Por João Paulo da Silva
Diante do espelho, observo com dolorosa tristeza a enorme vaga que a calvície deixou em meu cocuruto. É de dilacerar o coração, confesso. Constatar que esta minha superfície nua já fora em outros tempos uma área de vasta cabeleira é realmente pavoroso. Perder os cabelos é como ser desmembrado, quase como perder um órgão vital. Não creio que esteja cometendo exageros. Os que sofrem do mesmo infortúnio sabem do que estou falando. Ficar careca é angustiante!
Eu tinha lindos cabelos. Eles eram lisos e “mais negros que a asa da graúna”. Costumava usar um corte estilo “cuia”, todo redondinho. Parecia mais o Tibicuera, aquele índio tupinambá do Érico Veríssimo. Fazia sucesso. Todo mundo queria passar a mão no meu cabelo. As garotas adoravam. Ah! Meu lindo cabelinho.
Tudo começou ainda na adolescência. Eu devia ter uns quinze anos quando os primeiros fios começaram a cair. No início eu nem dei muita bola. Os médicos diziam que era normal o ser humano perder por dia entre 50 e 100 fios. Fiquei tranqüilo. Por pouco tempo, é claro. Foi na escola que uma colega avistou atenciosamente o prelúdio da minha desgraça.
- Ô, João? – disse ela – Tu vai ficar careca!
A infeliz sentava atrás de mim. Podia ver a retaguarda do meu cocuruto. A frase ecoou na minha cabeça como os tambores do Apocalipse.
- Do que você está falando?! Quem vai ficar careca aqui?!
- Você, ué? A não ser que tenha virado monge franciscano, esse buraco que tá começando a aparecer atrás da sua cabeça me parece princípio de calvície.
Os cabelos estavam por toda parte. No travesseiro, na toalha, na pia do banheiro. Passei a contar todos os fios que encontrava pelo caminho. Fiquei paranóico. Minha mãe tentava me convencer de que eu não estava ficando careca.
- Meu filho, isso é paranóia da sua cabeça. – dizia ela passando a mão pelos meus cabelos e percebendo o tufo que se desprendera.
Fui a um montão de dermatologistas e recebi de todos a mesma resposta.
- Não tem cura, garoto. No máximo um tratamento pra retardar a queda.
- Meu filho, isso é paranóia da sua cabeça. – dizia ela passando a mão pelos meus cabelos e percebendo o tufo que se desprendera.
Fui a um montão de dermatologistas e recebi de todos a mesma resposta.
- Não tem cura, garoto. No máximo um tratamento pra retardar a queda.
Mas não era o que eu queria. Eu queria era não ficar careca. Simples.
Fiz uma porção de tratamentos. Comprei xampus das mais variadas cores e cheiros, loções capilares com aromas horrorosos, até uma mistura com alho e gengibre feita pela vizinha curandeira eu tentei. Tudo em vão. Eu achava que tinha irritado alguma força poderosa, quem sabe os mestres do universo, ou talvez algum “deus dos cabelos”. Com certeza que não. No fundo eu sabia quem era o culpado por toda minha angústia. Meu pai. Sim, o velho nessa época já tinha uma calva muito grande. Havia uma herança para mim. E não era dinheiro. Passei um tempão com raiva do meu pai.
- A culpa é sua, pai! – dizia eu olhando angustiado para o espelho.
- Minha? Por quê?
- Quem mandou o senhor ser careca?!
- Agora danou-se tudo! Vá reclamar com seu avô! Ele também é careca.
Percebi que o problema era um pouco mais complicado. Havia mesmo era um legado do mal. Descobri algo muito pior que o destino: a genética!
- A culpa é sua, pai! – dizia eu olhando angustiado para o espelho.
- Minha? Por quê?
- Quem mandou o senhor ser careca?!
- Agora danou-se tudo! Vá reclamar com seu avô! Ele também é careca.
