segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Dando corda ao relógio do mundo

Por João Paulo da Silva

Tem uma frase do poeta Mário Quintana que diz: “Os que fazem amor não estão fazendo apenas amor: estão dando corda ao relógio do mundo.”. A chegada do pequeno João Gabriel na minha vida me fez pensar bastante sobre a questão. Quem deixa uma vida nestas terras deixa mais do que simplesmente um ser com identidade genética e semelhanças físicas. Deixa uma marca. Um desígnio de humanidade. Ter um filho é ter a chance de ser alguém melhor. Mas criar um filho é mais bonito. É experimentar a possibilidade de continuar existindo nos sonhos das gerações seguintes. Por inúmeras razões, muitas crianças são geradas sem nenhum tipo de sentimento de amor. Vem ao mundo e pronto. Na adoção, não. É um pouco diferente. Gerar não é o que define. Cuidar, criar e formar. Isso é o que basta. Adotar um filho é necessariamente um ato de amor. O pequeno João Gabriel é o meu.

“Filhos? Melhor não tê-los. Mas se não os temos, como sabê-los?”, questionava Vinícius de Moraes, repleto de razão. Não há como adivinhar. A experiência é insubstituível. Quem quiser saber o que é ter um filho precisa ter um. Esqueça a maioria das coisas que lhe disseram sobre bebês. Ainda mais se tiverem sido ditas por gente que nunca foi pai ou mãe. Pode-se até revelar um detalhe ou outro, mas nada como ter um filho em sua vida. Mesmo assim, as pessoas não deixam de querer compartilhar umas com as outras esse momento tão singular, o que nunca é demais. Primeira coisa: muda tudo. Do despertar ao adormecer. Mudam os dias e, principalmente, as noites. Seu sono jamais será o mesmo. Você ouvirá choros imaginários pela casa. A todo instante, irá ao berço verificar se a criança dorme perfeitamente. Passará a odiar todo e qualquer barulho, por menor que ele seja. Deixará de ser responsável apenas por sua própria vida. E quando reclamar para seus pais que a criança dá muito trabalho, receberá como resposta a irremediável sentença: “Relaxa, é só o começo.”.

O pequeno João Gabriel, por incrível que pareça, tem me ensinado muito sobre o mundo e as incongruências da natureza. Nos primeiros dias como pai, fui convencido rapidamente de que crianças recém-nascidas deveriam vir com manual de instruções. É muito difícil identificar a razão do choro de alguém que ainda não sabe falar. Talvez uma variação no tom ajudasse. Uma tonalidade de pranto para cada necessidade seria ideal. Hoje já sei que recém-nascidos choram apenas por três grandes motivos. Fome, cólicas ou fralda suja. Pior do que isso só as três situações juntas. Aí é o Armageddon. Você não sabe para onde correr. A primeira vez que troquei uma fralda foi um momento de extraordinário espanto. Ao observar o tamanho do cocô, tive dúvidas sobre a origem do meu filho. Virei para minha companheira e disse:
- Tem certeza de que não é um bebê elefante disfarçado de humano?
- Não seja idiota, João. Limpe logo o garoto e não diga bobagem. Ora, bebê elefante. E o que seria a tromba?
- Querida, não me faça responder. Já olhou o pinto desse menino?! É maior do que o meu!

Uma criança traz mudanças avassaladoras. A chegada do João Gabriel fez de mim um homem mais sensível. Agora choro com qualquer coisa. Dia desses, enquanto dava a ele uma mamadeira, a televisão reprisava o clássico desenho O Rei Leão. Não segurei as lágrimas na hora em que o pai do Simba morreu. Tudo bem. Você pode até dizer que a cena é forte e que qualquer um choraria. Mas com certeza você não chora vendo a Ana Maria Braga preparando um pato no tucupi, e dizendo: “Solta os cachorros, menina!”. Eu choro, e ainda digo: “Que pato lindo, meu Deus.”. Estou muito sensível, sem dúvidas. Tão sensível que acho que estou sofrendo transformações no meu corpo. Ao menos três vezes, João Gabriel tentou abocanhar meu peito em busca de comida. Isso só pode ser um sinal. Ou eu estou parecendo a mãe dele ou preciso urgentemente emagrecer.

Mas não é só o meu pimpolho que tem dado lições. Eu também estou ensinando bastante ao João Gabriel. Trata-se, porém, de um aluno muito indisciplinado. Aprende apenas o que lhe é conveniente. Por exemplo: desde que chegou, tenho tentado ensinar que ele não é um morcego e que precisa dormir durante a noite. Em vão. Parece haver uma vocação inata no garoto para ser vigia noturno. Além disso, insiste em fazer na fralda apenas metade do xixi. A outra metade ele guarda para o meu rosto, no momento em que vou trocá-lo. Não deixa de haver certa inclinação ao mau-caratismo nesta atitude, já que depois de cada urinada em minha direção vem sempre um sorriso safado. Involuntário, provavelmente. Mas não menos safado.

As grandes lições da vida, entretanto, eu estou guardando para quando ele for mais crescidinho. São três as mais importantes. 1ª) a burguesia fede. 2ª) o Flamengo é o maior time do mundo. 3ª) jamais coloque seus pais num asilo para velhos. João Gabriel já tem me dado mais alegrias do eu poderia imaginar. Hoje, minha casa, a existência e o mundo tem mais cores e significados do que jamais tiveram. A árvore da frente, por exemplo, em dez anos, nunca havia dado uma só flor. Dois dias depois da chegada do meu filho, ela floresceu numa surpreendente fúria amarela.

Não foi Deus. É apenas a vida pedindo passagem. Dando corda ao relógio do mundo.

5 comentários:

pedro disse...

Cara, não sofra com a urinada dele... Lembre-se que ele urinou em mim também! Ah, ele saberá que o Flamengo não é o maior... Será Botafoguense feito o tio! ;)

Thássia Santos disse...

O que é a vida de um ser, se não a maior obra de Deus?! Parabéns pelo momento e pelo texto.

Bruno Martins disse...

Excelente o texto. Tem de tudo, comédia e aqueles momentos para emocionar. A comédia maior você sabe qual é: "Flamengo é o maior... bla bla bla".
Quando o João Gabriel crescer, vai encher o pai de orgulho torcendo para o time da moda quando ele tiver noção das coisas.
Torça para que seja o Flamengo. Senão...

KYVIA disse...

POXA JOÃO... FIQUEI ARREPIADA UM TEMPÃO, E EMOCIONADA TAMBÉM!
AINDA TO COM AQUELE SORRIZINHO BESTA DE QUEM ESTÁ IMAGINANDO...

Ednilma disse...

Oi João! que bom bom ler você falando do outro João, emoção que só quem tem filho pode saber, á propósito a tia vai ensinar a ele que como bom Potiguar ele vai torcer pelo ABC...