domingo, 31 de julho de 2011

Enfim, a fama

Por João Paulo da Silva

Tinha dúvidas de que ela um dia realmente fosse chegar. Ainda mais sendo eu um sujeito desprovido de nome artístico. Afinal, assino minhas crônicas como João Paulo da Silva, nome bastante comum escolhido por meus pais. E, convenhamos, ninguém pode ficar famoso com um nome desses, a não ser que você seja o Papa. Não que seja feio. Ao contrário, acho o nome até bonito. Mas é diferente de assinar como Luis Fernando Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Pablo Neruda, T.S Elliot, etc etc etc. Sempre achei que parte da popularidade de um escritor vinha do nome. Artista tem que ter nome de impacto. Se uma parte dos leitores compra livros por causa da capa, outra parte deve comprar pelo nome do autor. Óbvio que o mais importante é o conteúdo da obra, e que muitas pessoas buscam a sinopse antes de qualquer coisa. Entretanto, o nome devia ter alguma influência no sucesso ou fracasso de um escritor. Bom, era o que eu pensava até bem pouco tempo, quando tive meu primeiro encontro com ela. Aquela doce e cruel senhora de quem todo mundo deseja tirar uma lasquinha. Enfim, encontrei a fama. Contrariando todas as previsões.

Eu tinha entrado numa livraria para pedir informações sobre a chegada de um livro novo. No balcão, fui atendido por uma mocinha simpática, que logo me indicou a estante e a obra que eu procurava. Fiquei por ali, folheando o livro, meio distraído, até que me dei conta de que estava sendo observado. Virei a cabeça e vi a mocinha do balcão olhando para mim de maneira estranha e insistente, como se estivesse intrigada com alguma coisa. Na hora, duas hipóteses passaram pela minha mente. Primeiro achei que ela estava me vigiando, talvez desconfiada de que eu pudesse surrupiar algum livro (penso logo no pior). Mas esta imagem rapidamente se desfez e eu passei a considerar a segunda hipótese: a de que ela estivesse me paquerando, já que num determinado momento me lançou um sorriso. Durante todo o tempo que perambulei pela livraria, a moça não parou de me olhar. Só descobri o real motivo para tantos olhares quando voltei ao balcão para pagar o livro.
- Oi. Vou levar esse. – disse eu, com naturalidade.
- É você, não é? – perguntou a moça.
- Eu o quê?
- Você não é aquele escritor? – insistiu ela.

Virei a cabeça para trás, só para me certificar de que a moça realmente falava comigo.
- Tá falando comigo?
- Tô sim. Eu sei quem é você. Vocês são todos tão distraídos e tímidos.
- Olha, eu nem sei o que dizer...
- Caramba! Puxa vida. Sou muito sua fã. Adoro tudo o que você escreve.
- Conhece o que eu escrevo?
- Mas é claro!! Sempre leio suas crônicas. Não perco uma. Vejo toda semana.
- Como sabe que escrevo crônicas?
- Você não tem um blog?
- Tenho sim.
- Você não escreve nele todo domingo?
- Escrevo.
- Suas crônicas também não são publicadas nos jornais?
- São sim.
- Tá vendo só?! Eu sabia que era você. Escritor, cronista, jornalista. Só tá um pouco diferente por causa dos óculos. Na foto da internet você está sem eles.
- Que coisa hein... Você me conhece mesmo?
- Claro. Seus textos são tão engraçados, tão divertidos. Não sei como você pensa em tudo aquilo, cada situação absurda! Você deve ficar observando a vida de todo mundo pra escrever aqueles flagras, né?! Tipo um voyeur do cotidiano mesmo. Como é que você faz?!
- Bem, eu apenas...
- Nossa! E quando você escreve sobre política então... nem se fala. Que visão. Texto leve e profundo ao mesmo tempo. Adorei aquela sobre a última eleição, comparando o PT e o PSDB. Cara, muito bom. Você tem cada metáfora.
- Que bom que...
- Posso tirar uma foto com você?
- É... bom... claro, né.
- Jura?! Ai, meu Deus. As meninas da faculdade não vão nem acreditar. Deixa eu passar pro outro lado. Ainda bem que meu chefe deu uma saidinha. Assim tá bom. Posso passar a mão por sua cintura? Ficou ótima. Ai, meu Deus. Ninguém vai acreditar.

