendo Paulo Coelho?!
- Tô. Qualé o problema?
- Você não tem vergonha na cara não, menina! Ai, meu Deus do céu! Sidney Sheldon eu até aceito. Mas Paulo Coelho já é apelação! Aí já é demais!

Largou os livros da moça no chão e fugiu indignado.
Foi como um antídoto. Todo mundo começou a andar com livros do Paulo Coelho embaixo do braço. Parece que deu certo. Até o momento não houve mais registros de incidentes com o gatuno intelectual. Finalmente encontraram uma solução para o problema dos roubos. E uma finalidade para o Paulo Coelho. Mas já tem gente preocupada, achando que só o Paulo Coelho talvez não resolva. Tão querendo andar com livros da Zíbia Gaspareto. Não sei, não. Aí eu já acho sacanagem. Com o ladrão, claro.

4 comentários:

Bruno MGR disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Ri demais com o Paulo Coelho e o Sarte, puta merda.
Li O Alquimista e bastou pra mim. Minha namorada que ainda se arrisca num livro dele vez ou outra.
Seus personagens fazem as coisas sem noção que você não tem coragem de fazer.

Ednilma disse...

Sensacionalllllllllll! João nessa você se superou, Paulo Coelho nem ladrão aguenta.

Mário Júnior disse...

Foi engraçado. A paulada na cabeça do cara que confundiu Sartre com Sócrates foi o clímax do texto. O desfecho, com a indignação com o Paulo Coelho, foi boa.

Mas bem que poderia ser Harry Potter no lugar do Paul Rabbit... eu acho pior!

Rosane Cristina disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK Foi hilário!!! Amei. Há muito tempo não ria tanto. Coitado do Paulo Coelho...que serventia passou a ter...KKKKKKKKKKKKKKKKK