Percebi que o problema era um pouco mais complicado. Havia mesmo era um legado do mal. Descobri algo muito pior que o destino: a genética!
O tempo passou. Eu fui crescendo e a calvície avançava sem tréguas. Em pouco tempo começou a devastar também minha área frontal. Eu não tinha mais forças para lutar no front. O inimigo me encurralara. Mas eu não estava disposto a me render.
Tentei a tática da dissimulação. Quis fingir que nada estava acontecendo. Esquecer mesmo, sabe? Ora, perder os cabelos não era o fim do mundo. Também não deu certo. A resistência não durou mais que uma semana. Havia um elemento surpresa com o qual eu não contava: as pessoas. Tem sempre uns engraçadinhos que adoram tirar sarro da desgraça alheia. Estão entre eles amigos e parentes. O ser humano é um bicho maligno!
- Ô careca! Pouca telha! Virou um caminhão de peruca ali na esquina. – diziam os amigos do trabalho entre gargalhadas.
- Meu filho, tão novo e já tá ficando careca. – observava uma tia (é sempre uma tia!).
- Careca! Cabeça de ovo! – gozavam os primos pequenos.
Nunca superei completamente a “fuga” dos meus cabelos. Hoje, olhando criticamente para o espelho e pensando na vasta experiência que tenho em calvície (e bota vasta nisso!), me pego refletindo acerca dos problemas da minha categoria: os carecas.
Como calvo que sou, compreendo perfeitamente as lamúrias de nossa existência. Não é todo careca que se dá bem com sua careca. Não são todos os homens que têm a sorte de ficarem parecidos com o Sean Connery quando perdem os cabelos. É muito cruel você se olhar no espelho e descobrir que se transformou no José Serra. Bate logo uma depressão.
As pessoas também não ajudam. Há muito tempo que os carecas são tomados como ponto de referência nas ruas da cidade.
- Amigo, por favor, como faço pra chegar na Rua Íris Alagoense? – pergunta um sujeito a outro bem na praça do Centenário.
- O senhor vai por aqui direto. Quando chegar naquela esquina onde tá aquele careca, o senhor dobra a direita e segue em frente.
Como se não bastasse, a sociedade ainda inventou algumas frases para ridicularizar os carecas. Coisas assim: “é dos carecas que elas gostam mais” ou “as piores cabeças Deus cobriu com cabelo”. Isso só piora a situação. Acaba afetando a auto-estima da pessoa.
Outro dia eu conversava com uma amiga anarquista sobre minha depressão capilar. Ela me dizia:
- Você tem que parar de se preocupar com esses estereótipos, João. Tem que se libertar!
Ela tem lindos cabelos ruivos. Não me agüentei.
- Que conversa de estereótipo é essa?! Queria ver se fosse com você! Raspe esse seu cabelo e fique numa boa! É cada uma que me aparece.
Outro dia eu conversava com uma amiga anarquista sobre minha depressão capilar. Ela me dizia:
- Você tem que parar de se preocupar com esses estereótipos, João. Tem que se libertar!
Ela tem lindos cabelos ruivos. Não me agüentei.
- Que conversa de estereótipo é essa?! Queria ver se fosse com você! Raspe esse seu cabelo e fique numa boa! É cada uma que me aparece.
Ter uma careca não é nada fácil.
Admito que o porquê da calvície me atormenta, mas é mesmo a falta de solução para o problema que me desgraça. Tanto progresso científico pra nada! Ônibus espacial, viagem à lua, viagem a Marte, energia nuclear, clonagem etc, etc, etc... Estamos no século 21! Cadê, então, a cura para a calvície?! A indústria farmacêutica não está nem aí para os carecas. Pouquíssimas foram as vezes que tomei conhecimento de uma possível solução para tamanha infelicidade (a peruca não conta!). Me lembro de uma. Um laboratório nos EUA havia desenvolvido uma pílula com propriedades de restauração do crescimento capilar. Na hora fiquei eufórico. Pensei até que meu martírio tinha chegado ao fim. Bobagem. O remédio tinha efeitos colaterais. Tomando a pílula, a restauração era praticamente garantida. No entanto, havia um problema: o sujeito poderia ser vitimado pela impotência sexual. Aí eu fiquei puto! De que adiantava ganhar em cima, e perder embaixo?! Desisti. Alegria de careca dura pouco.