Quem não estava acreditando era eu. Alguém realmente me conhecia. E não era ninguém que recebia minhas crônicas por email, nem ninguém do meu círculo de amizades, ou do trabalho. Alguém gostava dos meus textos, e não era nenhum dos meus seis fiéis leitores ou minha mãe. Era alguém que eu nunca tinha visto, mas que conhecia meu trabalho e me reconhecia. Aquilo era fabuloso. Resolvi, então, aproveitar o gostinho bom que tem a fama.
- Olha, me desculpa esse alvoroço todo, tá? Ai, que vergonha. Devo estar parecendo uma boba. É que eu nunca estive tão perto de um grande escritor assim.
- Ora, não se preocupe. Estou acostumado.

Eu já me sentia o todo poderoso, quase um Paulo Coelho (só na fama, por favor!). Mas era preciso manter certa modéstia, ao menos por um momento.
- Também não precisa exagerar. Não sou um escritor tão grande assim. Tenho apenas um metro e setenta e seis de altura.
- Hahaha. Nossa! Você é tão bem humorado! Igualzinho quando escreve. Nem acredito que isso tá acontecendo. Um escritor de verdade.
- Não, não sou tudo isso.
- Aaahhhh. Para, vai. É sim. Todo mundo lá do curso te conhece. Todo mundo lê o que você escreve. Só falam dos seus textos. A gente já chegou até a fazer um trabalho sobre suas crônicas. Era sobre o surgimento de novos escritores, novos talentos da crônica e coisa e tal.
- Sério?! Difícil de acreditar.
- Sério! Falamos do Xico Sá, do Antônio Prata, do Fabrício Carpinejar e de você.
- Puxa, que bacana. Eles são muito bons.
- Ah, mas você é o meu favorito. Prefiro mais o seu estilo. Adoro quando você se torna o próprio personagem da crônica, sem ter medo do ridículo, como naquela do assalto. Ri muito de tudo. Uma das melhores. Nem acredito que tô te conhecendo pessoalmente.

Eu estava flutuando no meu próprio ego. Ainda parecia inacreditável. Esse negócio de internet funcionava mesmo. Igual a boato, se espalha rapidinho. Como era bom ser famoso. Eu até já sonhava com o assédio dos fãs, com as entrevistas para cadernos de cultura, as fotos nas ruas, visita ao Jô Soares, palestras sobre o novo fazer literário etc, etc. Mas faltava uma coisa. Faltava dar autógrafo. E ele veio. O meu primeiro.
- Olha, desculpa. Não quero mais tomar o seu tempo. Escritor deve ter uma vida muito agitada, não é mesmo?
- Às vezes sim. Criar exige muito esforço e tempo. – até meio esnobe eu já estava.
- Claro, claro. Imagino. Onde eu tô com a cabeça, meu Deus?! Prendendo você aqui. Mas posso te pedir um último favor?
- Sim, sem problema. Fique à vontade.
- Você poderia me dar um autógrafo?
- Claro que posso. Onde quer que eu escreva?
- Ah... pode ser aqui nesse papel.

Que emoção. Ali estava eu, João Paulo da Silva, jornalista, cronista e escritor, dando meu primeiro autógrafo. Meu primeiro passo para a Flip, para a Academia Brasileira de Letras e, quem sabe, para o Nobel de Literatura. A fama começava a chegar, mesmo sem nome artístico. Que sensação indescritível. Enquanto eu assinava “um abraço com carinho”, a moça ao lado continuava falando.
- Se eu soubesse que você viria por aqui, teria trazido o seu livro novo de crônicas. Aí você me daria um autógrafo no próprio livro.
- Hein? Livro? Que livro?
- Aquele mais novo. Aquele que ganhou o prêmio Jabuti. Adorei. Muito bom. Fantástico.

