domingo, 11 de março de 2012

Uma metáfora para o mundo contemporâneo

Por João Paulo da Silva

Andando tranquilo no centro da cidade, não pude deixar de bater os olhos na manchete de um jornal numa banca de revistas: "Hamas diz que lançará foguetes enquanto Israel mantiver ocupação". Percebendo meu interesse pelo assunto, o dono da banca comentou:
- Esses sujeitos são todos uns fanáticos. Vivem metidos nessa guerra sem sentido. Um bando de terroristas doidos que só querem explodir tudo. Eu é que não me meto nisso. Estão todos errados.

O discurso daquele homem nada mais era do que a simples repetição da propaganda oficial da turma do Tio Sam. Eu que não tenho nenhuma simpatia pelo Hamas poderia até ter ficado calado. Mas, como isso não é do meu feitio, não me contive. Na mesma hora, me ocorreu uma metáfora para explicar o caso.
- O senhor tem casa? - perguntei.
- Claro que tenho. Por quê?
- Então, imagine só a situação. É madrugada. O senhor e sua família dormem tranquilamente. De repente, ouvi-se um estrondo. Parece que vão derrubar a casa. Rapidamente, um exército armado até os dentes invade o quarto, apontando fuzis para a cabeça do senhor e de sua família. Os homens armados mandam vocês saírem da casa. Do contrário, todos vão morrer. Eles dizem que a partir daquele momento a casa não lhes pertence mais. Faz parte agora de um Novo Estado que eles estão fundando. O que o senhor faz?
- Saio, ué?! Não tô querendo morrer.
- Exatamente. No primeiro momento, o senhor e sua família decidem sair. Mas, depois, você percebe que aquele exército não queria apenas a sua casa. Queria também a dos seus vizinhos. E a dos vizinhos dos seus vizinhos. E a dos vizinhos dos vizinhos dos seus vizinhos. Aí o senhor se dá conta de que tudo aquilo é na verdade parte de um projeto de dominação. Que na realidade o que eles querem mesmo é controlar toda a região. Tudo isso porque descobriram que naquelas terras – suas e de seus vizinhos, diga-se de passagem – existe muito petróleo e que vale uma fortuna. Então, o exército fortemente armado começa a empurrar o senhor, seus parentes e seus vizinhos cada vez mais para fora daquela terra. De modo que, em pouco tempo, todos vocês estão vivendo como escravos em verdadeiros campos de concentração, sofrendo bloqueios e passando necessidades. Aí, o que é que o senhor faz?
- Aí eu me revolto, ué?! Os caras roubaram minha casa, me expulsaram da minha terra e ainda maltratam minha família!
- Exato! Esta situação é muito cruel. Então, o que o senhor fará todas as vezes que passar na frente de sua casa tomada pelos invasores?
- Ahhhh, moço! Eu atiro uma pedra, um tijolo, um pedaço de pau! O que eu tiver na mão!
- Tudo isso porque o senhor quer de volta o que é seu. Mas digamos que o senhor não tenha apenas pedras e paus. Possui também bombas e foguetes. Usaria?
- Claro! Agora virou uma guerra!
- Pois é, meu senhor. É justamente essa guerra que vive o povo palestino.

Saí da banca de revistas imaginando o que aquele homem estaria pensando agora. No caminho para casa, me lembrei da frase que certa vez ouvi de um historiador chamado Valério Arcary: "Numa luta entre desiguais, permanecer calado é sempre apoiar o mais forte".

Um comentário:

Bruno Martins disse...

Tema delicadíssimo, mas a abordagem da crônica foi muito bem feita.