domingo, 27 de maio de 2012

O pesadelo

Por João Paulo da Silva

Numa noite dessas, tive um pesadelo terrível. Muito pior do que a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa de 1950, em pleno Maracanã. Mais absurdo do que ver o Flamengo perder um campeonato carioca diante do Vasco. Mais torturante do que ser obrigado a comer quiabo e maxixe todos os dias. Não, não, não. Estou sendo generoso demais. Isso é muito pouco. Tive um sonho tão bizarro quanto saber que alguém pagou US$ 18 mil por uma calcinha da rainha da Inglaterra, aquela velhota que não faz outra coisa a não ser comer e bufar. Um sonho mais desesperador do que nadar à noite com tubarões em mar aberto ou ser perseguido pelo Freddy Krueger. Pensando bem, acho que não há precedentes piores para o meu mais recente pesadelo. Nele, eu chego em casa do trabalho e encontro meu filho, já com uns sete anos, às voltas com um brinquedo que não foi dado por mim, nem pela mãe ou por qualquer outro parente. Intrigado, eu digo: “Oi, filho. Brinquedo novo, é? Quem te deu?”. Ao que ele me responde sem constrangimento: “Foi o Carlinhos Cachoeira, papai.”. Nesse instante, eu acordo assustado e lavado de suor, desejando do fundo do coração estar no meio do Maracanã, nadando com tubarões vascaínos que não comem maxixe e ainda com a rainha da Inglaterra pendurada no meu pescoço, só de calcinha, chamando pelo Freddy Krueger.

O esquema do Carlinhos Cachoeira tem de tudo, é uma espécie de compêndio da corrupção. Suborno, fraudes em licitações, financiamento ilegal de campanhas, pagamento de propinas, lavagem de dinheiro, tráfico de influência, desvio de verba pública etc, etc, etc. A lista é tão longa que eu precisaria de outra crônica só para relacionar os crimes. Mas a intricada rede de bandidagem do bicheiro não tem apenas de tudo, tem também de todos. De empresários a políticos. De todos os partidos, inclusive. Bom, pelos menos dos grandes partidos, daqueles que estão ou já estiveram no poder. É como disse Lenine Araújo de Souza, o braço direito do Cachoeira, numa conversa gravada pela Polícia Federal. “Aqui come todo mundo, cara. Se não pagar pra todo mundo, não funciona.”. E pensar que tudo isso veio à tona com os presentinhos do bicheiro para o senador Demóstenes Torres, que curiosamente também é promotor de justiça. A situação me parece semelhante àquela imagem da camisa descosturada com um fio solto na manga. Você vai puxando, puxando, puxando, daqui a pouco está todo mundo pelado no salão. No Brasil é assim. Cada novo escândalo de corrupção é sempre mais escandaloso do que o anterior. Mesmo sendo o mensalão algo inesquecível, tem gente que olha o esquema do Cachoeira e diz: “Marcos Valério? Quem é Marcos Valério?!”.

Entretanto, não há nada de tão novo assim nessa extensa teia de corrupção montada pelo mega-contraventor, envolvendo gente de todas as esferas do poder. A fórmula é praticamente a mesma em todos os casos. Os empresários financiam as campanhas dos grandes partidos tradicionais e depois são “convidados” para todo tipo de obra do estado, ganhando licitações e fazendo contratos milionários. Aí, quando chegam as próximas eleições, se repete o ritual. Só que cada vez mais irrigado com o dinheiro público. É um ciclo sem fim, como aquele desenho animado Caverna do Dragão. Infelizmente, o Brasil é a prova imoral de que o capitalismo e essa democracia apodrecida precisam da corrupção para funcionar. Embora o objetivo final do esquema do Cachoeira não seja novo, não se pode negar a ousadia do projeto. O sujeito mandava no país e a gente não sabia (eu pelo menos não sabia, e podem quebrar meu sigilo telefônico). Indicava quem queria para os governos que desejava corromper e tinha até seu personal araponga, o tal do Dadá, para espionar políticos e interferir em contratos públicos. Quer dizer, o Carlinhos “Cataratas do Iguaçu”, que é como deveria ser chamado devido ao tamanho da maracutaia, certamente deixaria Al Capone corado de constrangimento. Inclusive, recebi em primeira mão a notícia de que Martin Scorsese vai filmar a sequência de Os Infiltrados, com o Cachoeira no papel principal.

Definitivamente, este não é um país sério. Não pode ser. Não enquanto perdurarem estas instituições carcomidas pelos ratos e esse sistema desigual e corrupto por natureza. É sério ter um mega-bicheiro dando as ordens nesse Titanic tupiniquim?! É sério que a CPI que “investiga” o esquema do Cachoeira tenha o Fernando Collor como membro?! É sério governo e oposição fazerem acordão para escolher a dedo quem vai e quem não vai depor só para não melar todo mundo?! É sério que o advogado do corrupto e corruptor seja um ex-ministro da Justiça do governo Lula?! É claro que não é. De jeito nenhum. Mas o grande pesadelo dos trabalhadores brasileiros é bem mais horroroso do que isso. Não há nada pior, eu suponho, do que ver o poder permanecer nas mãos dos de sempre. CPI após CPI. Eleição após eleição.

Para piorar de vez e enterrar todas as esperanças, só falta mesmo aparecer o Freddy Krueger usando a calcinha da rainha da Inglaterra e vestindo a camisa do Vasco. Aí, meus caros, fujam para as colinas.

2 comentários:

Bruno Martins disse...

Parece o enredo de um ótimo filme sobre a máfia italiana. Só que o roteiro é real e assustador. Quando você terminou o texto com o "fujam para as colinas", só consegui pensar que o Brasil é em sua maioria um país de planície sem grandes montanhas. Ou seja, a grande maioria do país não tem nem para onde correr quando esse juízo final chegar.

Mila Mendes disse...

Bruno, pensei a mesmo coisa... tipo: Que colina!!!Socorro!!!
Às vezes eu acho que estamos no Show de Truman, misturado com caverna do dragão..como se tudo fosse de mentira(porque parece!)e que é tão perfeito e organizado que ninguém nunca vai descobrir.