Foi um balde de água fria. O escritor não era eu. A moça havia se confundido. Nem tenho ideia de quem possa ser o autor. Eu não tinha livro publicado, muito menos livro vencedor do Jabuti. Tudo não passara de um grande engano, uma enorme confusão. Eu poderia ter corrigido o erro, mas resolvi manter a situação. Não sei se por ela ou por mim. Acabei dando o autógrafo, caprichando na assinatura rabiscada. Ficou praticamente ilegível.
- Bom, tá aqui o autógrafo.
- Ai, que maravilha. Vou guardar dentro do seu livro. As meninas não vão acreditar mesmo que conheci você.
- Pode apostar que não...
- Ainda bem que tirei uma foto.
- Pois é, né...
- Mas, olha, tá aqui o livro que você escolheu. Muito obrigada, tá?! E volte sempre.

Foram quinze minutos de fama, literalmente. Quinze minutos de sucesso e vaidade. Quinze minutos de escritor conhecido. Saí da livraria e entrei no primeiro boteco que encontrei. Pedi uma cerveja bem gelada. Guardava comigo a única e irremediável certeza do universo (depois da morte, claro). Pelo menos no bar, todo mundo é igual. 

8 comentários:

Pedro Rodolpho disse...

Você já é famoso, cara! Talvez ainda não pelos seus textos, mas pelas cenas bizarras de todos os dias, pelas piadas sem graça, pela careca... Essas coisas! Eu acho que era melhor você ter continuado achando que ela estava te paquerando! kkkkkkkkkk

André Santos disse...

Hahahahaha
Pois é, concordo com o Pedro, João, você já é famoso!

E como sempre, fico na dúvida sobre o que é real e o que é fictício nas suas crônicas. Essa história aí aconteceu mesmo?
Abraço!

Amâncio disse...

Porra, o desfecho foi foda,mas aconteceu mesmo?Abração.
Amancio.

Não sei bem... disse...

João Paulo,Não sei se a fama é tão boa assim... mas acho que seus leitores já passaram de 8 ( olha que nem te conheço e já leio com frequência suas crônicas) pelo menos não sou sua colega de facu nem sua irmã e muito menos sua mãe. Acho que é um começo... sorriso ... não sei se seus textos são engraçados , mas cheios de cotidianalidades ( existe essa palavra?)e pegadinhas da vida real e que nem parece tão real assim... bons textos para o raciocinio de um leitor sagaz. Gosto do seus estilo.Marta

Bruno Martins disse...

Cara, muito boa. Texto envolvente. Mas eu sabia que na hora do autógrafo ia dar merda. hehehe
Parabéns, meu velho, por mais uma bela crônica.

Anônimo disse...

Não vale a pena perder tempo correndo atrás de 15min de fama, pois eles chegam e vão embora do mesmo jeito. Um trabalho contínuo e com um objetivo, pode até demorar para alcançar o seu reconhecimento e conseguir o sucesso, mas, com certeza, obterá muito mais do quinze minutos de fama. Mesmo assim vc já é famoso pq a fama voa e à medida que se movimenta adquire mais forças e vc nem me conheçe mais suas crônicas já chegaram aqui em Salvador e assim como eu tenho certeza que muitos lêem e gosta do que vc escreve com muita classe e maestria.Vc n precisa fama pq vc já tem o sucesso que é ser bem sucedido naquilo que propos fazer.
Abraço.
Angelyca

Bárbara Figueiredo disse...

João, adorei essa.

Olha só, no final pode não ter sido vc o alvo dos elogios, mas faz sentido todos os comentários feitos por essa "moça" a "vc".

Talvez porque vc a criou, e também aos elogios. Talvez porque vc saiba seu valor. Isso é o que importa. Muitos ao seu redor também sabem. Eu sei. E basta! Abraços da amiga.

Estêvão dos Anjos disse...

Gaiato!