Por João Paulo da Silva
Na literatura de Guimarães Rosa, o sertão é o mundo. Fantástico e absolutamente repleto de magia. Entretanto, na vida crua nossa de todos os dias o mundo é outra coisa. Onde o cotidiano corre sem freios e sem tempo para esperar por ninguém, o mundo é um coletivo. Não há deslumbramentos nem feitiços redentores. Lá, a vida não aceita ilusionismos. O coletivo é o mundo porque nele circulam pessoas reais. Gente que não usa black tie nem frequenta coberturas. Gente de carne e osso. Que não aparece nas revistas, nas colunas sociais nem nas telas do cinema. Gente que quase não é gente.
Os que circulam nos coletivos são os mesmos que fazem o mundo girar. Seres sem os quais a vida não seria possível. Homens e mulheres que movem a engrenagem em troca de mais um dia na vida. Pedreiros, garis, professores, técnicos de todos os tipos, vendedores, operários etc. São sombras disformes buscando, entre humilhações, a sobrevivência. E, pretensiosamente, talvez a felicidade. O coletivo é o mundo porque nele residem as tragédias humanas. Aquelas que não entram nos restaurantes, universidades e condomínios de luxo. Porque só dentro dos coletivos elas são aceitas.
No coletivo, sobem todos os dias inúmeras crianças vendendo balas. Muitas nem mesmo sabem falar direito, mas já foram obrigadas a aprender como se ganha o pão e se perde a infância. Dizem sempre as mesmas coisas, cantam sempre as mesmas canções ruins e imploram ajuda sempre em nome do mesmo Deus, que elas nem sonham não existir. Para boa parte delas, o futuro – se houver algum – será apenas a sensação daquilo que poderia ter sido. Aqui, a vida é uma tragédia de um ato só.
Na outra ponta do coletivo, em pé ou sentado, viaja um homem triste. Vai chegar em casa e dizer a mulher que agora faz parte das estatísticas do desemprego. Não. Ele não vai dizer isso. Ele não sabe o que são estatísticas porque não terminou nem mesmo o primeiro grau. Entretanto, sabe que não é preciso estudo para entender que, nesse mundo, sem emprego você morre de fome. É provável que ele não seja o único no coletivo a voltar desempregado para casa. Ninguém, no entanto, tem nada a ver com isso, não é mesmo? Que importa como os outros vivem ou deixam de viver?
Talvez as pessoas não saibam, mas no coletivo viajam alcoólatras, viciados, doentes contagiosos, mulheres que apanham do marido, aidéticos, miseráveis e famintos. Gente que acha que suas tragédias são só suas, íntimas, pessoais e intransferíveis, como cartões de crédito. Mal sabem elas que todas as tragédias humanas são tragédias públicas e coletivas. Muitas estão tão distraídas com o próprio sono e cansaço que não veem quando dois assaltantes entram no coletivo e levam tudo daqueles que já não tinham nada. É fim de mês. E nas bolsas havia salários recém recebidos.
As tragédias humanas dão origem a todo tipo de mal. E é dentro dos coletivos que elas trafegam, que elas se encontram, sem maquiagens nem magias. Duras, cruas e frias, como um ônibus coletivo. Mas você, claro, não tem nada a ver com isso.
Na literatura de Guimarães Rosa, o sertão é o mundo. Fantástico e absolutamente repleto de magia. Entretanto, na vida crua nossa de todos os dias o mundo é outra coisa. Onde o cotidiano corre sem freios e sem tempo para esperar por ninguém, o mundo é um coletivo. Não há deslumbramentos nem feitiços redentores. Lá, a vida não aceita ilusionismos. O coletivo é o mundo porque nele circulam pessoas reais. Gente que não usa black tie nem frequenta coberturas. Gente de carne e osso. Que não aparece nas revistas, nas colunas sociais nem nas telas do cinema. Gente que quase não é gente.
Os que circulam nos coletivos são os mesmos que fazem o mundo girar. Seres sem os quais a vida não seria possível. Homens e mulheres que movem a engrenagem em troca de mais um dia na vida. Pedreiros, garis, professores, técnicos de todos os tipos, vendedores, operários etc. São sombras disformes buscando, entre humilhações, a sobrevivência. E, pretensiosamente, talvez a felicidade. O coletivo é o mundo porque nele residem as tragédias humanas. Aquelas que não entram nos restaurantes, universidades e condomínios de luxo. Porque só dentro dos coletivos elas são aceitas.
No coletivo, sobem todos os dias inúmeras crianças vendendo balas. Muitas nem mesmo sabem falar direito, mas já foram obrigadas a aprender como se ganha o pão e se perde a infância. Dizem sempre as mesmas coisas, cantam sempre as mesmas canções ruins e imploram ajuda sempre em nome do mesmo Deus, que elas nem sonham não existir. Para boa parte delas, o futuro – se houver algum – será apenas a sensação daquilo que poderia ter sido. Aqui, a vida é uma tragédia de um ato só.
Na outra ponta do coletivo, em pé ou sentado, viaja um homem triste. Vai chegar em casa e dizer a mulher que agora faz parte das estatísticas do desemprego. Não. Ele não vai dizer isso. Ele não sabe o que são estatísticas porque não terminou nem mesmo o primeiro grau. Entretanto, sabe que não é preciso estudo para entender que, nesse mundo, sem emprego você morre de fome. É provável que ele não seja o único no coletivo a voltar desempregado para casa. Ninguém, no entanto, tem nada a ver com isso, não é mesmo? Que importa como os outros vivem ou deixam de viver?
Talvez as pessoas não saibam, mas no coletivo viajam alcoólatras, viciados, doentes contagiosos, mulheres que apanham do marido, aidéticos, miseráveis e famintos. Gente que acha que suas tragédias são só suas, íntimas, pessoais e intransferíveis, como cartões de crédito. Mal sabem elas que todas as tragédias humanas são tragédias públicas e coletivas. Muitas estão tão distraídas com o próprio sono e cansaço que não veem quando dois assaltantes entram no coletivo e levam tudo daqueles que já não tinham nada. É fim de mês. E nas bolsas havia salários recém recebidos.
As tragédias humanas dão origem a todo tipo de mal. E é dentro dos coletivos que elas trafegam, que elas se encontram, sem maquiagens nem magias. Duras, cruas e frias, como um ônibus coletivo. Mas você, claro, não tem nada a ver com isso.
3 comentários:
Uma vez andando num coletivo, surgiram as cenas que deram origem ao poema logo abaixo. Parabéns João por mais um bom texto.
Adriano
A “GAZELA” E O COBRADOR (ou Cenas Urbanas)
Depois de rasgar o verbo,
num espetáculo digno de Dante,
quase um dramalhão mexicano,
(pensei que assistíamos ao Ratinho),
silenciou-se a Gazela,
rasgando com os olhos
a face bela e cínica,
de galanteador barato,
de seu Amor, o trocador.
E nós, passageiros estupefatos
não sabíamos se ficávamos calados,
ou se em coro,
gritávamos:
Viva, BIS, BIS, BIS.
Sensacional sua análise!!!
"As tragédias humanas dão origem a todo tipo de mal. E é dentro dos coletivos que ela trafega, que ela se encontra, sem maquiagens nem magias. Dura, crua e fria, como um ônibus coletivo. Mas você, claro, não tem nada a ver com isso."
É incrível como todo mundo que anda de ônibus tem ao menos uma boa história para contar.
Hum... pra variar gostei muito do texto.
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