Pode ser que depois de mais alguns anos eu me acostume. Mas até lá vou ficar na bronca. Estou pensando inclusive em fundar uma entidade. A ACA (Associação dos Carecas Anônimos). Sairemos todos pelas ruas com caixas de papelão na cabeça. Faremos grandes passeatas exigindo do governo mais verbas para as pesquisas sobre calvície (se é que existe isso!). E se o povo nos acompanhar podemos até tomar o poder. Fundaremos a República dos Carecas. São planos futuros.
Outro dia comprovei que todo castigo pra careca é pouco. Eu caminhava pelo centro da cidade quando cruzei com um velho amigo.
- Diga, João! Quanto tempo, rapaz! Como vai essa força?
- Vai indo, vai indo.
Me preparei para uma provável piadinha sobre minha careca.
- Ô, João? – lá vem chumbo, pensei – Tu tá ficando barrigudo, hein!
- Quem? Eu? Barrigudo?
10 comentários:
Faço versos com o corpo,
Com o suor e o sangue dos outros.
Porque um poema é uma veia aberta,
É a insônia dos medos.
Um poema é uma pedra no sapato.
João Paulo da Silva
grande poema
seu careca !!!
auhuahuahauau
dexe dessa desencana aew pow!!!
a sua careca jah virou a sua marca!
vlwwws vey,
abraço
" Se eu quero pinchaim, deixa! se eu quero enrrolado, deixa! se eu quero colorir, deixa! deixa a madeixa balançar!!....respeite meus cabelos, BRANCOS"
Bom texto, engraçado e revelador rsrs...so achei ele um pouco extenso ficando um pouco enfadonho, mas nada q comprometa a atençao da leitura.
valeu
Bicho,
que causa pequeno-burguesa do caralho. Sim, mas não há tanto problema em usar finasterida. A dose para combater a calvíce é bem menor do que a que causa impotência. Muitos amigos, carecas, usaram e não se queixaram de brochada alguma (quem teria coragem de contar? eu tenho, sem problemas... quem nunca brochou que atire a primeira pedra). Mas não tem problema João, se a finasterida te causar imcomodos, usa a pílula azul. A variedade de pílulas contra impotência é bem maior que a variedade de pílulas contra a calvíce!! hehehehehe...
Flw
Pinky
kkkkkkkkkkkk...
iii ta ficanduu carecaah
relaxee JP.. éh da vidah issuu
coisas inevitaveis q podem acontecer a qualquer momento..e com qualquer pessoa!!
bzoo
Muito bom seus versos Jõao, me orgulho muito de vc, de ser seu cunhado e fico muito feliz que vc faça parte da minha vida.
Muito do que eu sou hoje, dejo a vc, desde meu crescimeto como pessoa, (não em altura, isto está visível) mas principalmente político.
Saudações Revolucionárias, espero que estejamos juntos, no momento da ravolução, na mesma trincheira, rumo a plena liberdade da classe operárias.
André Luis
Il semble que vous soyez un expert dans ce domaine, vos remarques sont tres interessantes, merci.
- Daniel
.
Passei por todas essas fases, hoje eu acredito em máquina 1 e 2.
Eu também acredito em Bruce Wills,
Jason Stahan e Vin Diesel!
E eu acredito em foda-se. (é a inevitável fase final)
:p
Adorei sua crônica, muito boa! Parabéns!
Adorei a sua crônica, muito boa! Parabéns!
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