domingo, 8 de julho de 2012

Fair play, brother!

Por João Paulo da Silva

Há situações na vida que possuem propriedades interessantíssimas. Encruzilhadas cotidianas em que as pessoas acabam por demonstrar quem realmente são. Na cama, ao volante, na prática política... São todas ocasiões de grande revelação. Outro dia, porém, soube de uma situação que talvez seja a mais reveladora de todas. O assalto! Eis o instante em que a moral burguesa é ofendida. Eis o encontro do capitalismo com seu Frankenstein. O criador e a criatura. Cara a cara! O assalto oscila entre a celebração do ridículo e o extremismo da barbárie. Pelo menos em alguns casos.

Aconteceu com um ex-cunhado meu. Mesmo com sua vasta experiência em ser assaltado (umas dez vezes por semana, eu acho), flagrou-se outra vez diante do nosso Frankenstein social. Já era tarde da noite. Ele voltava da escola apressado, e as ruas do centro da cidade estavam vazias.

O sujeito caminhava em sua direção, vindo da outra extremidade da rua. Meu ex-cunhado já sabia o que estava para acontecer.
- Muito bem. Isso é um assalto! – disse o sujeito com uma arma apontada na direção da vítima.
- Ok. Estou acostumado. O que vai ser essa noite? – quis saber o assaltado.
- Passa logo a bolsa!
- Calma aí. Não é assim. Vamos negociar. Pra que você quer minha bolsa? Ela só tem livros. Pra que você vai querer meus livros?

O assaltante ficou pensativo. Concluiu:
- Tá. Beleza, então. Não levo a bolsa. Mas me dá a carteira.
- Não. Também não é assim. Vamos negociar. Pra que você quer minha carteira? Só tem meus documentos. Pra que você quer meus documentos?

Nova reflexão do bandido, desta vez mais profunda.
- Olha, tudo bem. Não vou levar a carteira nem a bolsa. Mas me passa pelo menos o dinheiro que está na carteira, né?
- Agora sim. Agora estamos começando a nos entender. Veja, tudo bem que nos assaltem. Mas que tenham, pelo menos, o mínimo de critério e bom senso. Você não acha?

Meu ex-cunhado tinha R$ 20,00 na carteira. Tirou apenas dez.
- Ah, não! Que que isso, maluco?! Tá querendo me passar a perna?! Deixa de maluquice e me passa os outros dez que eu já vi daqui! Nada de trapacear. Fair play, brother. Fair play.
- Tá. Tá bom. Foi mal. – disse o ex-cunhado, entregando os outros dez.

Eu ia terminar o texto aqui. Mas preciso fazer uma reflexão. Só para constar.

Olha, tenho certeza de que a situação não pode ficar pior. Chegamos ao ponto mais alto da civilização. Já estamos criando regras para o “bom” funcionamento da barbárie. O fair play da barbárie. De fato, evoluímos. Não somos mais a sociedade de consumo, nem a sociedade da informação. Somos mesmo é a sociedade do vexame. Vou escrever uma tese sobre isso. Ah, vou!

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