domingo, 16 de dezembro de 2012

Broxadas 3

Por João Paulo da Silva

Isso nunca me aconteceu antes.”. Mentira. Já aconteceu, sim. É o clichê de todo broxa. Todo homem que costuma broxar diz essa frase quando falha. É como se ele quisesse se redimir do próprio fracasso apelando para a indulgência tácita do primeiro erro. Mas o que o broxa ignora é a perspicácia da mulher. A mulher odeia desonestidade. Ela sente o cheiro da mentira no ar. Talvez não exista nada mais broxante para uma mulher do que um homem mentiroso. Ela quer cumplicidade, e não um contador de vantagem. Por isso, meu amigo, se broxou, fale a verdade. É melhor abrir o jogo. Dizer que ficou ansioso; que ela é muito linda; que você esperou tanto por aquele momento e que acabou ficando um pouco tenso. Ela vai entender. Mulheres são compreensivas com a verdade. Posso até apostar que ela irá procurar fazer você relaxar, vai afagar seus cabelos, chamar você de fofo e sussurrar pequenas safadezas no seu ouvido, até a dita (dura) comparecer.

Falando assim, pareço um especialista em alma feminina. Nem de longe. Apenas me esforço. Na verdade, em muitas situações, procuro pensar como uma mulher, ao invés de pensar só em mulher. É difícil. Os primitivos neurônios masculinos precisam suar muito a camisa para acompanhar a complexidade do cérebro feminino. E não estou sendo irônico. Falo com sinceridade. Outro dia mesmo procurei fazer um exercício de imaginação. Comecei a pensar no que me faria broxar, se por caso eu fosse uma mulher (não descarto a hipótese; nunca se sabe o dia de amanhã). Homem de pochete, por exemplo, é o fim do mundo. De pochete, nem o George Clooney. De pochete, qualquer deus grego se transforma no Beiçola, de A Grande Família. Se eu fosse uma mulher, certamente broxaria com homens que usam cueca do Homem-Aranha ou palitam os dentes depois de um jantar romântico. Pensar como uma mulher, buscando antever aquilo que ela possa detestar, me ajuda a não cometer erros quando for agir como homem.

Mas a história do Jair e da Ana não tem nada a ver com isso. É muito mais insólita, eu diria. Até dizem que a culpa foi dela. Não sei. Tenho minhas dúvidas. De qualquer forma, sou suspeito para falar.

Um quarto de motel. Na mesinha, garrafas de cerveja e pacotinhos de amendoim. Na cama, o Jair e a Ana. Transando. Ele por cima, estilo papai e mamãe. Ela por baixo, aguentando o peso de doze anos de casamento. Na tentativa de quebrar a rotina e a acomodação, os dois decidiram que precisavam reacender a chama do sexo entre eles. Dá aquela reanimada na relação, entende? E tudo estava indo até muito bem. Troca de carícias, beijinhos, gemidos de prazer, safadezas ao pé do ouvido.
- Tinha me esquecido de como é bom transar com você, Aninha. Sua gostosa! Você vai ver só uma coisa.
- Hummm... Ai, Jair... Fala mais, vai. Fala! Não para, não.

