domingo, 3 de junho de 2012

Paternidade

Por João Paulo da Silva

Dizem que ser mãe é padecer no paraíso. É uma imagem curiosa, intrigante, metafórica e repleta de significados, para o bem ou para o mal. Mas se isso é verdade, ser pai é o quê, então?! Qual a função da figura paterna na vida de um filho? No que consiste a essência da paternidade? Afinal de contas, pra quê serve um pai? Essas foram algumas das perguntas que brotaram na minha cabeça logo depois que o pequeno João Gabriel inundou os meus dias. A resposta para estas questões é uma só, e eu estou descobrindo-a aos poucos, no dia a dia, passo a passo, pedacinho por pedacinho, como num quebra-cabeça de um trilhão de peças. Embora existam muitos manuais ensinando “como ser um bom pai”, o que apenas demonstra a obsessão da humanidade por manuais, nenhum livro é capaz de decifrar aquilo que só se conhece por inteiro na prática. É verdade que se aprende um macete ou outro com algumas pesquisas no Google, mas nada substitui as primeiras descobertas, o espanto diante do desconhecido, ou até mesmo a epifania de uma fralda suja de cocô. Como se sabe, a prática é o critério da verdade.

Em primeiro lugar, ser pai é mais do que pagar pensão alimentícia. Não tem preço. Quer dizer, talvez até tenha, já que viver custa dinheiro. Mas um pai não pode ser apenas um pagador de pensão (e tem aqueles que nem isso são). Tem que ser mais. Não se trata de seguir o jargão “não basta ser pai, tem que participar”. É maior do que isso. Ser pai não tem conceito, não tem definição estrita, não está no Aurélio ou na Enciclopédia Britânica. Ser pai é metáfora, é licença poética, é aurora boreal. A paternidade equivale a uma supernova na vida de um homem. Ser pai é não ter que ir ao programa do Ratinho para fazer exame de DNA. É saber diferenciar o cocô verde do amarelo. É acalmar as cólicas de um intestino estreante com o calor do próprio corpo. É acordar de madrugada para dar a mamadeira do bebê, e não reclamar. Afinal, quantas madrugadas você ficou acordado, sem reclamar, em festas intermináveis na faculdade? Ser pai é morder a barriguinha da criança até arrancar gargalhadas quase sufocantes com as cócegas. É não ter nojo do cocô do filho, mesmo sendo o cocô um dos maiores equívocos da natureza, que poderia ter encontrado outra forma, menos fedorenta, para expelirmos os dejetos.

A paternidade tem a dimensão do lirismo, compreensível somente através de alegorias. Ser pai é conotação. É embalar e cantar para dormir. É apurar os ouvidos para qualquer ruído. É guardar o sono da criança em silêncio, na tentativa de ouvir seus sonhos, provavelmente ocupados por uma mamadeira de dois litros. Ser pai é vibrar com os primeiros passos, ainda arrastados, engatinhados, sofridos, com o esforço inabalável de quem nem imagina aonde aquelas pernas poderão levá-lo. Ser pai é se emocionar ao ver o filho balbuciar as mais belas e primárias sílabas da linguagem humana: “pápá” (em português, claro). É achar graça na graça que ele vê quando espirra ou quando observa o próprio reflexo no espelho. É rir da curiosidade assustada do bebê ao se deparar com animais e plantas. É encher os olhos de lágrimas com o espanto das iniciais descobertas dele, exatamente como os primeiros homens das cavernas, assombrados diante das maravilhas e perigos do mundo primitivo. Ser pai é mais do que pagar a escola. É ajudar na alfabetização, na pronúncia da palavra telespectador. É ensinar a contar até cinco, e depois até dez, e depois até cem. É revelar que a matemática é o inferno na terra e que não haverá sofrimento maior na vida do que uma prova de logaritmos.

Ser pai é explicar ao filho que não existem monstros ou fantasmas no escuro, sempre ressalvando que, caso escute algum barulho lá no quintal, ele deve chamar imediatamente a mamãe, e não o papai. Ser pai é jogar bola em campinho de terra batida e deixar o garoto ganhar todas as partidas. É dizer para não colocar o dedo na tomada. É iniciar o filho nas artes da pipa, do peão e da bolinha de gude. É ensinar a andar de bicicleta, com ou sem rodinhas, dizendo que os arranhões nos joelhos fazem parte das dores do crescimento e que está tudo incluso no pacote que a gente recebe quando vem ao mundo. Ser pai é fazer sacrifícios. É fingir que maxixe e quiabo são verdadeiras iguarias divinas só para ver a criança crescer com hábitos alimentares saudáveis. É tomar refrigerante escondido no banheiro porque você quer ter a certeza de que ele viverá pelo menos até os 150 anos. É alertar: “Filho, quantas vezes já falei para não passar o gato no moedor de carne?!”. Ser pai é preparar o filho para que ele seja melhor do que o próprio pai foi. É acreditar que as próximas gerações irão redimir a nossa. É fazer da paternidade uma brincadeira. É revisitar a infância, sem prazo para voltar ao planeta dos adultos.

3 comentários:

Bruno Martins disse...

Lindo texto a foto, fofíssima.

pedro disse...

Muito bonito. Deu vontade de fazer um filho agora! rsrsrsrs

Estêvão dos Anjos disse...

Cara, estou lendo um livro sobre a relação pai e filho. É um livro do Cristova Tezza: O filho eterno. Muito bom. Quando puder, leia. Ah, e esse texto, ein?