Por João Paulo da
Silva

Torciam por um
tiro no pé dos protestos, ou um rojão na cabeça de alguém. Aliás, nem torciam,
nem esperavam. Na verdade, buscavam que isso acontecesse. Desde junho de 2013,
os governos neste país, tantos os da direita carimbada quanto os do PT, não
fizeram outra coisa a não ser procurar ou “fabricar” uma razão para
desmoralizar as manifestações que os fizeram tremer dentro dos palácios.
Puxem pela
memória. Na internet, o material é farto e a grande imprensa até chegou a
noticiar, mas só depois que ficou estranho esconder. Para citar apenas dois
exemplos. É fácil lembrar as imagens de um policial militar infiltrado, o
famoso P2, atirando um coquetel molotov contra a própria PM ou ainda o vídeo
que flagrou um policial, dessa vez fardado, quebrando a janela de uma viatura. Um
pastel com guaraná para quem adivinhar o objetivo.
A morte de um
inocente, atribuída à inconsequência de dois jovens numa manifestação, é a tragédia
com a qual os governantes sonharam. É o pretexto ideal para que os governos
façam aquilo que tentam desde junho. Aos atuais donos do poder, é preferível
criminalizar os protestos, ameaçar liberdades democráticas e espalhar o medo do
que atender as reivindicações populares mais básicas, que, por lei, já são
direitos. Mas descumpri-las todos os dias, claro, não é crime.
A tentativa de
estabelecer uma relação “criminosa” entre os partidos de esquerda com os jovens
presos, os black blocs e os atos de vandalismo é tão patética que, além de
revolta, causa vergonha alheia. Parece roteiro de filme B. Depoimentos sem pé
nem cabeça, declarações de um advogado fanfarrão que “sabe de tudo” e insinuações
descaradas de uma imprensa malabarista, que não faz jornalismo, faz “lixeratura”
de disse-me-disse.
Nas páginas dos
jornais, nos sites e entre os reclames do plim-plim, desenrola-se uma trama de
ficção esquizofrênica, estrelando milhares de figurantes com cachês de R$ 150, recebendo
quentinhas e carregando bandeiras. Tudo pago por uma esquerda bolchevique soviética
que quer o caos no Brasil. Só falta mesmo o Rodrigo Constantino e o Reinaldo
Azevedo (colunistas da Veja) escreverem que, nas quentinhas, vem caviar também.
É o espetáculo
do absurdo. A apoteose da canalhice.
Mas... consideremos
duas hipóteses.
A primeira, de
que os rapazes presos são apenas dois jovens que cometeram uma baita
inconsequência, num afã palerma, inspirados por uma tática inadequada para o
momento e à revelia do movimento. Numa histeria ensaiada, a imprensa e a
polícia chamam de assassinato. Embora não tenham tratado da mesma forma, por
exemplo, o caso da gari Cleonice Vieira, de 54 anos, que teve uma parada
cardíaca e morreu, depois de inalar gás lacrimogêneo de uma bomba lançada, em
local fechado, por um PM, em Belém (PA), durante um protesto em junho do ano
passado.
Uma fatalidade
tirou a vida de Santiago, é verdade. De um trabalhador, pior ainda. E é justo
que essa dor seja chorada. Entretanto, não é honesto fazer com que a comoção das
pessoas sirva de munição para autorizar os governos e o Congresso a aplicarem
uma “lei antiterrorismo”, merecidamente apelidada de “AI-5 Padrão Fifa”, a fim
de transformar os protestos, os movimentos sociais, sindicatos e a esquerda em
filiais da Al-Qaeda. Aliás, não é só desonesto. É também muito perigoso. É
querer reeditar o passado para evitar o futuro.
Agora, a segunda
hipótese, muito mais sombria, é a de que, de fato, os dois jovens foram pagos
para causar confusão dentro das manifestações. Mas não pela esquerda, claro,
que não ganha nada com isso. A esquerda que quer mudar o país quer ver mais
gente nas ruas por um ideal, e não pagaria para que alguns poucos cometessem
atos que esvaziassem os protestos. Não faz o menor sentido. Só um imbecil faria
isso. Se há alguém interessado em acabar com as manifestações, seja
minguando-as ou reprimindo-as, esse alguém é a direita, governista ou não,
tradicional ou de terninho vermelho. E ela pagaria por isso. Afinal, já fez
coisas piores. Um factoide a mais...
Os protestos de
milhões só ocorreram porque, desde junho de 2013, o escândalo da miséria social
brasileira atingiu os limites da mais absoluta cretinice na figura dos
governos. O Brasil é um país onde a saúde e a educação públicas estão em
colapso. Aqui, ter um lugar para morar virou sinônimo de regalia. O transporte coletivo
é um navio negreiro pago pelos próprios escravos. O governo permite e promove a
farra dos bancos e os privilégios dos empresários são leis intocáveis.
Com uma
realidade dessas, torrar bilhões de recursos públicos para realizar a Copa do
Mundo mais cara de todos os tempos, organizada por uma entidade corrupta e
bilionária, e aprofundando as desigualdades, não poderia ter outro desfecho. O
descontentamento da população se materializou na arena mais temida pelos
governos: as ruas. E é nas ruas que ele terá a chance de ser resolvido. “Queremos
mudança!” foi a mensagem compartilhada por milhões em junho. E ela continua no
topo.
Os que não querem
mudar o país profundamente, aqueles que são cegos e surdos pela própria natureza
e ignoram os pedidos dos cartazes, usam a vida de Santiago e a dor de sua
família para tentar proibir a indignação diante das injustiças. Não é novidade
ver a direita de sempre espernear pelo aumento da repressão aos protestos. É
escandaloso, no entanto, constatar que o PT e o PCdoB desejam o mesmo. Os dois
jovens podem até ter acendido o rojão, mas a culpa política é de quem nega os direitos
do povo todos os dias.
Dilma, Cabral,
Paes e demais governantes...
Quem não quer alvoroço
no poleiro, não deixa faltar nada no galinheiro.
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