Mas a vida a dois coloca a gente em situações que até o capeta duvida. De repente, um rápido barulho abafado escapa por baixo dos dois. Ambos param de se mexer. O Jair levanta um pouco o corpo e olha para a esposa.
- Que som foi esse?! – Ana empalidece. Em seguida, vem o cheiro.
- Que fedor é esse?! – de pálida, a esposa muda para vermelha.
- Ana, você soltou um pum?! Eu não acredito, meu Deus! A gente transando e você solta um pum?!
- Foi sem querer. Deixei escapar. Estou com gases. – diz ela, um pouco envergonhada.
- Com gases?! E só agora você me fala uma coisa dessas?! Quer dizer que tem mais aí dentro?! Em doze anos de casamento, isso nunca tinha acontecido. Estou chocado, Ana. Não acredito que você soltou um pum perto de mim... e ainda por cima com a gente transando! – aí o Jair foi saindo de cima da esposa.
- Qual é o problema, Jair?! Por que todo esse drama? Por causa de um punzinho de nada?
- Punzinho de nada?! Você tá de sacanagem, né? Assim não tem clima pra transar, Ana. Aliás, não tem nem atmosfera. Olha só esse cheiro! Impregnou o quarto. Isso é broxante, Ana. Não consigo transar com uma mulher que solta pum. Perdi o tesão.
- Larga de ser burro, Jair. Toda mulher solta pum, da mesma forma que todo mundo.
- Eu sei que todo mundo solta pum, Ana. Eu passei pela escola. Mas não aceito que mulheres soltem pum. É um erro da natureza. Devia ser proibido por lei.
- E que besteira é essa agora?! Quer que a gente morra entupida?! Ficou doido? Proibir mulher de soltar pum?! Que ideia mais machista, Jair.
- É isso mesmo. Pum não é direito civil, Ana. Mulher não deveria soltar pum. Pum é nojento, fede, polui o ambiente. É horrível. Pum é coisa de homem. Mulher não pode ser assim. Não combina. Tinha que ter outro jeito pra vocês expelirem isso. Mulheres são lindas, cheirosas, maravilhosas. A Scarlett Johansson, por exemplo. Não consigo imaginar a Scarlett Johansson soltando pum.
- E por que tem que ser a Scarlett Johansson, Jair?! Por que não eu?
- Ora, porque você já soltou pum na minha frente, né? Acabou de soltar, lembra?
- E que história é essa de pensar na Scarlett Johansson?!
- Ana, não muda de assunto. Estamos falando do seu pum.
- Mas eu não quero falar do meu pum! O pum é só meu, caramba!
- Se o pum é só seu, então por que você dividiu comigo?! Quando casamos, o padre falou “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”. Não disse nada sobre puns.
- Como você é grosso, Jair. Já disse que foi sem querer. Escapou! Acontece, droga. E a culpa também foi sua.
- Minha?! Você soltou um pum enquanto a gente estava transando e a culpa foi minha?!
- Claro que foi sua! Eu falei que não queria comer aquela feijoada no almoço. Mas você insistiu. E tem mais! Foi o seu peso em cima de mim que pressionou a minha barriga. Não pude evitar. Se pelo menos você não fosse tão gordo... e o padre também não falou nada sobre aguentar um gordo me espremendo.
- Não acredito nisso, Ana. Você já inverteu a história toda. Agora o problema é o gordo aqui?! Até parece que fui eu o autor do atentado terrorista. Você sabia que o Tratado de Haia proíbe o uso de armas químicas?!
- Ai, Jair! Chega! Cansei de tanta bobagem. Agora quem broxou fui eu. Vou pro chuveiro.

Cinco minutos depois, o Jair se arrepende de todo aquele escândalo.
- Aninha? – começa ele, da cama.
- O que é?! – ela grita, ainda no banheiro.
- Olha, me desculpa, vai? Eu sou um bruto mesmo. Nada a ver esse escândalo todo que eu fiz. É que fiquei meio surpreso, sabe? Pô, doze anos de casamento e nunca vi você fazer isso. Acho que foi o susto. Mas já passou. Estou arrependido, amor.
- Hum...
- Eu sei que é uma coisa natural e que pode acontecer com qualquer casal. Faz parte da vida a dois. E você tem razão. Não passou de um punzinho à toa. Nada demais. Olha, tá tudo bem. Não vamos estragar a nossa noite por causa deste pequeno incidente. Me desculpa, de verdade.
- Sei...
- Bom, que tal se eu abrir aquele vinho e a gente tentar de novo, hein? E se eu for aí no chuveiro te dar uns beijinhos nessa bundinha linda... – e o Jair começou a se dirigir para o banheiro.
- Não! Para! Não vem pra cá, Jair! Nem pense nisso. Fique longe de mim! Se você entrar no banheiro, vai se arrepender.
- Calma, querida. Já pedi desculpas. Não precisa ficar assim. Pra quê essa raiva toda? Só quero fazer um...
- Não entra, Jair! Por favor! Fique do lado de fora!

Tarde demais. O marido já tinha aberto a porta do banheiro. E quase imediatamente teve o nariz invadido.
- Meu Deus, Ana! Não acredito! De novo?! Que horror! Estou sufocando...
- Para, Jair! Sai daqui! Vai embora!
- Mayday! Mayday! Pelotão, recuar! O inimigo possui armas de destruição em massa! Mayday! Mayday! 

4 comentários:

Miguel Tenório disse...

Suas crônicas são excelentes, cara. Muito engraçado. Parabéns!

Lee disse...

Muito bom, muito bom!! kkkkkkk

Viva ao País "democrático" ! disse...

Muito bom rapaz!

Viva ao País "democrático" ! disse...

Muito bom rapaz!